terça-feira, 29 de setembro de 2009

Que diabos!?!




Alguém consegue entender o que está sendo anunciado aqui?


Tem um outro, apavorante que eu vou colocar nesse mesmo post assim que encontrar...a publicidade japonesa é MUITO divertida e estranha.


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Lacunas e linhas

Bom. Os poucos e improváveis que por ventura acompanhem o Wilbor de maneira periódica poderão notar que, após um ano extremamente profícuo, o nosso ritmo tem e vai diminuir bastante até o fim do ano.

Esses poucos improváveis devem ter notado também que minha série de "exercícios", após bravos 11 exemplares, simplesmente dançou no que se refere à assiduidade inicialmente proposta -- 1 exercício por semana.
Pois é, o trabalho começou e simplesmente ando sem tempo (o Marcelo está sem tempo desde o começo do ano :)). No entanto, ainda possuo idéias engatilhadas para mais uns 5 "exercícios", pelo menos, e quero realizá-las até o fim deste ano.

Talvez alguns dos poucos leitores se lembrem que, quando a falta de assunto acontece aqui, é de praxe eu recorrer a alguns desenhos antigos meus...
(olha que eu não fazia isto faz um bom tempo)

Retomo, então, a minha série Vida Universitária 1998-2002. Desta mesma "série" eu já coloquei aqui, anteriormente, desenhos sonolentos, colegas na aula (duas vezes), e os desenhos com massa.

Nos post do desenho de "massas", me referi ao fato de que meu estilo e minha forma de entender o desenho foram sempre predominantemente lineares. Esta série de hoje é de alguns desenhos meus em que procurei explorar justamente a linha pura, meu elemento favorito.

Embora a ordem aqui não seja temporal (já nem sei qual veio antes de qual), resolvi ilustrar um tipo de "progressão" nesses desenhos. Na sucessão, pode-se ver que trabalho cada vez mais com linhas abertas, sem fechar completamente a forma... até chegar num limite em que a forma é mais sugerida do que definida.

Todos os desenhos abaixo foram feitos sem esboço, diretamente com canetas de ponta de feltro (ou seja: erros não podiam ser apagados, apenas incorporados ao todo).












Só pra comentar: há nesse processo uma grande influência da análise que um professor meu no primeiro anos da faculdade, o Mauricio, fazia dos desenhos de Egon Schiele. Não tentei imitar o desenho de Schiele em nenhum momento, que isso fique claro; é só a idéia da "forma sugerida" que me atraiu...

Estes desenhos acima são retratos de colegas de aula; os próximos são desenhos de imaginação.


Este desenho acima foi um pequeno marco pra mim: foi o primeiro em que experiementei uma construção intuitiva do desenho através de uma espécie de jogo programático. Esse jogo consistia em 1. evitar ao máximo tirar a caneta do papel, construindo uma espécie de "caminho" da mão; 2. fazer uma espécie de "detóurnement" com o traço: ao invés de seguir os caminhos que me são comuns no desenho, procurar deliberadamente caminhos incomuns.

Os dois abaixo (respectivamente, "homem" e "mulher") foram gerados nesse mesmo processo.



Visivelmente, a figura humana era (e ainda é) meu tema favorito.
Queria muito retomar esse tipo de exercício.


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sábado, 19 de setembro de 2009

Moon & Bá

Bom, lá vou eu pisar em terreno desconhecido (por acaso área de expertise do Gabriel e alguns dos leitores deste blog). Começo com essa meia-desculpa porque meu conhecimento da obra dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá é limitada ao que é publicado na “Ilustrada” aos domingos e a umas poucas visitas ao blog dos caras, o “10pãezinhos”.

Conheci o trabalho dos caras no ano passado (acho), na Folha, e devo confessar que o estilo me agradou inicialmente: a utilização pouco convencional do espaço, o desenho em si, e algumas idéias. Os quadrinhos tinham um “quê” existencialista que me agradava, algumas idéias pareciam coisa do Laerte – deixo aqui as minhas desculpas ao Laerte.

O motivo deste texto: ano passado, os irmãos foram condecorados com o “Eisner Awards”, o “Oscar dos quadrinhos” – tô errado? Beleza, o Brasil nunca ganhou um Oscar, por exemplo... acho ótimo ver os artistas da terrinha reconhecidos lá fora, mas aí me peguei pensando no que eu realmente acho (do que conheço) dos caras. Será que realmente mereciam um prêmio de melhores do mundo?

Bom...devo admitir que algumas das tirinhas dos caras são boas, e que do ponto de vista artístico são irretocáveis. Pra não ser muito injusto, vou falar aqui que o prêmio de melhor desenho talvez seja merecido.

