sábado, 27 de outubro de 2012

Revista Piauí e quadrinhos (carta)


Quem lê a revista Piauí sabe que quadrinhos têm presença frequente na revista. Após uma sucessão de pequenas decepções com essa presença, vi que queria dizer algo à revista; assim, após anos de assinatura, mandei minha primeira carta. Segue:



Prezados realizadores da Piauí,


Até onde sei, Piauí é praticamente a única revista jornalística de peso no Brasil a dedicar um espaço tão significativo à ilustração e histórias em quadrinhos. Mais que pelos bons cartuns, charges e tiras que aparecem aqui e ali, sempre quis parabenizar vocês por dedicarem ocasionalmente algumas de suas amplas folhas a histórias de página inteira ou bem mais longas (parabéns!). Como os quadrinhos ainda são uma mídia relativamente marginalizada ou vista com condescendência, sempre considero oportuna sua presença num espaço de reconhecida qualidade.

Contudo (e aqui vem a crítica), é desanimador quando esse espaço esporádico dado a histórias maiores é ocupado por material aquém do nível geral da revista. Isso, ao meu ver, costuma ocorrer em boa parte por certa insistência nos mesmos nomes. Por exemplo, não foi à toa que tantos leitores queixaram-se do veterano Gotlib: seus poucos bons momentos não justificavam sua antiga frequência na revista (que, graças, deu uma trégua). Da mesma maneira, a relevância histórica e os momentos interessantes do casal Crumb não justificam a publicação de qualquer coisa feita por eles: até com "astros" precisa-se ser seletivo, e parte do material veiculado aqui tem sido repetitivo e dispensável (passei do puro divertimento para o enfado). As histórias longas de Caco Galhardo, por sua vez, têm se tornado sucessivamente mais pretensiosas, desinteressantes e mal-desenhadas (passei de admiração inicial à pura indignação). Por favor, não pensem que peço algum "banimento" do artista; apenas aconselho que se apresente aqui material mais decente, do qual temos evidência de que ele é capaz.

Porque me queixo disso, afinal? Afora sempre interessar ver a revista ser a melhor possível, eu lhes escrevo porque há um enorme número de autores com obras inteligentes e relevantes, no Brasil e mundo afora,  que poderiam estar no lugar de certas aparições repetidas que, grosso modo, tornam-se cada vez mais desinteressantes. Não quero ser injusto: nomes "novos" aparecem por aqui volta e meia, e isso é ótimo. Mas além de tomar o espaço potencial desses "novos", a veiculação de material repetitivo e menos qualificado de "consagrados" presta um desserviço à mídia dos quadrinhos em geral -- que, infelizmente, ainda convive com a imagem de primo pobre, caipira, anão, corcunda e retardado das artes, para citar Art Spiegelman (cujas participações na Piauí, diga-se de passagem, têm sido impecáveis). Bem sei que nem os melhores acertam sempre, e que a crítica que apresento aqui é, inevitavelmente, um juízo subjetivo. Mas penso que muitos leitores da revista concordariam que o louvável espaço ocasional dado aos quadrinhos na Piauí tem um grande potencial que poderia ser mais frequentemente alcançado com uma seleção ainda mais ampla na autoria e mais criteriosa na qualidade.

No mais, permanecem meus parabéns, e que boas histórias em quadrinhos continuem a ocupando essas páginas enormes.


Gabriel Girnos
Rio de Janeiro


...

Sei que soa antipático tentar dizer a uma revista o que ela deveria ou não publicar, mas confio que às vezes uma opinião manifesta pode ajudar -- ainda mas se for consoante com a opinião oculta de muitos (o que, obviamente, não tenho como saber!).

Agora é esperar pra ver se eles vão 1) publicar o texto na seção de cartas da revista impressa, 2) publicar na íntegra ou editar muito e 3) tirar sarro da carta, como é de costume...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

