sábado, 31 de janeiro de 2009

PARANÓIA OU REPRESENTAÇÃO

(Vamos lá com mais uma reflexão-em-andamento. Tudo ainda cru.)

Devem ter sido feitas muitas comparações entre Matrix a Star Wars. Eu, porém, ainda não li nenhuma, então aqui vai a minha.


Lembro que, por ocorrerem no mesmo ano (1999) os lançamentos do primeiro Matrix e do Episódio I de Star Wars, a comparação no meio dos fãs e aficcionados era inevitável.

The Phantom Menace usou um absurdo de efeitos especiais computadorizados, inédito na quantidade e na qualidade, mantendo a tradição de Star Wars de chutar bundas nos efeitos. Mas Matrix, com bem menos, foi a zebra que roubou do favorito o dado-como-certo oscar de efeitos especiais. E com merecimento.
Enquanto o Episódio I mostrava quão ultrapassado estava em concepção e quão caduca estava a cabeça teimosa de George Lucas, Matrix causou uma revolução na temática visual e representação de ação que, nas últimas décadas, seria inferior em influência apenas àquela causada pela própria trilogia original de Star Wars.

Desde de aquela época, tenho pensado difusamente a respeito das duas histórias. Mas o elã de finalmente escrever algo me foi proporcionado por uma improvável experiência: a audição de uma versão audio-book do livro Matrix, or the two sides of perversion, do filósofo marxista-lacaniano Slavoj Zizek (e-mule strikes again!).

Nesta minha comparação — que no final vai se deter mais em Matrix— vou falar genericamente, mas me dedicarei menos às trilogias que aos respectivos primeiros filmes de cada uma.

1.
Há pontos importantes em comum nos dois filmes: ambas são aventuras que tratam do caminho de descoberta, sofrimento, escolha e auto-superação de uma figura heróica contra um fundo de repressão desumanizadora e controladora que ameaça não apenas matá-lo, mas corromper e formatar seu próprio íntimo. Em ambos os casos, o que está em jogo e o que leva o herói a enfrentar o perigo e o sofrimento é o destino da humanidade (expandida em Star Wars para um sem-número de espécies alienígenas) e de seus entes queridos.

Ambas as histórias são, então, aventuras épicas com componentes míticos.
Ambos também foram filmes “inesperados” — vindos de origens inesperadas, e conseguindo um sucesso inesperado. E nessa área estranha que é a ficção científica — nome, aliás, que soa deslocado para ambos os casos: pois nos dois não se trata realmente de ficção científica, mas de aventuras de fantasia e ação que adotam roupagens e temáticas desenvolvidas pela ficção científica já popularizada.

Essa roupagem, é claro, teve tudo a ver com o sucesso de ambas as histórias. Deixando claro uma coisa – que o impacto original de Star Wars continua até hoje inigualado por tudo o que lhe sobreveio — acredito que Matrix no fim do século foi o que esteve mais perto, em “encaixe” simbólico e empático com seu público, do que Star Wars foi na passagem dos 70 para os 80.



Ambos os filmes são muito conscientes de suas aparências, e as construíram numa grande colagem de referências. Em sua constituição, Star Wars tomava emprestados elementos de westerns, das ficções estilo flash Gordon e Buck Rogers, de cultura oriental (que teve grande penetração no ocidente a partir da década de 60), além uso consciente de alguns “arquétipos” mitológicos. Matrix toma emprestado elementos da cultura ciberpunk, do mundo clubber, de desenhos animados japoneses, de artes-marciais e de video-games, entre outras coisas. Mas enquanto a colagem-pastiche de Star Wars visa delimitar uma fantasia, Matrix quer simular uma realidade assombrada, cercada de premonições simbólicas. E isso tem muito a ver com os tempos em que estamos.

http://images.paraorkut.com/img/pics/glitters/m/matrix-4855.jpg

2.

Star wars se constitui a partir de um regime de representação simbólica: um conto de fadas quase escapista, improvável e impossível em muitos aspectos. Mas seu objetivo não é a chegar à “realidade”, mas ao sentido. (ou, lacainizando apud Zizek: não à realidade, mas ao real).
E, de fato, histórias mitológicas têm a ver com organizar dentro de uma narrativa coerente um modelo de organização simbólica que nos permita dar sentido à realidade, e não tanto “explicá-la”. (aliás, pode-se dizer mesmo que essa distância deliberada da realidade em SW já o descaracteriza de imediato como ficção científica).