Alguns exemplos:

Essas duas aí em cima, por exemplo, são das que me chamaram a atenção no começo...o humor é sutil, o desenho é muito bom, a utilização do espaço é interessante (embora eles façam coisas muito mais ousadas nesse sentido).

Mas aí, uma boa parte do que os caras publicam são desse tipo:






Bão............. sou só eu ou alguém nota um certo apelo de auto-ajuda, uma coisa babaca? Como aquelas apresentações bonitinhas de PowerPoint? Aqueles 10 e-mails encaminhados que nos chegam todos os dias?

Honestamente, eu não quero ser injusto com os caras, mas realmente tem saído muita coisa assim. Pseudo-filósofos são das coisas que mais me irritam, e eu noto no trabalho dos gêmeos uma certa pretensão intelectual meio chata. Eis um exemplo do que isso me parece:



Acho lindo os dois irmãos – gêmeos ainda por cima!! – trabalhando juntos...mas não são necessárias duas cabeças pra produzir isso (embora a nossa criação, abaixo, tenha sido fruto de trabalho em dupla). Sugiro que os gêmeos tentem explorar um pouco o mundo sozinhos, que ampliem os horizontes e por favor, parem com a coisa de auto-ajuda.



Adiante, um quadrinho (roteiro meu e desenho do Gabriel) emulando o estilo dos dois com a ideia da figurinha “amar é...” acima:


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Exercício (13) [Moon & Bá 2]


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Moon & Bá (3)

Vou continuar aqui o comentário e crítica iniciados pelo Marcelo sobre os Gêmeos Bá e Moon. (Peço para que os leitores compreendam estes 3 posts na ordem de cima pra baixo, como se fossem um único post: o do Marcelo primeiro, depois a nossa tira, e depois este aqui)

Um detalhe importante a se ressaltar aqui é o espaço diferenciado que os dois irmãos receberam na Folha de São Paulo; um espaço até maior que das outras tiras, que lhes fornece caracterização e destaque na página da Ilustrada.
Os irmãos estão aí há anos, com um trabalho consistente e de qualidade. Mas são o primeiro caso, até onde me lembro, de quadrinhistas que não são conhecidos como humoristas a serem convidados ao nobre rol da ilustrada (pois mesmo os que se afastaram do puro humor, como Laerte, começaram com ele); e são o primeiro caso que fico sabendo de autores que recebem tamanha deferência logo de entrada.

Essa atenção e esse espaço de destaque estão, óbvia e certamente, relacionados menos à qualidade do trabalho dos gêmeos -- que é consistente e belo já há anos-- do que ao sucesso gerado pela premiação do Eisner. Dá pra entender: enquanto o tão esperado Oscar brasileiro não chega nunca, de repente o Brasil ganha uma premiação equivalente em uma área que quase ninguém na imprensa dava importância. Parece o Gustavo Kirten ganhando o troféu em Roland Garros: de repente, tênis fica importante pra mídia!

Sendo justo: com todos os defeitos que tem, a Folha possui o melhor conjunto de HQs em jornal do Brasil (estou aberto a opiniões contrárias, não sou um grande conhecedor dos jornais brasileiros). De certa maneira, a presença dos gêmeos também é um sinal disso: a Folha faz um favor à divulgação e popularização dos quadrinhos ao dar cartaz a irmãos internacionalmente consagrados. (mais um dos muitos casos de coisas que precisam ser louvadas lá fora para serem reconhecidas aqui... Tom Zé que o diga)

A grande qualidade do espaço de HQ da Folha se deve, em primeiro lugar, aos autores que abriga -- por exemplo, já há décadas conta com três dos maiores bã-bã-bãns do gênero (Angeli, Laerte e Gonsales); mas também não deixa de se dever ao espaço e liberdade que a Folha confere aos autores. Para checar isso basta ver as firulas que Laerte faz nos espaços que lhe são proporcionados em diferentes cadernos, ou o uso que outros autores como Jan Limpens fazem.

Numa palestra do Paulo Ramos, ouvi uma coisa muito interessante: que no Brasil haveria uma produção regular de um tipo de tira em jornal que não existe em praticamente nenhum outro lugar do mundo.
Ramos chamou-a de “tira de reflexão sem personagem definido”. Até onde pude perceber, essa produção é caracterizada por humor sutil ou até obscuro (e às vezes por nenhum humor at all) e por uma experimentação com a forma narrativa específica dos quadrinhos (pra se ter uma idéia, praticamente todas as tiras de sucesso americanas sempre se basearam em personagens fixos). Acredito que o grande propagador e pioneiro desse novo “gênero” aqui seja o Laerte, embora ele por vezes também seja explorado magistralmente pelo Angeli.

