quarta-feira, 29 de agosto de 2007

as últimas do Laerte


Não é segredo nenhum a minha admiração pelo Laerte. Pois bem, li hoje algo que me deixou muito satisfeito. As tirinhas que vêm sendo publicadas aos sábados na Folha viraram um livro, chamado "Laertevisão", e além disso, está sendo lançada ainda a saga completa dos Piratas em três volumes, o primeiro sai nessa semana.

Abaixo, uma longa entrevista publicada hoje, onde o Laerte faz uma auto análise e se diz em crise. E uma foto, que mostra que o cartunista tá um pouquinho mais velho do que eu pensava...não importa, o cara continua genial como sempre.

Um dia ainda sai TUDO compilado...mas tá valendo, o Laerte nunca nos deixou na mão, vira e mexe ele solta alguma coisa.

Ah, mais uma...tá pra sair um filme dos Piratas!

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Entrevista

Folha- Além da reedição dos "Piratas", você está lançando "Laertevisão", que é seu trabalho mais atual.
Laerte- Eu fazia comentários sobre a TV e isso estava chegando no meu limite, então resolvi dar uma guinada há cerca de um ano e partir para elementos biográficos, coisas de memória.
Folha - Isso já pega sua fase mais atual.
Laerte- É, porque eu perdi o jeito de um monte de coisas, de modos de fazer humor que eu tinha, de usar personagens, usar a engenharia de piadas que eu sempre usei. Tudo isso ficou esquisito, então passei a outros procedimentos. Em busca disso, passei dois anos fazendo uma tira absolutamente sem norte, sem nada que orientasse.
Folha- E por que você perdeu o jeito, como diz?
Laerte- Cansou, por um monte de motivos, ficou... [pausa] Bom, é uma explicação que tem de passar pela morte do meu filho também, isso foi um divisor. Eu passei a ver e pensar as coisas de um outro jeito, uma série de procedimentos começou a perder o sentido ou ganhar outros. Muito do que consistia a natureza das minhas tiras era um tipo de prestação de contas, era como se eu as estivesse fazendo para algum juiz, era um modo extenuante de trabalhar. Passei também a não achar mais graça no tipo de humor que eu fazia, não me identificava mais com aquele modo de fazer, então resolvi deixar de lado os personagens.
Folha - Para sempre?
Laerte- Não, não quer dizer que eu os matei, só que fui atrás de outra coisa, fui buscar um modo de fazer que eu tinha aos 17 anos, algo bastante livre, indagativo, experimental, porra-louca. Fui atrás desse espírito.
Folha- Porque nessa fase você ainda não tinha o tal "juiz", é isso?
Laerte- Sim, claramente foi começar a trabalhar que desenvolveu isso. Quando eu comecei a desenhar não tinha muito claro que seria humorista, desenhista. Eu queria ser músico, jogador de futebol, fazer teatro, cinema, tudo isso de uma maneira muito aberta e sem expectativa. Eu tentei ir atrás disso, trabalhar a linguagem de tiras dentro de outro contexto, fazer pequenos contos, cada tira sendo uma peça autônoma. Abandonei padrões gráficos, procedimentos humorísticos que eu tinha e parti em busca de outras narrativas.
Folha- Virou uma prestação de contas para si mesmo?
Laerte- Não, a idéia é trabalhar sem esse tipo de expectativa, passar por cima desse hábito muito encruado. Depois de mais de 30 anos, esse modo de trabalhar vira um vício, assim como o modo de desenhar, o narigão, os olhos... O que quer dizer isso? Pra mim, não queria dizer mais nada.
Folha- Tornou-se mais fácil, então, criar as tiras?
Laerte- Não, não facilitou. Abriu possibilidades, mas é muito mais trabalhoso, mais complicado. Eu demorava mais para fazer as tirinhas. Aí, no fim do ano passado, eu cansei, fiquei sem pé novamente e passei a republicar o material do Classifolha, os cartuns livres, achei que dava para tirar um ano sabático. Não que isso seja livre de trabalho, eu pego as tiras e reorganizo num tamanho diferente, o que às vezes implica em construções diferentes.
Folha- E por que esse novo estalo?
Laerte- Porque até essa linguagem nova, indagativa, de pesquisa, chegou a um ponto em que entrei numa crise, não sabia bem o que fazer. A isso soma-se meu acerto com a editora Desiderata para produzir uma história longa, de 96 páginas, e inédita. Passei seis meses fazendo um roteiro e cheguei à conclusão que ele não funcionava, então voltei à estaca zero, vamos ver se um dia isso frutifica. Estou começando novamente o roteirão.
Folha- Em que fase você está atualmente?
Laerte- Estou "Laerte em crise". Mas não sei se é algo muito fim do mundo, é um momento. Estou trabalhando nesse roteiro, acho que o resultado dele vai ser informativo para mim, vou ter mais dados. Talvez eu volte a fazer as tiras como eu fazia, dentro do conceito aberto de pequenos contos.
Folha- Você já teve uma crise anterior, quando largou o casamento, o Partido Comunista e o emprego formal e foi fazer quadrinhos. Elas se assemelham?
