domingo, 6 de agosto de 2017

Folha se Revolta, 2017

Na semana que passou o ministério da justiça determinou que é ilegal que casas noturnas cobrem preços diferenciados entre mulheres e homens. Foi noticiado sem muito alarde na Folha, sem discussão, sem "o outro lado". O argumento do secretário nacional do consumidor é o seguinte:

"A utilização da mulher como estratégia de marketing é ilegal, vai contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Os valores têm de ser iguais para todos nas relações de consumo".

Me pareceu razoável. Sem pensar muito no assunto, a única coisa que me chamou atenção foi o fato de descobrir isso não na reportagem, mas através de um editorial, publicado no dia posterior ao da infame votação que manteve Temer no poder (sobre a qual o jornal não se posicionou em editorial, nem mesmo no dia anterior).

A Folha comemora (literalmente, é editorial!) uma liminar que garante aos donos de boate o direito de continuar com a prática, usando o argumento de que proibir isso seria uma interferência no livre mercado:

"Os organizadores utilizam descontos por gênero para balancear a composição do público, tornando os eventos mais atraentes para frequentadores e mais rentáveis para empresários. A autonomia favorece todas as partes".

Antes de chegar a essa conclusão, o jornal constrói um discurso que apela para os piores medos de quem tem mais de quarenta anos e acompanhou as peripécias da moeda brasileira ao longo dos anos 80: sabem quando o Estado brasileiro agiu assim? - pergunta o jornal - quando lançaram o plano cruzado!!!

Juro que eu fiquei meio chocado com a escolha do tema do fricote da Folha, mas como nós temos mais com o que nos preocupar no Brasil, não dei muita bola. Até que hoje, edição de domingo, aparece essa coluna do Hélio Schwartsman, atacando a mesma ação, utilizando uma outra construção lógica formidável: composição de preço é informação. Uma alta no preço do tomate, por exemplo, é uma informação do produtor ao consumidor que diz ter havido algum problema na lavoura ou diz ao produtor que todo mundo tá a fim de comer tomate.  Interferir na composição de preços é uma forma de censura. Dá pra acreditar num argumento desses?

Diz o Hélio:

"Empresários usam o valor do ingresso para informar o público qual é o tipo de gente que falta no evento e, com isso, atrair as pessoas certas, tornando a festa mais prazerosa para os frequentadores e rentável para os organizadores. Todos ganham. "

Impressão minha esse parágrafo é exatamente uma versão daquele que eu destaquei no editorial? Será que esse editorial é do Schwartsman?

Vou retomar a justificativa do secretário do consumidor:

O preço diferenciado seria uma maneira degradante de tratar as mulheres, pois ao utilizar descontos como forma de atrair o público feminino para uma balada, os empresários as tratam como um recurso a ser oferecido ao público masculino. Onde está o erro nisso?

A Folha faz uma defesa prévia não solicitada no editorial:

"Não se trata de defesa irrestrita dos dogmas liberais. Os manuais de economia estão repletos de exemplos em que os mecanismos de mercado falham, e a regulação estatal se faz necessária."

Pergunto, juro que não sei as respostas, pois fui pouquíssimas vezes na vida em boates:

- Alguém já viu boate cobrando mais caro de mulher?

- Sabendo que há mais mulheres que homens na população, haveria nas casas noturnas um déficit de mulheres caso fossem cobrados preços iguais?

- No cenário real, de preços diferentes, há equilíbrio no número de homens e mulheres?

- Se não há problema algum em cobrar mais ou menos de determinados grupos, a mesma justificativa não poderia ser utilizada para cobrar mais ou menos de negros, gays ou gordos, buscando criar uma "composição ideal pra que todo mundo se dê bem"?

- Estariam Hélio Schwartsman e a Folha "desinformado o público"?

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Brasil, país jiujiteiro



Um amigo achou essa imagem sei lá onde. Meus pensamentos*:

1. quem acha que o braço do Bolsonaro é assim nunca viu os vídeos dele fazendo flexão com batalhões da PM por aí;

2. sou partidário de abrigar o Bolsonaro numa jaula temática do Aquário de São Paulo, com esse cenário aí: umas ruínas em chamas, bandeira do Brasil e o bicho segurando o fuzil;

3. tenho uma sensação muito nítida de que o eleitorado do Bolsonaro é maior entre o público do UFC - tirando por algumas pessoas no meu face que fui encontrando nas comunidades de apoio à candidatura dele...vamos chamar de amostra qualitativa;

     3.1. a opção da Globo por promover o UFC como esporte nacional e, antes disso, o próprio sucesso do Jiu-Jitsu brasileiro aliado à carência nacional de ser foda em alguma coisa, talvez tenha criado essa nova imagem do machão brasileiro: os caras que querem quebrar tudo e acham que a solução do Brasil é ter um presidente que vai resolver tudo na porrada (ignorando o fato de que no fundo o cara é um corrupto E um fracote).