Onde quero chegar com isso? No seguinte: os irmãos Bá e Moon, ao que me parece, procuram usar o espaço diferenciado que receberam seguindo justamente essa senda “lírica” e reflexiva. Mas se por um lado esse tipo de tom lhes cai bem e combina com seu estilo de trabalho (segundo o que conheci deles, que não foi tanto), por outro ele gera problemas.

Tanto Bá quanto Moon são desenhistas excelentes, e entendem pra caralho de narrativa gráfica. Mas enquanto alguém como Laerte vasculha, vira do avesso a sua linguagem (sendo justo, nem sempre com a mesma qualidade), os gêmeos parecem que, nas tirinhas pelo menos, já meio que "consolidaram" uma linguagem sua. Sei que comparar quase todo mundo com o Laerte é meio complicado, o cara não só é fodão como é extremamente experiente no caminho das tiras. Mas o meu ponto é este: pelo que me parece, os gêmeos já se deram por satisfeitos com uma espécie de “pegada” em suas tiras, e essa consolidação ainda é prematura na minha opinião.

Claro, podemos dizer que eles estão fazendo um exercício de variações em cima de um mesmo campo e estilo (acho que os exemplos que eu e o Marcelo pinçamos deixam isso visível). Isso seria perfeitamente defensável: ninguém precisa ficar pirando o tempo todo, e uma linguagem sólida e reconhecível é uma grande qualidade (Schulz e Henfil que o digam!).

Mas o problema é que, no “estilo” trabalhado, parece haver uma certa necessidade em procurar sabedoria no cotidiano que acaba às vezes simplesmente esbarrando na platitude. Sempre há uma beleza nos trabalhos de Moon e Bá na Folha – nunca vi nenhum diante do qual eu falasse “nossa, que trabalho vagabundo” – mas em vários há uma certo excesso de “facilidade” temática que, sinceramente, me irrita.
Há nisso, porém, uma certa coerência por parte dos gêmeos, a qual é preciso ressaltar. Sua antiga série “Dez pãezinhos”, que nasceu como revista independente já há vários anos e foi compilada em álbuns, já tinha a proposta de discutir coisas cotidianas (nome “Dez pãezinhos” era uma referência ao café da manhã dos dois).

Mas há armadilhas no cotidiano. Valorizar “as coisas pequenas da vida” e “ver a sabedoria escondidas nos clichês”, por sua vez, é algo que necessita de um olhar diferenciado, realmente deslocado; quando este falta, o trabalho esbarra na simples banalidade e o que era poesia via afetação. Quando falta o olhar novo, ao invés da arte “transfigurar” o clichê, este é que “engole” a arte. O “olhar poético” fica parecendo um pastiche, uma emulação da retórica artística, uma espécie de encenação do que as pessoas “esperariam que fosse a arte” (o nome “técnico” pra isso, segundo o Humberto Eco, é kitsch). Quando isso ocorre, o que poderia ser um novo belo, não consegue ser mais do que estetização do existente.
Nos casos em que a criatividade falta aos gêmeos, só nos resta então admirar sua habilidade narrativa e artística, ao mesmo tempo pensar sobre como essa habilidade poderia render coisas mais interessantes.

Mas esse problema não é de modo algum exclusivo dos gêmeos; nos dedicamos especificamente a eles aqui por causa da ampla evidência que têm recebido. Esse problema "estético" é um problema comum atualmente. A História em Quadrinhos brasileira enfrenta e terá de enfrentar esta espinhosa questão em seu amadurecimento: como "ser arte" sem ficar esbarrando na necessidade de provar que pode ser arte...

Já vou dizendo que nem ouso esboçar alguma resposta pra isso.


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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A consciência da Morte

O número de julho me pareceu meio fraquinha, mas a Piauí de agosto estava particularmente interessante para discussões religiosas.

Um texto que me champou MUITO a atenção foi este aqui: A consciência da Morte, de Julian Barnes.

Um trecho abaixo, com grifos meus:

A religião costumava oferecer consolo para as dificuldades da vida, e recompensa, no fim, para os fiéis. Mas, acima e além destes agrados, ela dava à vida humana uma noção de contexto, e, portanto, de seriedade. Ela fazia as pessoas se comportarem melhor? Às vezes sim; às vezes não; fiéis e infiéis têm sido igualmente criativos e maus em sua criminalidade. Mas ela era verdadeira? Não. Então por que sentir falta dela?