Laerte- Sim. Na verdade, um pouco antes do acidente com meu filho eu já estava mudando de rumo, já estava apontando isso, o cansaço com os personagens, com o humor, o esgotamento de uma linguagem e o problema, fazer o que agora? Eu não queria parar de fazer [as tiras], acho que dá para ter uma proposta, mas é um parto. Nesses momentos é muito legal estar num jornal como a Folha, dois outros deixaram de publicar a minha tira porque ela ficou estranha, não tiveram paciência.
Folha- Alguns leitores reclamaram.
Laerte- Teve desde a perplexidade positiva, uma curiosidade com vontade de ver mais, até gente que achou que não era mais a praia deles, além de leitores que se revoltaram contra algumas tiras específicas; os criadores de poodle, por exemplo, se revoltaram [em uma das tiras, Laerte fazia a cabeça do cão de bola de golfe].
Folha- Com essa mudança de foco você passou a se importar menos com o julgamento dos leitores?
Laerte- Sim, um pouco menos. Não tenho nenhum desprezo pelo leitor, mas passou a ter um peso diferente. É uma opinião, não quer ler, não quer renovar o contrato, tudo bem, aceito, isso acontece. A idéia é retomar essa linha de pesquisa porque alguns momentos desses dois anos que eu fiz essas tiras foram muitos legais, eu fiquei realmente satisfeito, que era algo que não acontecia há tempos, eu ficar satisfeito de verdade, não apenas achar que fiz uma boa piada. Essas tiras da TV, por exemplo, várias me satisfizeram bastante, o fato de serem sobre memórias ajuda bastante. Quando a gente passa dos 50 é meio natural começar a pensar em memórias, "como era quando eu tinha 13 anos?".
Folha- Com essas você continua?
Laerte- Sim, mas um dia minha memória acaba também.
Folha- Seus dois lançamentos e sua tira na Folha são relacionados ao seu passado. Você está em uma fase revisionista?
Laerte- É uma pergunta capciosa. Alguém que produz um livro de memórias não está fazendo uma coisa passadista, está usando como matéria-prima o que ele tem de experiência de vida, mas não está produzindo uma obra passadista. Mas eu acho que é verdade sim, não sei muito falar de projetos futuros cheios de energia. Tem o longa-metragem, por exemplo, que é dos Piratas [dirigido por Otto Guerra, que também fez "Wood & Stock", de Angeli].
Folha- Qual seu envolvimento?
Laerte- É grande, eu fiz o argumento e estou trabalhando no roteiro com um roteirista. Entrou o Tomas Créus, que fez um primeiro e segundo tratamentos do roteiro, e agora vai entrar o Gilmar Rodrigues, com quem vou continuar trabalhando, vamos começar a fazer desenhos de produção, cenários, vou meter a mão. Não tenho muito tempo nem energia, e moro aqui em São Paulo [a produção está sediada em Porto Alegre], mas vou mandar bastante coisa de fotos e desenhos que podem ajudar. A concepção dos Piratas era bastante livre, mas, de alguma forma, estava ligada ao que era a Marginal Tietê nos anos 80, e o cenário mudou bastante, tem muito mais coisa que eu gostaria que entrasse no filme.
Folha- E o roteiro é sobre o quê?
Laerte- É uma história nova, nunca foi publicada, algo que eu queria fazer em tiras continuadas, ensaiei esse começo. Nela, os Piratas ficam de posse de um documento assinado há 400 anos entre o dono do terreno onde fica São Paulo e uns bandeirantes, que alugam a área por todo esse tempo. Quando o contrato acaba, a cidade precisa ser devolvida aos herdeiros do dono, que são os Piratas. Tem um monte de coisas, teste de DNA, aspectos jurídicos, além de aventuras violentíssimas.
Folha- E você pretende colocar outros personagens?
Laerte- Não, acho que vão ser só eles. Talvez o Hugo entrasse, não tenho certeza se, no último tratamento do roteiro, ele ficou.
Folha- Você assistiu a "Wood & Stock"?
Laerte- Sim, achei muito legal. Do meu ponto de vista, me beneficia muito, porque o Otto aprendeu muito fazendo o "Wood & Stock" e está mais bala para fazer meu filme.
Folha - Os Piratas são seus personagens mais populares, não?
Laerte- Sim, acho que são os mais claros, tem mais peso, são mais específicos. São um achado muito bom, estavam prontos enquanto personagens, são auto-explicativos, misturam um fenômeno histórico que foi a pirataria com a visão romântica deste fato histórico, que foi construída depois, no século 19.
Folha- Você fez pesquisa para chegar neles?
Laerte- Sim, eu gosto do assunto. E os personagens se encaixam perfeitamente numa história crítica urbana brasileira atual. Todo dia vemos exemplos de como nós, enquanto cultura, somos flexíveis ao ponto da pirataria em relação a regras, normas. A pirataria é algo muito compreensível para qualquer um no Brasil.
Folha- E os livros que estão saindo agora são reedições das histórias dos Piratas?
*Laerte- Sim, das histórias, não das tiras. Algumas tiras foram usadas para fazer uma pontuação na feitura dos três volumes, mas a obra são as histórias, que saíram originalmente na "Chiclete com Banana" [e depois em revista própria, homônima].