Viva a capoeira!



*ruminações livres de qualquer rigor acadêmico.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Sobre Temer, "regolpe" e diretas já

Depois do susto das notícias de hoje é preciso pensar com calma no que aconteceu e no que está por vir. Uma tese comum nas bolhas de esquerda é a de que o que está acontecendo é o tal "golpe dentro do golpe"; a evidência para isso é o fato de que a denúncia saiu n´O Globo, sinal de que o conglomerado dos Marinho teria alguma bala no gatilho: no caso a estratégia de esperar passar o prazo pras eleições diretas para derrubar Temer (2016) e colocar, em seu lugar, algum representante de outro grupo.

Há alguns problemas nessa teoria:

1) A Globo estava em franca lua de mel com o atual governo;

2) Temer ainda não concluiu as reformas tão defendidas pela oligarquia nacional. Se o plano original era o de deixar Temer fazer o trabalho sujo do PSDB para depois derrubá-lo, por que não esperar por isso?

3) As gravações foram fruto de um acordo de delação com a PGR. Fachin recebeu hoje e a justiça autorizou a saída dos delatores (a dupla caipira Joesley e Wesley). Fachin não poderia segurar uma informação dessas sob pena de ser acusado de proteger o governo, de forma que a divulgação era INEVITÁVEL. Dessa forma, a Globo não teria a opção de não divulgar, sob pena de ser passada pra trás por algum outro veículo. Melhor ter o furo e se virar;


Agora, uma leitura de como a Globo está explorando o fato dá pistas do que possa vir a acontecer:

1) O discurso da defesa da constituição foi imediato. O caso é de eleições indiretas e pronto;

2) No jornal das 10 (Globonews), a correspondente de São Paulo (não sei mais o nome dessa gente) lembrou ao painel de jornalistas que neste ano a justiça eleitoral determinou a realização de novas eleições no estado do Amazonas, mesmo depois do prazo de menos de dois anos para o fim do mandato. Renata Lo Prete imediatamente se pôs a falar sobre o conflito entre a Constituição, muito clara e o "cipoal" da legislação eleitoral. Passou a bola pro Merval Pereira, que disse que não sabia se a decisão poderia ser aplicada ao caso nacional e mudaram de assunto - não se discutirá a possibilidade de eleições diretas;

O cenário da defesa das eleições indiretas coincide com as previsões do "golpe dentro do golpe"...só me parecem ter sido precipitados prematuramente. Agora, a Globo já começou a defesa das indiretas e a lamentar o fim de um governo que começava a "tirar o país do buraco".

Pros grupos que estão interessados nas reformas de Temer, é crucial que não ocorram eleições diretas. Em primeiro lugar, porque esse debate dominaria a cena política e inviabilizaria, de vez, as reformas, uma vez que jamais seriam aprovadas nas urnas. Além disso, os dois movimentos que dariam ao PSDB um candidato em condições de disputa são muito incipientes: a gestação política de Dória e a fritura de Alckmin. Por fim, Lula lidera em todos os cenários possíveis e dificilmente será condenado em segunda instância antes das eleições. Para todos os efeitos, uma eventual vitória eleitoral o absolveria, politicamente, de todas as acusações. Pessoalmente, acho péssima candidatura do Lula, dpo ponto de vista da manutenção da situação de tensão social.

Fico curioso com a posição de Ciro Gomes.  Em campanha há quase um ano, vem dizendo que não apoia as diretas de maneira alguma porque seria mais uma ruptura com a institucionalidade. No fundo, penso que ele sabe precisar de mais tempo para se viabilizar e também da eliminação de Lula pela justiça, embora não o diga. Eu concordo com o primeiro argumento: acho péssimo romper com a institucionalidade vigente, mas entendo que já vivemos em um Estado de exceção. Qualquer resultado de eleição será legítimo; qualquer continuidade do atual processo, é ilegítima de nascimento. Penso que a única posição possível dada a gravidade dos fatos é a defesa das diretas já.

Isso tudo é o resultado de reflexões preliminares, tô me dando o direito de mudar de posição dependendo do que venha a acontecer nas próximas horas e dias.

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