terça-feira, 7 de abril de 2015

Folha de São Paulo: a mudança editorial secreta

No dia 17 de outubro de 2014, cancelei minha assinatura da Folha de São Paulo.  Depois de muito tempo de irritação com a absoluta parcialidade da cobertura política do jornal, veio a gota d´água: a demissão de Xico Sá, resultado de sua declaração de voto em Dilma Rousseff (não publicada pelo jornal).

Eu não teria um problema com isso, não fosse o fato de que a tal regra do manual de redação do jornal não fosse aplicada de forma tão cínica.  Muitos dos colunistas fizeram declaração de voto sim, só que às avessas: a utilização de seu espaço para implicar no desastre que seria  a eleição de um candidato - NO SEGUNDO TURNO - só pode ser entendida como sugestão de voto no outro.  A regra só valeu pro Xico Sá.

Pois bem, estava eu sentado no aconchego do lar, enfrentando uma situação pessoal não muito aconchegante, quando recebo um telefonema da Folha.  A atendente me oferece os vinte dias grátis de jornal, que eu prontamente recuso.  A funcionária não desiste: "mas é de graça..."

Não quero mesmo assim.  Explico que já não consigo engolir um jornal que se faz de imparcial e  comete tantos "deslizes" na direção de um partido - ainda que de vez em nunca escreva uns desaforos ao governador de SP e seu partido - é a "imparcialidade" falando eventualmente em períodos absolutamente irrelevantes do ponto de vista eleitoral.

De repente, chega uma informação interessante: a pessoa do outro lado do telefone me informa que o jornal passou por uma "mudança editorial", de forma que seria interessante que eu avaliasse por vinte dias, pra ver se a cara nova me agrada.  Sem maiores informações e derrotado pela insistência, aceito os 20 dias grátis, enquanto marco no Calendário Google a data limite para cancelamento da futura assinatura.

Mais tarde, fiquei curioso com a tal mudança editorial...quem entrou?  Quem terá saído?  Solução fácil: entrei no chat do atendimento ao assinante e perguntei ao jornal.  Reproduzo aqui o diálogo que tive com a atendente Marina, documentado por fotos e transcrito aqui, já que o chat da Folha não permite o uso de ctrl+c/ctrl+v:

17:14:49

Eu: Hoje me ligaram oferecendo uma gratuidade de 20 dias...depois de muita insistência, eu acabei aceitando voltar a receber o jornal para reavaliar, pois fui informado de uma mudança na linha editorial.

17:15:33

Eu: Gostaria de saber o que mudou. Quem entrou, quem saiu.

17:15:53

Marina: Infelizmente não temos todas essas informações, Sr. Marcelo. O senhor obterá as mesmas realizando a leitura do jornal.

17:20:02

Eu:

Então as pessoas que ligam falando sobre uma mudança editorial não sabem que mudança é essa?

17:21:29

Marina: Tivemos alguns colunistas que saíram e outros que agora fazem parte do nosso corpo editorial, mas como são muitas mudanças, não temos todos os nomes. A melhor forma de avaliar o conteúdo é realizando a leitura do mesmo. Assim, o senhor mesmo saberá se lhe agrada ou não.

17:23:58

Eu: Você poderia citar ao menos uns cinco que entraram e cinco que saíram?

17:25:06

Marina: Um momento, por gentileza.

17:31:51

Eu: Ok.

17:31:58

Marina: Agradeço por ter aguardado, desculpe-me pela demora, Sr. Paulo. Peço por gentileza, que entre em contato com nossa redação através do telefone (11) 3224-3222 ou através do e-mail redacao@grupofolha.com.br para obter essas informações.

17:35:01

Eu: Marina, eu considero essa postura do jornal um tanto estranha. Pra quem trabalha com informação, divulgar uma lista de colunistas novos não deveria ser difícil. escreverei para a redação.

17:38:01

Compreendo suas considerações, Sr. Marcelo, mas infelizmente, não temos essas informações. Entrando em contato com nossa redação, o senhor obterá todas as informações.

17:40:09

Eu: Ok, boa tarde.

17:43:24

Marina: O grupo Folha que agradece o seu contato e lhe deseja uma ótima tarde!

17:44:08


Bizarro, não?  Bom, seguindo a sugestão da reticente Marina (será a Silva?), escrevi um e-mail pra redação do jornal, incluindo essa transcrição aí em cima.  Estou aguardando a resposta, mas na minha espera, já descobri algumas coisas, graças ao site do jornal.

Na página que lista os ex-colunistas, é possível ver quem saiu e descobrir a data da última coluna.  Desde o segundo turno das últimas eleições, a Folha perdeu 10 colunistas (no jornal impresso):

Sady Homrich, Ricardo Feltrim, Marcos Caramuru de Paiva (escrevia sobre a China), Marcelo Gleiser (ciência), Fernando Rodrigues, Eliane Cantanhêde, Elena Landau, Eduardo Gianetti e Daniel Pellizari (games).

Entraram para o time outros sete colunistas: Aécio Neves, Jairo Marques, Marcos Sawaga Jank (baseado na Cingapura), Marta Suplicy, Rafael Garcia (ciência), Reinaldo José Lopes (ciência), Roberto de Oliveira (cidadona) e Sandro Macedo (escreve sobre cervejas).