Folha- No editorial da "Piratas" nº 1, em 1990, você perguntava qual era o plano geral do povo brasileiro. Você acha que já temos um?
Laerte- Naquele tempo eu tinha algum tipo de opinião nessa área, hoje eu tenho bem menos. Acho que é um autodesencanto, meus pontos de vista vão se comprovando errados à medida que o tempo passa. Já fui do Partido Comunista e tinha um código muito nítido de concepções, mas, com o tempo, fui perceber que eu não acreditava nisso ou não entendia direito o que era aquele negócio. Fui largando coisas e minhas percepções estão cada vez mais líquidas. Não tenho mais uma opinião sobre o povo brasileiro.
Folha- E sobre o presidente Lula, que você conheceu na época em que trabalhava com os sindicatos?
Laerte- Eu acho que ele é um cara legal. Não sei se é um bom presidente, o governo dele é
bastante estranho, a diferença entre as coisas em que ele um dia acreditou e afirmou e o que ele pratica hoje enquanto presidente é bastante grande. Um dos problemas sérios do Lula foi que o partido [PT] que todos achávamos que existia junto a ele, não existia. Mas eu o conheço, votei nele e ainda o acho uma pessoa muito interessante, perseverante. Mas político é político, é outra estrada.
Folha - Num cartum de "Laertevisão" você diz que foi um adolescente "parnasiano". Que tipo de adulto é hoje?
Laerte- Não sei te dizer. Acho que sou um adulto contemporizador, que põe panos quentes.
Folha- Você foi quase um coroinha quando criança e depois largou a religião. Mais tarde, transformou Deus em personagem. Qual sua relação com Deus hoje em dia?
Laerte- Eu gostava das tirinhas de Deus, mas elas eram atéias. Não fiz as tiras para discutir religião, acho um tema empolgante, mas gosto de tratá-lo fora da fé. Gosto da mitologia que as religiões propõem, acho um modo muito criativo de ver a vida, não quero discutir se aquilo é mentira ou verdade, se estão enganando o povo ou não. De certa forma, quando eu faço o personagem Deus, estou me colocando ali. Assim como o Deus do Allan Sieber é ele também, um sujeito com aquele nível de aguerrimento, bravo.
Folha- Falando em Sieber, uma boa parte da geração dele e outros mais antigos enfatizam a dureza da profissão de cartunista, a pobreza. Muitos tiveram origens humildes, enquanto você veio de uma família de classe média alta. Isso fez diferença na sua obra?
Laerte- Acho que sim. Sem fazer muita sociologia sobre a altura da classe média, a gente vivia bem, sempre tivemos carro, bife na mesa, essas coisas. Algumas vezes ficamos duros, mas era algo que passav
a. Eu nunca precisei trabalhar e sempre tive liberdade total para escolher o caminho que fosse. Mas muitos dos cartunistas que eu conheço tiveram problemas de sobrevivên
cia. O Angeli, por exemplo, foi trabalhar, foi office-boy, era um menino que trabalhava e foi para a via do cartum com uma gana diferente da minha, era mais punk, um cara da classe operária. Eu fui porque gostava da coisa, não queria ser um diletante, mas minha posição sempre foi muito mais cômoda.
Folha- E como você vê a profissão de cartunista hoje em dia?
Laerte- Está mais difícil, porque o preço caiu muito. O que se pagava pelo trabalho de humorismo gráfico na década de 1970 era claramente superior, assim como o espaço que essas linguagens ocupavam dentro dos veículos de mídia. Por exemplo, a "Playboy" era uma
maravilha para ilustradores, hoje não dá mais para contar com ela. Por outro lado, existem muito mais publicações, então pode-se dizer que o campo abriu bastante. Fora isso, os avanços tecnológicos, como programas de animação, colocaram linguagens que eram só sonhos, hoje são concretas. É possíve
l uma pessoa como Sieber fazer um filme quase sozinho, um grupo pequeno de pessoas pode se desincumbir de um filme com uma facilidade que era impensável. Mas ainda é difícil ganhar a vida.