Porque ela era uma ficção sublime, e é normal a pessoa ficar triste ao fechar um grande romance. Na Idade Média, costumavam mandar animais a julgamento - gafanhotos que destruíam plantações, carunchos que destruíam as vigas das igrejas, porcos que jantavam bêbados caídos na sarjeta. Às vezes, o animal era levado ao tribunal, às vezes (como acontecia com insetos) era julgado necessariamente
in absentia. Havia um julgamento completo, com promotoria, defesa e um juiz de toga, que podia ordenar uma variedade de punições - liberdade condicional, banimento, inclusive excomunhão. Às vezes até mesmo execução judicial: um porco podia ser enforcado por um funcionário do tribunal de luvas e capuz.

Tudo isso parece - agora, para nós - incrivelmente estúpido, uma expressão da incompreensível mente medieval. Entretanto, era perfeitamente racional e perfeitamente civilizado. O mundo foi feito por Deus, e, portanto, tudo o que acontecia nele ou era uma expressão do desígnio divino ou uma consequência do livre-arbítrio que Deus concedeu à Sua criação. (...)

Para nós, isto pode parecer mais uma prova da engenhosa bestialidade humana. Entretanto, há outra maneira de interpretar: como uma elevação do
status dos animais. Eles eram parte da criação de Deus e dos desígnios de Deus, não simplesmente colocados na terra para prazer e uso do Homem. As autoridades medievais levavam os animais a julgamento e avaliavam seriamente seus atos criminosos; nós colocamos animais em campos de concentração, os enchemos de hormônios, e os retalhamos de forma que eles nos façam lembrar o mínimo possível de algo que um dia grasnou ou baliu, ou mugiu. Qual dos mundos é o mais sério? Qual o mais avançado moralmente?

(...)

Encorajamos as pessoas a caminhar na direção do paraíso moderno da autorrealização: o desenvolvimento da personalidade, os relacionamentos que ajudam a nos definir, o emprego que dá status, os bens materiais, a posse de propriedades, as férias no estrangeiro, a poupança, a acumulação de façanhas sexuais, as visitas à academia, o consumo de cultura. Tudo isto resulta em felicidade, não é? Não é? Este é o mito que escolhemos, e quase tão ilusório quanto o mito que insistia em realização e êxtase quando a última trombeta soasse e os túmulos se abrissem, quando as almas curadas e perfeitas se juntassem à comunidade de santos e anjos.

Mas se a vida é vista como um ensaio, ou uma preparação ou uma antessala, ou seja lá qual for a metáfora que escolhermos, mas, de todo modo, como uma coisa contingente, uma coisa que depende de uma realidade maior que está em outro lugar, então
ela se torna ao mesmo tempo menos valiosa e mais séria. Aquelas partes do mundo onde a religião desapareceu, e onde existe um entendimento geral de que este curto espaço de tempo é tudo o que temos, não são, de modo geral, lugares mais sérios do que aqueles onde cabeças ainda se inclinam ao soar o sino da catedral ou ao muezim no minarete. De forma geral, elas se rendem a um materialismo frenético; embora o engenhoso animal humano seja capaz de construir civilizações em que a religião coexiste com o materialismo frenético (em que a primeira pode até ser uma consequência do segundo): vejam a América.

E daí, você poderia responder. Tudo o que importa é a verdade. Você preferiria curvar-se diante de uma besteira e perverter a sua vida ao capricho do clero, tudo em nome de uma suposta seriedade? Ou preferiria erguer-se em toda a sua estatura anã e realizar todos os seus desejos triviais em nome da verdade e da liberdade? Ou esta é uma oposição falsa?

(...)
Talvez a divisão importante não seja entre religiosos e irreligiosos, mas entre aqueles que temem a morte e aqueles que não temem. Caímos, portanto, em quatro categorias, e fica bem claro quais são as duas que se consideram superiores: os que não temem a morte porque têm fé, e aqueles que não temem a morte apesar de não terem fé. Estes grupos estão no plano mais alto da moral. Em terceiro lugar, vêm aqueles que, apesar de terem fé, não conseguem se livrar do medo antigo, visceral, racional. E finalmente, fora do quadro de medalhas, abaixo da média, mergulhados na lama, vêm aqueles que temem a morte e não têm fé.


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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Espírito de porco

Mês passado eu comprei e li "Retalhos", de Craig Thompson (Blankets, no original).
É belo, é eficiente, e é invejável.