carta de Miruna Genoino em defesa do pai



A coragem é o que dá sentido à liberdade
Com essa frase, meu pai, José Genoino Neto, cearense, brasileiro, casado, pai de três filhos, avô de dois netos, explicou-me como estava se sentindo em relação à condenação que hoje, dia 9 de outubro, foi confirmada.
Uma frase saída do livro que está lendo atualmente e que me levou por um caminho enorme de recordações e de perguntas que realmente não têm resposta.
Lembro-me que quando comecei a ser consciente daquilo que meus pais tinham feito e especialmente sofrido, ao enfrentar a ditadura militar, vinha-me uma pergunta à minha mente: será que se eu vivesse algo assim teria essa mesma coragem de colocar a luta política acima do conforto e do bem estar individual? Teria coragem de enfrentar dor e injustiça em nome da democracia?
Eu não tenho essa resposta, mas relembrar essas perguntas me fez pensar em muitas outras que talvez, em meio a toda essa balbúrdia, merecem ser consideradas...
Você seria perseverante o suficiente para andar todos os dias 14 km pelo sertão do Ceará para poder frequentar uma escola? Teria a coragem suficiente de escrever aos seus pais uma carta de despedida e partir para a selva amazônica buscando construir uma forma de resistência a um regime militar? Conseguiria aguentar torturas frequentes e constantes, como pau de arara, queimaduras, choques e afogamentos sem perder a cabeça e partir para a delação? Encontraria forças para presenciar sua futura companheira de vida e de amor ser torturada na sua frente? E seria perseverante o suficiente ao esperar 5 anos dentro de uma prisão até que o regime político de seu país lhe desse a liberdade?
E sigo...
Você seria corajoso o suficiente para enfrentar eleições nacionais sem nenhuma condição financeira? E não se envergonharia de sacrificar as escassas economias familiares para poder adquirir um terno e assim ser possível exercer seu mandato de deputado federal? E teria coragem de ao longo de 20 anos na câmara dos deputados defender os homossexuais, o aborto e os menos favorecidos? E quando todos estivessem desejando estar ao seu lado, e sua posição fosse de destaque, teria a decência e a honra de nunca aceitar nada que não fosse o respeito e o diálogo aberto?
Meu pai teve coragem de fazer tudo isso e muito mais. São mais de 40 anos dedicados à luta política. Nunca, jamais para benefício pessoal. Hoje e sempre, empenhado em defender aquilo que acredita e que eu ouvi de sua boca pela primeira vez aos 8 anos de idade quando reclamava de sua ausência: a única coisa que quero, Mimi, é melhorar a vida das pessoas...
Este seu desejo, que tanto me fez e me faz sentir um enorme orgulho de ser filha de quem sou, não foi o suficiente para que meu pai pudesse ter sua trajetória defendida. Não foi o suficiente para que ganhasse o respeito dos meios de comunicação de nosso Brasil, meios esses que deveriam ser olhados através de outras tantas perguntas...
Você teria coragem de assumir como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político honrado? Acharia uma excelente ideia congregar 200 pessoas na porta de uma casa familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um procedimento cardíaco? Dedicaria suas energias a colocar-se em dia de eleição a falar, com a boca colada na orelha de uma pessoa, sobre o medo a uma prisão que essa mesma pessoa já vivenciou nos piores anos do Brasil?
Pois os meios de comunicação desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais.
Hoje, nesse dia tão triste, pode parecer que ganharam, que seus objetivos foram alcançados. Mas ao
encontrar-me com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que apenas deram forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história de garra, HONESTIDADE e defesa daquilo que sempre acreditou.
Nossa família entra agora em um período de incertezas. Não sabemos o que virá e para que seja possível aguentar o que vem pela frente pedimos encarecidamente o seu apoio. Seja divulgando esse e/ou outros textos que existem em apoio ao meu pai, seja ajudando no cuidado a duas crianças de 4 e 5 anos que idolatram o avô e que talvez tenham que ficar sem sua presença, seja simplesmente mandando uma palavra de carinho. Nesse momento qualquer atitude, qualquer pequeno gesto nos ajuda, nos fortalece e nos alimenta para ajudar meu pai.
Ele lutará até o fim pela defesa de sua inocência. Não ficará de braços cruzados aceitando aquilo que a mídia e alguns setores da política brasileira querem que todos acreditem e, marca de sua trajetória, está muito bem e muito firme neste propósito, o de defesa de sua INOCÊNCIA e de sua HONESTIDADE. Vocês que aqui nos leem sabem de nossa vida, de nossos princípios e de nossos valores. E sabem que, agora, em um dos momentos mais difíceis de nossa vida, reconhecemos aqui humildemente a ajuda que precisamos de todos, para que possamos seguir em frente.
Com toda minha gratidão, amor e carinho,
Miruna Genoino
09.10.2012

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

nada mudou

Uma rápida análise dos resultados do primeiro turno das eleições municipais:


Me parece que se a exposição do mensalão na mídia teve algum impacto negativo, só foi o suficiente para manter a atual situação nas cidades - ou seja: não fosse o mensalão, talvez não existisse mais oposição no Brasil.  Fiz uma brincadeira com planilhas aqui e percebi quase nenhuma alteração no quadro de 4 anos atrás.