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domingo, 26 de agosto de 2007

Quase é mais que suficiente

De uma maneira geral, posso me considerar até hoje bem sortudo no quesito violência física. Nunca apanhei de verdade, nunca feri ninguém, nunca fui maltratado na infância.

Minhas experiências mais próximas de violência séria foram sempre um quase.
Vai aqui três causos relevantes e diferentes.


1- As delícias da otoridade


Nunca fui assaltado, mas não fico repetindo isso por aí. Vai que é que nem chuva. Mas costumo aconselhar (embora nem sempre pratique) que no Brasil é mais seguro ter medo de policial do que de ladrão. Não falo inteiramente sem motivos.

Na saída de uma festa no CAASO, estou eu sozinho com 19 anos e uma pochete preta (pois é), andando a uns 40 metros da entrada da Matemática da USP de São Carlos.
Uma viatura está parada (ou passou e parou, não lembro), e a janela se abre e um policial me chama de maneira estranha, furtiva, acenando. Me pergunta alguma coisa, em tom estranho.
Está um pouco escuro, estou com um pouco de álcool no corpo e ouvidos meio lesados do barulho da festa – afora minha dificuldade sempre presente de entender o que outros falam para mim. Como não entendo o que o policial diz, me aproximo do carro (há outro policial junto com ele).
Na minha aproximação, o imbecil me aponta uma arma e me pergunta o que é que eu estou levando na mui suspeita pochete. Eu abro e mostro, indignadíssimo e a uma distância “segura”: carteira, chaves, etc. E, liberado pelo imbecil, vou embora dormir.


punchline: O único que já me apontou o cano de uma pistola foi um policial.



2- A neutralidade ilusória do voyeur

A ameaça mais séria que já recebi na minha vida veio de quando tentei fotografar mendigos embaixo de um viaduto.

Trabalho de faculdade. Fazer uma leitura sensorial e plástica da paisagem urbana para fazer depois um objeto com isso.
Meu grupo (eu, Du, Camé e Ró) pegamos a velha estação ferroviária de São Carlos e o grande pontilhão que faz uma curva logo após ela (um marco inegável na paisagem urbana, ainda que com aspectos nefastos – como muitos marcos)
Realizávamos um levantamento fotográfico do local. Em um dos espaços entre os pilares do pontilhão, havia um grupo de sem-teto (algo que não se via muito em São Carlos).

Pensamos que seria legal fotografá-los, como parte da leitura da cidade, do não-espaço no qual aquilo a área se transformara. Claro, o faríamos discretamente, junto com o levantamento panorâmico do pontilhão; era só dar um zoom...

Porém, no que fomos vistos com a câmera em punho (eu, especificamente), houve reação. De longe, um homem barbudo se desprendeu do grupo, brandindo um grande e letal tubo de metal nas mãos e gritando que ninguém ali ia fazer fama com sua miséria, que ia até lá arrebentar todos nós e que já tinha fugido da cadeia pela segunda vez e não tinha nada a perder.
Todos os que estavam comigo ficaram apreensivos, meio amedrontados. Eu, bobo que sou, fiquei muito mais bravo que assustado; contrariado por não poder tirar a foto que queríamos, mais indignado ainda por não poder fotografar apropriadamente parte do viaduto (pois era perigoso apontar a câmera em direção ao homem...) e ofendido por ser ameaçado por coisa tão pequena como uma foto para um trabalho de escola (que grosseria, pô!)