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Matrix tem também funções simbólicas e morais, mas é uma história com características mais hiperreais — no sentido não de que procura realismo, mas que borra o limite entre real e ficcional. A busca pela simulação, pela sensação realística à la videogame, é mais forte aqui (embora também possa ser detectada em vários momentos de ação de Star Wars). Mas o vital é isto: o que vemos no filme, de início, é nosso próprio mundo hipermoderno retratado. Mas esse mundo próximo ao nosso é uma farsa, e um mundo catastrófico de ficção apocalíptica seria a “verdadeira” realidade que o “sistema” não nos deixa ver (“welcome to the desert of the real”).

A proximidade de Matrix com nossa própria realidade — como num mundo “através do espelho” — é parte do jogo e está indiscutivelmente ligado a seu sucesso. Possibilitou a Matrix um tipo de marketing impossível para Star Wars: lançar modas de vestuário (óculos, em especial). As pessoas se fantasiam de personagens de Star Wars, mas, se quiserem, podem mesmo se vestir como Matrix.

O marcante é que a questão da realidade, que é em si é a essência de Matrix, é irrelevante em Star Wars. Embora ambas as histórias tratem da luta entre a humanidade libertadora e auto-consciente contra uma ordem/sistema despótico e desumanizador, o ponto de vista que adotam é extremamente diferente. Star Wars é uma fábula fora do tempo-espaço histórico ("a long time ago, in a galaxy far, far away"), enquanto Matrix passa-se num nosso futuro distante e hipotético. Em Star Wars, todos voltamos à infância, à inspiração pelos modelos morais, e às possibilidades heróicas de nós mesmos que abandonamos no crescimento e perante os deveres que nos são impostos, mas que podemos recuperar; em Matrix, temos a impressão urgente de que nós é que somos os pobres conectados inconscientes que têm de escolher a pílula vermelha para se libertar de uma prisão cuja existência nem ao menos percebemos.


http://chasness.files.wordpress.com/2008/07/matrix.jpg

3.
Matrix é, enfim, uma história indubitavelmente paranóica. Até certo ponto, é também um filme sobre paranóia sobre nosso atual estado paranóico.
Aviso que não quero me meter em nenhuma designação propriamente psicológica; por “paranóia” designo aqui resumida e vagabundamente apenas a disposição mental e emocional a pensar que há alguma grande instância controladora desconhecida por trás do que vemos e de que, por conseguinte, a própria realidade das coisas e dos outros (a forma como são-para-nós) não é confiável, pois trata-se de uma aparência construída para nos enganar.

Esse caráter paranóico, por sua vez, liga-se à influência da ficção Ciberpunk, que mais de 20 anos antes do filme, já produzia marcos na literatura e no Cinema, como Blade Runner; mas liga-se também aos caminhos tomados pela modernização sistêmica de nosso mundo. O estrondoso sucesso de um plot como o de Matrix teve (e de outros plots paranóicos como os de Arquivo X e de O Show de Truman) seria provavelmente impossível na época de Star Wars. Além do bem-pensado uso das referências, seu sucesso na virada do século não deixa também de servir de termômetro para quão paranóica a vida tem se tornado.

Não por acaso, Star Wars e Matrix encontram-se em limites opostos da presença dos computadores na vida cotidiana e nos filmes. O primeiro se encontra no início da popularização, quando o computador ainda é uma coisa eficiente mas opaca ao ser humano, uma ferramenta feita por e para especialistas, que nos diz o que fazer e à qual devemos abandonar para confiar em nós mesmos e usar nosso pleno potencial (use the force, Luke!). O filme, curiosamente, já faz uso de computação gráfica, então muito incomum (calma, o uso se limita a gráficos e animações pequeninas, ou seja: ao que é mostrado em telas dos próprios computadores).
Matrix, por sua vez, surge na era em que computadores e internet já são parte inseparável do cotidiano (nos USA, certamente; por aqui eles ainda estavam se tornando). Em nosso atual momento, o computador não representa mais uma alavanca que "pensa" e nos diz o que fazer, mas um ambiente artificial no qual nós entramos, trabalhamos, nos divertimos e nos comunicamos. No cinema, a computação gráfica já era largamente empregado para simular realidades quando Matrix começou a ser produzido.