Não vou resumir a história do livro, mas quero falar sobre a linguagem dele.


O domínio de comunicação, expressão e composição visual de Thompson são impecáveis. Contudo, apesar de contar com várias experiências formais, todas elas estão dedicadas à envolver o leitor, a criar empatia e imersão no interior da história.

Thompson consegue desenvolver uma formidável empatia com o leitor com sua narrativa e seu desenho. Isso, na verdade, é um item necessário para o sucesso da história, que é de cabo a rabo uma exploração de sua intimidade e sua formação emocional na infância e na adolescência. Infância e adolescências que não foram trágicas, mas foram certamente infelizes e agustiadas, marcadas por uma solidão e por um sentimento de culpa tão intangíveis quanto absolutamente onipresentes. Sentimentos contra as quais o desenho era a principal forma de fuga, redenção e liberdade.


Aqui está a imensa maestria de Thompson: ao usar o desenho para contar sua vida, ele consegue fazer com que a própria história seja uma ilustração e exemplo de sua própria relação com o ato de desenhar. Ao tranformar o sofrimento e o enlevo abstratos da juventude e infância em formas palpáveis, o livro de Thompson, de certa maneira, ENCARNA justamente a função "salvadora" do desenho como auto-expressão.

(De certa maneira, podemos até pensar que ser desenhista foi a opção que Thompson, crescido numa família cristã fanática daquelas bem americanas, preferiu a se "entregar a Jesus". Mas isso é assunto pra outro post)


Há uma fantástica gama de formas comunicativas que Thompson emprega; o desenho vai de um realismo "simplificado" até a linguagem mais cartunesca, viaja pelo simbólico e pelo expressionista.

Mas acredito que essa mudança de formas não quer apenas mostrar o virtuosismo do artista, e nem se trata de artifício para "temperar" a empatia com o leitor na representação. Por exemplo: tenho comigo que Thompson é daqueles que compreendem que há horas em que as pessoas -- especialmente as crianças -- FALAM e se comportam de maneira cartunesca, no sentido de que os personagens "cartuns" SÃO referências de seu comportamento. E, por outro lado, compreende que há delicadezas de sentimento que só podem ser sugeridas de maneira sinestésica, à lá expressionismo ou simbolismo.

Na verdade, dá pra fazer um artigo inteiro simplesmente com uma "leitura semiótica" das diferentes formas de representação empregadas. (Hm. Talvez eu mesmo faça isso, quando tiver mais cara-de-pau... afinal, é possível fazer "leitura semiótica" de qualquer coisa. Mas esta seria uma daquelas que valem mesmo a pena.)

Tenho certeza que Thompson teve um trabalhão dos diabos pra fazer o livro todo. Fora o tamanho absurdo (tem umas 500 páginas!!) , é certo que existe uma reflexão enorme por trás de cada página e cada desenho, para conseguir um sistema de representações ao mesmo tempo variadas, coerentes , envolventes e eficientes.

No entando, não é isso que parece: o desenho parece tão fluido, tão espontâneo, tão natural, que dá raiva.
(E, ainda por cima, foi tudo feito com pincel -- um instrumento que eu nunca aprendi a usar. É ofensivo!)


Mas bem: e porque o título desse post é "espírito de porco"?

Ora, porque um invejoso como eu não podia deixar de apointar defeitinhos mesquinhos em meio às maiores qualidades do artista.

Olhe a bela página abaixo, na qual o artista-narrador, adolescente, admira sua namorada adormecida.


A moça amada, neste desenho tão meigo e belo, tem dois pés esquerdos.

Olhe lá com atenção: o pé está trocado, está ao contrário. O dedão devia estar à direita, o mindinho à esquerda.


Foi um erro tão crasso que me chamou atenção imediatamente. Mas a competência do artista era tanta que olhei os desenhos do livro mais vezes, pra ver se o pé aparecia trocado acontecia mais vezes. Se fosse o caso, talvez pudéssemos entender se tratar de alguma metáfora visual, uma simbolização que me passou despercebida.

Não era. Era um erro mesmo. E, não só foi feito errado, como tudo contribui pra chamar a atenção pro erro: ele é um pé grande; é a única parte da namorada que sai do do quadro; é o último elemento visual que vemos na composição inteira, antes de virar a página.... de maneira que eu, pelo menos, não consigo deixar de notar que ele está errado.
(vou perguntar pra minha irmã psicológa o que isso pode significar em termos de "ato falho"... hehehe)


Pois bem, essa foi minha contribuição de hoje para os invejosos do mundo.
Agora, por favor, vão lá comprar o livro e ler.


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