Hoje penso: havia uma violência potencial de minha parte contra aqueles moradores. Eu atentava contra sua dignidade, minha lente os coisificava. E eles, mais espertos do que eu, sabiam bem disso.

punchline: pessoas ocupam espaço, e fotos também.


3- O olho do furacão e o umbigo do mundo


18 de julho agora, eu voltava das férias curtíssimas na casa de minha namorada para Cianorte. 6:00 da manhã, eu dormindo no ônibus, ligam pra minha namorada: é um desses tão ocorridos trotes-seqüestro. Pega de surpresa e recém-acordada, minha querida é parcialmente levada na conversa; mas tem presença de espírito o suficiente para ligar para meu pai no celular, ao mesmo tempo em que enrola os “bandidos”.

Resultado: três pessoas apavoradas e recém-acordadas tentando ligar pra um celular que -- muito razoável e coerentemente às 6:00 da manhã e com pouca bateria -- estava desligado.
Acordo, chego em Maringá às 7:30 pra ir pra Cianorte às 8:00. Ligo o celular. Um monte de mensagens. Recém-acordado, não consigo nem sequer ficar realmente chocado ou morrendo de pena das pessoas que, por mim, passaram intensa aflição por mais de uma hora e meia.

Entendam: não consegui achar a coisa toda real. Pareceu uma lorota, uma história absurda. Se eu ouvisse alguém contar o ocorrido com outras pessoas, talvez ficasse mais comovido do que fiquei naquele momento. Senti-me mais indignado, e com aquela certeza grogue de quem acabou de acordar: "mas como assim acreditaram? Eu estava aqui todo o tempo, dormindo -- na verdade, tentando dormir -- numa boa!..."

Toda a preocupação ocorreu em volta de mim; eu não consigo, até agora, me conectar direito ao fato, fazê-lo palpável. Não consigo emprestar realidade ao fato. Como é comigo, não consigo senão negar a empatia a esse acontecimento esdrúxulo.

Sempre fui muito assombrado pelo espectro de minha alienação em relação ao resto do mundo, uma inquietante e irritante separação, uma dificuldade de se ligar e tendência a se isolar mentalmente e emocionalmente da realidade. Tendência que já melhorou consideravelmente, mas contra a qual terei que me bater durante provavelemente minha vida inteira.
Tendo isso em conta, pode-se ver uma irritante ironia nesta última constatação:

A pior coisa que já aconteceu comigo não aconteceu.



Nos três casos, o que senti não foi medo, humilhação, desespero, dor; foi sempre, predominantemente, INDIGNAÇÃO.
Sortudo, sem dúvida.


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Cuidado

O aumento da violência e a proliferação de gangues na capital venezuelana levaram as funerárias locais a estabelecerem regras para tentar conter atos violentos e festas barulhentas durante os velórios. As restrições incluem recusar cadáveres com mais de três tiros e corpos de "motorizados", variação local do motoboy.
"Trabalhamos com os baleados de acordo com os tiros que têm", explica Magaly Figuera, gerente da funerária San Pedro, que tenta evitar funerais de "malandros", mortos geralmente em ajustes de contas. "Podemos aceitar até três tiros, mas o que tiver oito, 40, nunca. Quem leva tantos tiros num roubo?"

Folha de S. Paulo, 24 de Agosto de 2007

Como assim "quem leva tantos tipos num roubo?"

Alguém levando tiros se preocupa depois do terceiro tiro?

Se alguém executa uma pessoa com vários tiros, já pra se vingar, agora tem a chance de pensar em dar ainda mais trabalho para as famílias: sempre atire pela quarta vez.

E facadas?


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Glauco

A mesma coisa, o tempo todo.


. . .



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Dicas do Wilbor








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Paulo Leminski


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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Mais um



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Lápis-pastel branco sobre papel preto, a partir de desenho em carvão de não-sei-quem.

domingo, 19 de agosto de 2007

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Desconfie de grafias esquisitas

Esta é velha, mas vale a pena contar.