As saídas de Fernando Rodrigues e Eliane Cantanhêde são relevantes, bem como as entradas de Aécio Neves e Marta Suplicy, mas alguém está convencido de que essa pouco mais de meia dúzia de trocas é suficiente para ajustar os rumos da linha editorial do jornal?  Porque essa relutância em divulgar os nomes no atendimento?  Eu diria que o jornal não tem a tal da "grande mudança" pra mostrar, como se observa olhando as entradas e saídas de colunistas, sesundo a atendente Marina "muitas mudanças, não temos todos os nomes".

Como eu não preciso pagar pra ver, vamos ver pelos 20 dias.  Depois eu conto procêis.



quarta-feira, 1 de abril de 2015

Redução da maioridade penal: o brilhante armamento retórico conservador

Em mais um capítulo do processo da ascensão do conservadorismo e "absurdização" da discussão política nacional, a CCJ da Câmara dos Deputados resolveu há pouco, por 43 votos contra 21, que a proposta da PEC que reduz a maioridade penal no país para 16 anos não é inconstitucional.

Apesar de se tratar de uma proposta ridícula, a discussão é legítima...como é legítimo discutir se cavalos devem usar fraldas no país.  Mas os argumentos apresentados pelos que defendem a proposta, divulgados pelos grandes órgãos da mídia nacional são, até agora, uma coleção de não-argumentos.

Um dos artigos mais lamentáveis que vi até o momento foi essa matéria da UOL. Um verdadeiro show de má-argumentação:

1) A mudança do artigo 228 da Constituição de 1988 não seria inconstitucional. O artigo 60 da Constituição, no seu inciso 4º, estabelece que as PECs não podem extinguir direitos e garantias individuais. Defensores da PEC 171 afirmam que ela não acaba com direitos, apenas impõe novas regras;

2) A impunidade gera mais violência. Os jovens "de hoje" têm consciência de que não podem ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a cometer crimes;

Sim, é como se a possibilidade de ir pras "Fundações Casa" da vida fosse algum tipo de incentivo. E como se os "jovens de hoje" com menos de 16 anos não pudessem seguir a mesma lógica. E como se jogar mais gente no escola do crime sistema prisional brasileiro fosse gerar cidadãos melhores ao fim de suas penas.

3) A redução da maioridade penal iria proteger os jovens do aliciamento feito pelo crime organizado, que tem recrutado menores de 18 anos para atividades, sobretudo, relacionadas ao tráfico de drogas;

Claro...porque os bandidos que aliciam jovens de 16 e 17 anos têm muito escrúpulo e jamais irão pensar em compensar a perda destes com crianças de 12 a 15 anos de idade. A entrada no mundo do crime através deste tipo de prática será adiantada em dois anos.

4) O Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos com os Estados Unidos, onde, na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a processos judiciais da mesma forma que adultos;

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"O Brasil precisa alinhar a sua legislação à dos EUA"

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Que tipo de argumento é esse? Nenhum dos países "desenvolvidos como os Estados Unidos" apresentam taxas de criminalidade e homicídios tão altas quanto às daquele país, nem uma população carcerária tão grande.  Ainda em relação aos EUA, vale a pena lembrar a correlação positiva entre pena de morte e número de homicídios: estados que aplicam a pena capital apresentam taxas maiores de homicídio.  Porque não argumentar que Brasil e EUA precisam alinhar suas legislações àquelas de países desenvolvidos como Suécia, Noruega, França...ou de Espanha e Alemanha, que voltaram atrás na redução da maioridade penal, após verificar que, como em TODOS OS PAÍSES QUE SEGUIRAM O MESMO CAMINHO NÃO HOUVE DIMINUIÇÃO DA CRIMINALIDADE.

5) A maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. Em 2013, pesquisa realizada pelo instituto CNT/MDA indicou que 92,7% dos brasileiros são a favor da medida. No mesmo ano, pesquisa do instituto Datafolha indicou que 93% dos paulistanos são a favor da redução.

A maioria da população brasileira jamais foi exposta a um debate profundo sobre este tema, que não tem nada de trivial. O advento do Direito é consequência da evolução, através dos milênios - das Ciências e da Filosofia...resultado de muto debate realizado por gente que gastou muito neurônio pra pensar no assunto. A reação imediata de qualquer vítima de crime pode ser o sentimento de vingança...mas se pudéssemos agir sobre este desejo toda vez que acontece algo, a civilização teria uma cara muito diferente - e menos civilizada. Há uma razão prática para termos abandonado as Lei de Talião ("Olho por olho, dente por dente"). A ideia é simples e atraente, especialmente por parte de quem não pensou muito sobre o tema (a imensa maioria desses 93%).

Tomar uma decisão desse porte em função do que a maioria pensa é equivalente a decidir como deve ser feita a distribuição dos recursos da pesquisa científica entre as áreas do conhecimento baseada na opinião do público da Sapucaí; ou decidir o cardápio das merendas escolares baseando-se na preferência das crianças.

Crime é uma doença social. Nenhuma medida punitiva, como já verificado nos países que reduziram a maioridade penal, irá fazer com que caiam as taxas de criminalidade, por um motivo simples: o crime é produto de uma determinada dinâmica social.

Enfim, os agitadores da direita já armaram seus seguidores com argumentos menos risíveis.


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