De fato, se o mundo do capitalismo avançado de consumo, do espetáculo debordiano, do controle midiático e da propaganda já eram pra lá de paranóicos, há um grau de paranóia proporcionado apenas pela popularização da internet e pelos computadores: um mundo conectado, onde tudo se resolve por programação digital, onde são possíveis “realidades virtuais” e onde tudo é passível de vigília e controle.

Mas esse mundo é também um mundo de hackers e de informação "selvagem"; o que Matrix também diz é que esse mundo hipercontrolado -- ou da possibilidade do hipercontrole -- é também um mundo de outsiders, rebeldes e revolucionários.

http://www.audioexcellence.com.br/img/wallpapers/matrix2_b.jpg
(afora um pusta enquadramento, o fundo aqui denuncia a idade do filme...)

Bão, vou encerrar por aqui. Há muito mais o que se falar e comparar se seguirmos os desenvolvimentos das trilogias, em especial o desfecho de Star Wars, mas fica pra outra ocasião.

Só um epílogo: muito já se escreveu e teorizou sobre o discurso de Matrix. Slavoj Zizek já disse que o filme funciona como um teste rorschach, onde cada um tende a enxergar o que nele projeta, de maneira que deve-se ter cuidado ao interpretar as intenções e capacidades de seus criadores. Eu creio que é perigoso atribuir elaborações intelectuais exageradas aos irmãos Wachowski; não é assim que a arte (na falta de um nome melhor) funciona. Criação artística e elaboração intelectual são atividades distintas, com ordens de discurso, disposições anímicas e organizações simbólicas distintas. Afora um insight realmente forte e um uso consciente (e por vezes bem pretensioso) de símbolos e referências, maiores elaborações teóricas me parecem fruto dos analistas, e não dos criadores (sejam os Wachovsky ou Lucas).

(E por último, um link: Welcome to the desert of the real, do Zizek. Só pela citação.
Acho que este ano ainda vou postar várias referências a esse cara.)


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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Data comemorativa

Você sabia que hoje é o DIA NACIONAL DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS?

Pois é, nem eu.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Clássicos vanguardistas

Como pude esquecer de prestar homenagem a este clássico absoluto do humor de metalinguagem?
Mais do que inteligente, são sete minutos de um desenho genuinamente engraçado.

Com vocês, Duck Amuck: para mim, um dos melhores Loony Tunes jamais feitos.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Mais uma vez

Wilbor está sem assunto, e novamente preencho o tempo com meus velhos desenhos.

Aqui vai mais um conjunto da série Vida Universitária 1998-2002: Desenho com massas.

Até antes da faculdade, a linha era praticamente tudo o que eu usava como elemento de desenho. É claro, havia também os "preenchimentos" da pintura, das tonalidades de aguada e da coloração, os quais eu empregava bem de vez em quando; mas a linha dominava minha compreensão de desenho propriamente dito -- ou seja, a construção da forma.

Um professor me mostrou então desenhos construídos diretamente por massas de pigmento, com poucas linhas em cooperação ou sem linha alguma.

A partir disso eu realizei alguns estudos me aproveitando do belo efeito que o grafite integral tem quando é usado deitado como um giz de cera... E aí estão alguns resultados.

Embora possam parecer abstratos, todos os desenhos são retratos de colegas de classe assistindo aula.

Estes dois primeiros são desenhos sem linha, nos quais fiz uso de massas escuras para delimitar as bordas externas das pessoas.









Os próximos dois desenhos podem ser meio difíceis de decifrar sem um aviso: tratam-se de um amontoado de esboços feitos no mesmo papel (todos retratando pessoas). Nos dois casos, as linhas são empregadas pontualmente, pra acentuar alguns detalhes.











Uma coisa legal do grafite, quando manejado dessa maneira, éo jeito como ele pega as texturas do papel ou das superfícies debaixo do papel.
Quando fiz estes dois próximos, eu não tinha nem pensado nisso. Por acaso, eu estava desenhando em papéis já usados; e os papéis eram daquelas folhas mais quadradas e finas usadas em impressão matricial (quem lembra), as quais ficam bem marcadas...

Resultado: podem notar as letras ao contrário que emergem onde há o grafite?






Foi um acidente muito interessante.