Sou professor do Curso de Design da UEM (Universidade Estadual de Maringá). Recebemos no começo do ano uma carta da instituição privada UNIVERCIDADE (é assim mesmo que se escreve), Unidade Ipanema, falando sobre sua revista de Design, a DESIGNE.
A carta fazia propaganda da revista, “linguajem coloquial”, “impressão totalmente a quatro cores em papel couché brilho de ótima qualidade”, etc etc.

A parte legal era:
“Nessa sétima edição, DESIGNE reservou páginas para até cinco escolas de fora do Rio de Janeiro:
- para participar, a escola interessada deverá adquirir antecipadamente duzentos exemplares da revista em sua sétima edição, que serão fornecidos por ocasião do lançamento ao preço de R$20,00(vinte reais) cada exemplar.

- a compra habilitará a escola a incluir nesta sétima edição uma matéria em forma de spread (página dupla)”

Traduzindo: PAGUE 4 MIL REAIS E NÓS PUBLICAMOS.
Só eu acho isso estranho?
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terça-feira, 14 de agosto de 2007

TAM NOS EUA

Se o acidente da TAM ocorresse nos istêitis, é provável que notáveis diferenças fossem observadas.
- no instante após o acidente, qualquer imigrante, descendente ou pessoa meramente parecida com um árabe no aeroporto e cercanias seria detido (quando não agredido).
- a besteira imediata dita por algum repórter de campo incompetente não seria “o governo matou 200 pessoas”, mas sim “o terrorismo matou americanos novamente” ou algo mais dramático.

- No mesmo dia, 34565.05 auto-intitulados “movimentos terroristas” estariam assumindo a autoria do atentado. (Pelo menos metade dos “movimentos” seria fictício, e uma imensa parte incluiria, fora os islâmicos, grupos coreanos, o sendero luminoso e grupos “cubanos” que, na verdade, seriam americanos e repatriados disfarçados floodando via internet)
- Os democratas diriam para tirar os soldados do Iraque.
- Ann Coulter et caterva chamariam o governo a exterminar alguém.
- Nos meses seguintes, as pressões sobre o Irã e os palestinos, mesmo após ter-se mostrado que foi apenas falha técnica do avião, teriam aumentado pequena, estranha e subrepticiamente.
- dez anos depois, ainda haveria gente acreditando que tratou-se de um atentado abafado pelo governo traidor.


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De noites e mulheres

A Song for Scheherazade
Sultan king cruel majesty
Ordered that his women die
A single night this for all his wives
Takes his pleasure then their lives

And so for many days with the dawn
The sultan had his way
Wives were put to death
His name on their dying breath

Then one day as the evening came
Sultan sends for him a wife
Choose her well charms I wish to see
Bring her, send her in to me
Then came Scheherazade to his side
And her beauty shone
Like a flower grown
Gentle as he'd ever known

Scheherazade bewitched him
With songs of jewelled keys
Princes and of heroes
And eastern fantasies

Told him tales of sultans
And talismans and rings
A thousand and one nights she sang
To entertain her king

She sings
Scheherazade

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Uma música que eu considero muito bonita (da antiga banda Renaissance), sobre uma das histórias mais bonitas do mundo.

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a noite de Antonioni




Ah, intelectuais... todos egoístas, mas cheios de piedade pelo mundo.

Isso foi uma fala de “A Noite”, de Michelangelo Antonioni, citada aqui de memória (provavelmente imprecisa). A fala em preto-e-branco de uma jovem, linda, fútil e sábia moça a um charmoso, intelectual e empertigado tio sukita -- Mastroiani em seus trinta-quarentas.

Minha pequena e atrasada homenagem ao diretor falecido, de quem pouco vi, mas muito me marcou.
Boa noite.

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segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Macaco Lazarento


Rupornis magnrostres (vulgo gavião carijó) na cozinha


Já faz uma semana.
Este pequeno e belíssimo gavião foi cuidadosamente pego por meu pai e sua esposa. Cuidado carinhosamente, fotografado e depois passado para pesquisadores do Cesumar (nenhum veterinário fazia idéia de como tratar o bicho ou mesmo de qual espécie seria).
Foi encontrado no quintal com a asa ferida por um tiro de -- provavelmente -- uma espingarda de pressão dos vizinhos maringaenses superbacanas.

Bicho ruim, nóis.


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domingo, 12 de agosto de 2007

DANCE, MONKEYS, DANCE.