Do chamado "G85", que é o grupo de cidades com mais de 200 mil eleitores e capitais, tivemos 36 cidades com eleições definidas no 1º turno.  Dessas, a distribuição entre os partidos é a seguinte:

PT: 9
PSDB: 6
PSB: 5
PMDB: 4
PDT: 3
DEM: 3
PP: 2
PCdoB: 1
PR: 1
PSD: 1
PTN: 1

Teremos 2º turno em 49 cidades.  Dessas, o número de candidatos por partido que passaram para o segundo turno na primeira posição:

PT: 9
PSDB: 8
PMDB: 7
PDT: 4
PCdoB: 3
PP: 3
PPS: 3
PSB: 3
PSD: 3
DEM: 2
PSC: 1
PSOL: 1
PTC: 1
PV: 1

E dos que passaram na segunda posição:

PT: 12
PSDB: 9
PMDB: 8
PDT: 4
PSB: 3
PR: 3
PTB: 2
PCdoB: 1
PP: 1
PRB: 1
PRTB: 1
PSOL: 1
PV: 1

Nas eleições de 2008, os partidos elegeram o seguinte número de prefeitos nessas cidades:

PT: 20
PMDB: 18
PSDB: 13
PDT: 7
PSB: 5
DEM: 5
PP: 5
PTB: 3
PR: 3
PCdoB: 2

- o PT, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 18 prefeituras (2 a menos), apenas 1 capital definida (Goiânia);

- o PMDB, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 15 prefeituras (3 a menos), 2 capitais definidas (Rio de Janeiro e Porto Velho);

- o PSDB, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 14 prefeituras (1 a mais), e por enquanto fez apenas 1 capital (Maceió);

- o PDT, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 8 prefeituras (1 a mais), e por enquanto fez apenas 1 capital (Porto Alegre).

- o PSB, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 6 prefeituras (1 a mais), e por enquanto fez 2 capitais (Belo Horizonte e Recife);

- o DEM, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 5 prefeituras (mesmo número), 1 capital definida (Aracaju);

- o PP, se eleger todos os candidatos em 1º lugar fica com 5 prefeituras (mesmo número), e não venceu nenhuma capital.

Ou seja, ficou tudo muito parecido.  Lula não é um ex-Midas (ou um Midas).  Pode-se avaliar que ele tenha errado a mão em Recife, mas certamente levou Haddad para o segundo turno aqui e o Pelegrino em Salvador.

O PT entra em 3 disputas de segundo turno em capitais com vantagem: Rio Branco, Fortaleza e João Pessoa; e em outras 3 capitais em desvantagem: Salvador, Cuiabá e São Paulo.  Dessas, acredito que haverá participação intensa de Lula em Fortaleza, João Pessoa, Salvador e São Paulo.  Dilma deverá entrar em todas essas, talvez não em Fortaleza, por conta da disputa entre partidos da base - embora uma "traição" do PSB seja uma questão de tempo.

No outro polo, o PSDB entra em 3 disputas na frente: São Paulo, Teresina e Manaus (estou especialmente interessado na derrota de Arthur Virgílio); e em outras 4 em segundo lugar: Belém, Rio Branco, João Pessoa e São Luis.  No caso tucano, não há padrinhos importados que possam fazer tanta diferença - com exceção, talvez, de Aécio Neves - as campanhas provavelmente serão mais locais.

O PMDB disputa duas capitais: Campo Grande e Florianópolis, e entre em ambas as disputas com candidatos que passaram na segunda colocação; já no caso do DEM (PFL), a única capital em disputa é Salvador.  ACM Neto passou em primeiro, mas eu aposto contra.

Em São Paulo a vitória do PT parece possível, dada a imensa rejeição do sujo Zé Serra e do perfil do eleitorado de Russomanno (21,6% dos votos) e do provável apoio de Chalita (13,6% dos votos) - além da popularidade de Lula na periferia e de Dilma com a classe média.  A mesma lógica parece se aplicar ao caso de Salvador: ACM Neto tem muita rejeição e passou o primeiro turno com uma vantagem de apenas 5 mil votos - não parece ser o suficiente para segurar o resultado após a entrada pesada da dupla Lula/Dilma.

Concluindo: se o PT perder São Paulo, sai das eleições exatamente do tamanho que entrou; caso vença São Paulo, certamente poderá ser declarado o grande vitorioso das eleições...com julgamento do mensalão e tudo.