Estes dois últimos são os meus preferidos: acho que aqui consegui o melhor resultado em juntar forma abstrata, economia formal, uso pontual de linhas e expressão. (coincidentemente, são retratos da mesma pessoa)








Tenho que fazer mais desses. (o chato é a sujeira ocasional)


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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Racismo Diagramático



Fiquei impressionado com a capacidade do autor de sintetizar tão bem e tão visualmente o argumento.

Spiegelman já disse que os quadrinhos são uma arte de diagramas visuais. E taí um exemplo.


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sábado, 10 de janeiro de 2009

Genial


Eis um trailer de um fictício filme dos Thundercats... feito por um fã, com edição e alteração por computador de cenas de outros filmes.

Tentem achar os filmes presentes aí. Eu já contei: Tróia, X-Man, Indiana Jones e a última Cruzada, Mad Max e a cúpula do trovão, Aliens - o resgate, Senhor do Anéis - O Retorno do Rei, Garfield, A Batalha de Riddick, Pequenos espiões, Stargate, Planeta dos Macacos, Mortal Kombat (acho...) e Highlander. Mas há várias coisas que não identifiquei...

Enfim, uma divertida perda de tempo.


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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ano novo, vida nova... mesmo

Excetuando casos peculiares que trazem reflexão ou risada, não é comum aqui que eu e o Marcelo falemos de nossa vida pessoal, e nem é esta a proposta deste blog. Como primeiro post meu deste ano, contudo, pretendo abrir uma exceção que acho bem válida.

Pois este é uma ano de mudanças grandes. Mudanças na verdade começadas no ano passado, mas que só tomarão sua devida proporção (quero crer) neste 2009.

Colocando de jeito curto: no meio do ano passado, me casei. Minha esposa, poucos meses antes do casamento, foi trabalhar no Rio de Janeiro. Até o fim de fevereiro deste ano, então, sairei do meu atual emprego em Cianorte e me mudarei de vez para a dita Cidade Maravilhosa.

Isso fecha o fim de uma fase, curta mas marcante. E também significa a volta a uma velha situação: a distância espacial em relação ao meu parceiro de blog. Mas o blog (e nossa amizade) existia e ia bem quando estávamos longe antes, e permanecerá assim.

Um casamento em distância, por outro lado, é algo bem complicado. Sei disso por experiência própria dos últimos seis meses.O fato é que, durante o segundo semestre do ano passado, houve vezes em que fiz semanalmente o trajeto Cianorte - Rio de Janeiro. De ônibus, obviamente.



Dá pra ver aí que a viagem não é pouca coisa; na verdade, é BEM foda. De tanto viajar e ter minha rotina cindida entre dois mundos (continente e litoral), minha noção de tempo ficou completamente bagunçada durante agosto e setembro.

É uma das transições mais loucas de se pensar: em distância, característica da paisagem, das pessoas, da cultura, do clima, da cidade, da fama (uma ilustre desconhecida paranaense e a cidade mais célebre do Brasil), e etc, etc e bota et cetera nisso.

É importante dizer duas coisas: uma é que é que vindo para o Rio, minha condição de eterno forasteiro é não só mantida, como cultivada em diferentes tonalidades -- e considero isso muito bacana. (Prometo ainda um longo post sobre todos os lugares em que morei; será interessante, juro!)

A outra coisa é que nunca, nunca mesmo imaginei que iria morar no Rio de Janeiro. Se me sobra algum naco de identidade geográfica, é predominantemente do interior paulista (a princípio avessa a carioquices). A única metrópole em que imaginava chegar a morar era São Paulo -- a qual conheço e freqüento razoavelmente há muitos anos, e na qual tenho uma porrada de contatos, referências e amigos.
Mas, sinceramente, quando minha esposa falou que teria que ficar no Rio, fiquei mais empolgado do que preocupado. Isso porque sabia que, embora considerasse a cidade interessantíssima, eu nunca iria ter a idéia de morar nela a não ser que fosse necessário.

Para coroar essa mudança, conscientemente decidi, junto com minha esposa, fazer uma espécie de marco simbólico na virada de ano: receber amigos e parentes em minha casa -- exercendo assim a função de anfitrião, para mim raríssima -- e assistir com eles aos suprafamosos fogos do Reiveillon carioca.



E valeu a pena.

Aviso então que terão início neste ano os meus "diários cariocas" (nome : relatos de outsider sobre eventuais impressões, gozações e revoltas sobre esta estranha, bela, renomada e suja cidade que, ao que tudo indica, será meu lar.


E feliz 2009 pra vocês.


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