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informal



BRASIL:
UM PAÍS DE TOLDOS


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God bless the goddamned hippies

I don't understand how come you're gone, man.
I don't understand why half the world is still crying, man, when the other half of the world is still crying too, man, I can't get it together.
I mean, if you got a cat for one day, man — I mean, if you, say, say, if you want a cat for 365 days, right — You ain't got him for 365 days, you got him for one day, man.

Well I tell you… that one day, man… better be your life, man.
Because, you know, you can say, oh man, you can cry about the other 364, man, but you're gonna lose that one day, man, and that's all you've got.
You gotta call that love, man. That's what it is, man.
If you got it today you don't want it tomorrow, man.
'Cause you don't need it.
'Cause, as a matter of fact, as we discovered in the train, tomorrow never happens, man.
It's all the same fucking day, man.





Right, man?


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Warner Bros apresenta:

O Minky e o Sérrebro



O Minky e o Sérrebro,
O Minky e o Sérrebro,
Um é cabeçudo, o outro um imbecil...


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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Top, top, top.


 
Balança, mas não cai




Falando em obscenidades...taí, caderno de turismo da Folha, da última 5a. feira, 2 de agosto.

Lógico, o gênio que apareceu com essa manchete achou que ninguém estivesse olhando ou fosse olhar, o conselho editorial não viu...agiram sob o calor do momento do acidente, tiveram apenas 16 dias para refletir sobre o acidente e a dor das vítimas, somente 14 dias após condenar em editorial e diversos artigos o "top, top, top" de Marco Aurélio Garcia e poucos meses para pensar sobre o que publicaram a respeito do "relaxa e goza" da Marta - dita muito tempo antes do acidente.

Deixo aqui os meus parabéns, belo exemplo da seriedade e coerência do maior jornal do país.


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Viva o povão brasileiro!!

"Sou povão. Eu acho esse comentário
[de que faz parte da "elite branca"] até racista.
Passei 10 carnavais seguidos no Rio de Janeiro,
sambando no meio de negros.


PATRÍCIA GUIZZARDI
empresária e estilista
na manifestação "Fora Lula"





Folha de S. Paulo, 05 de Agosto de 2007



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sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A politização do acidente da TAM

Quando foi a última vez que um acidente aéreo pôs um presidente da república em cheque, em qualquer país?

Acidentes aéreos, apesar de raros, comovem muito. Porque morre muita gente de uma só vez, e porque quando cai um avião ninguém tem chance mesmo.

Agora, que as coisas começam a se esclarecer, fico com alguns pensamentos:

Os pilotos, antes do pouso, perguntam à torre sobre as condições da pista, e são informados de que a pista está molhada e escorregadia. Um confirma a informação para o outro.

Antes disso, um deles lembra o outro de que tem apenas um reversor funcionando. O outro confirma.

Ambos sabiam que a pista de Congonhas é curta e não tem as ranhuras...

O que eles fizeram? Pousaram mesmo assim. Se alguém pilotando um avião cheio de gente e combustível soubesse que um pouso em pista curta, molhada e escorregadia, sem um reversor resultaria em morte, procederia com pouso mesmo assim? E os vários pilotos que depois do acidente relataram problemas na pista, porque pousavam?

Pra mim é simples: o pouso é um dos momentos mais tensos de uma viagem de avião, senão o mais tenso. É natural que numa pista mais curta, sob chuva, as coisas fiquem mais difíceis. Mas Congonhas certamente não é o pior aeroporto do mundo. E certamente não é o pior do país. Os aviões são projetado pra pousar com chuva, em pista sem ranhura nenhuma, em pista com velhinha na frente...tanto que sempre o fizeram e continuam fazendo.

Uma pista mais longa, com ranhuras e área de escape poderia ter evitado as mortes? Certamente. Uma pista mais curta, sem ranhuras e sem área de escape resulta em acidentes? Absolutamente. Ou este não teria sido a primeira vez.

Engraçada a maneira como nos entregam as notícias: houve três acidentes similares, com o mesmo modelo de avião com um reversor travado. Porém, pistas mais longas evitaram que houvesse fatalidades.

Dá pra olhar de outra forma: se houve três casos recentes, com o mesmo modelo de aeronave, com o mesmo reversor travado, não seria melhor idéia pousar em outro lugar? Talvez não, já que os dois experientes pilotos assumiram o "risco". Porque? Porque jamais lhes passou pelas cabeças que morreriam ali, porque sabiam que dava pra pousar, porque fizeram milhares de vezes antes. E se o mesmo avião pousasse em Guarulhos, o avião virasse à esquerda e acertasse o terminal de passageiros? Parece que a pista de Congonhas funciona muito bem, desde que os caras não saiam da pista...assim como Cumbica é ótimo, desde que o avião não bata no terminal de passageiros...ou em outro avião.

Aí, de repente, pilotos da TAM concedem entrevistas AUTORIZADOS PELA COMPANHIA falando sobre o pavor que é pousar em Congonhas...e pilotos da Gol fazem o mesmo.

Não parece que as companhias querem tirar o corpo fora? Não parece que a TAM não cuidou direito de seus aviões?

Apesar de tudo isso, a culpa é do governo.

Aí, a gente pensa sobre como essa merda toda começou: o acidente da Gol, também culpa do Lula...

Culpa do governo, porque uns pilotos americanos desligaram o transponder, que evitaria a colisão para testar manobras...ou porque o transponder do avião da Embrare não funcionou direito.

Ora, vale lembrar que aquele acidente é rarissississímo!! E que antes dele, não tinha buraco nenhum na cobertura de radares, os controladores trabalhavam felizes, liberando os aviões nos intervalos usuais, não tinha problema de atraso, fila nos aeroportos, greve de militares ou qualquer coisa do gênero.

A coisa só chegou a esse ponto, porque a crise aérea criada em torno do acidente da Gol foi tão grande, que se relaciona com o acidente da TAM, sendo que um não tem absolutamente nada a ver com o outro.

"Ah, mas o se o sistema fosse melhor nãoa contecia!"

Será?

Pode até ser, mas se as estradas fossem melhores morria menos gente, se os salários fossem maiores morria menos gente, se a educação fosse melhor morria menos gente...difícil é encontrar qualquer sistema público de qualquer coisa funcionando em seu estado ótimo.

As coisas eram ótimas antes? Não se morria nas estradas, ou nas filas dos postos de saúde, ou de desnutrição? Se a PM de São Paulo fosse melhor teriam morrido 111 no Carandiru em 92?

Será que passou pela cabeça dos parentes das vítimas do Carandiru culpar o Fleury pela morte dos seus?


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Cansados agora?

Sim, todos tem o direito de se manifestar.

Nem todos tem acesso aos meios para se manifestar.

Quem vive no mundo acadêmico sabe o quão difícil é levar as boas idéias que surgem nas universidades para fora das instituições. Quem vive nos movimentos sociais idem, tanto aqueles claramente no campo da esquerda, quanto aqueles apartidários, que lutam pela cidadania nesse país.

Uma coisa é certa: nesse país, as classes mais abastadas jamais foram caladas pela mídia, ou jamais deixaram de estar representadas nos conselhos editoriais dos principais veículos de comunicação do país.

Sim, todos tem o direito de se manifestar. Mas será que já não o fazem?

Cansaram.

Mas só agora?

A OAB-SP, o presidente da Phillips Brasil não se cansavam quando ACMs e Barbalhos presidiam o senado? Não foi cansativo o confisco das poupanças? Não é cansativo ver milhares morrendo nas estradas? Gente que não sabe ler? Privatizações esquisitas? Ou o buraco do metrô se São Paulo desabando?

O presidente da Phillips, Paulo Zottolo, disse que os ricos "não são menos brasileiros que os pobres". É um ponto de vista, depende do que é ser brasileiro. Se é no sentido de cobrar o governo, de ter acesso ao que o país tem de bom, só quem é brasileiro são os ricos. Aos pobres, resta o brasil da corrupção, das empregadas apanhando de boyzinhos, da mortalidade infantil.

Quem tem tempo e recursos para anunciar nos principais jornais e TVs do país que cansou, com campanha feita pelo Nizan Guanaes, não deve estar tão cansado assim. São todos iguais sim, pobres e ricos...mas os garis, pedreiros e operários desse país também cansam, só que precisam acordar cedo no dia seguinte, porque a jornada é de matar.

Mas pobres elites, essas nossas...além de ser obrigados a assistir tanta desgraça em suas telonas de plasma, ainda precisam conviver com esse complexo de inferioridade, não tem voz ativa nesse país.

Cansaram sim. Nos 45 minutos que leva pra ir do centro de São Paulo até o aeroporto de Cumbica.


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