quarta-feira, 30 de julho de 2014

Metrô-SP: a gente vê por aqui

TODO MUNDO quer que o metrô funcione por mais tempo na cidade de São Paulo, se possível, que funcione 24 horas por dia.

Eu frequento estádios, pra ser específico, vou ao Morumbi com muita frequência.  Por lá ainda não tem metrô (muito em função do jogo político que tirou a Copa do Morumbi e atrasou a construção de uma linha que atenderia não só os torcedores, mas um bom pedaço da cidade, incluindo aí a comunidade de Paraisópolis, maior favela de São Paulo, onde vivem 43 mil pessoas que trabalham e seriam muito beneficiadas com a chegada de uma linha de transporte público de massa.

Cansei de sair dos jogos cinco, dez minutos mais cedo, uma vez que os jogos das 22 horas acabam perto da meia-noite, horário de encerramento do funcionamento do sistema de transporte público na cidade - incluindo os ônibus.  Já voltei a pé pra casa muitas vezes, caminhada de cerca de uma hora.

O metrô não funciona 24 horas principalmente porque é necessária uma pausa para manutenção do sistema (verificação dos trilhos, sistemas, estações e trens.  Essa manutenção ocorre entre 1:00 e 4:00.  Do jeito que é, já convivemos com um sistema que falha com uma certa frequência, acarretando prejuízos para toda a cidade.

O problema do encerramento das atividades do metrô para os torcedores que frequentam os estádios paulistanos ficou evidenciado após a copa, quando, de repente, "perceberam" que as pessoas não conseguiriam voltar de Itaquera, a última estação da linha vermelha.  Pra quem não sabe onde fica, explico: é longe pra C******.  Daqui de casa, ponta da linha 4, uma hora de metrô.

Fazer com que o metrô funcione até mais tarde é ótimo, mas isso demanda dinheiro, pois é necessário que se contrate mais pessoas para que a manutenção possa ser feita de forma mais ágil.  Pouquíssimas cidades do mundo contam com metrô 24 horas.  Das que eu consigo me lembrar, por ter acompanhado, durante a construção da linha 4, os fóruns sobre metrôs do mundo, só Nova Iorque.  Lá a rede é muito mais extensa e há um sistema de carros que percorrem os trilhos os dias todos, para detectar problemas nas vias.  A limpeza deixa a desejar.

O metrô de São Paulo é limpo, mas como todos sabemos, é um dos sistemas mais caros do mundo.  A construção das novas linhas segue a passos de tartaruga...contamos, atualmente, com 75,5km de trilhos.  O sistema foi inaugurado em 1974, o que dá uma média de 1,88km/ano.  Na gestão PSDB, a média é ainda mais esdrúxula: 1,56km/ano.

Ontem foi anunciado, pelo governo estadual, que em dias de jogos que começam às 22 horas, o metrô funcionará até 00:30.  Essa alteração foi definida visando beneficiar a Rede Globo.  Isso ocorre porque a emissora define os horários dos jogos, e para não ter que alterar o horário da novela das nove (não era das oito antes?), maior audiência da emissora.  Uma alteração na grade do horário nobre da globo tem alto impacto no orçamento da emissora, uma vez que a TV vive de anunciantes.  O horário das novelas não é definido à toa.  Antes da novela, outro campeão de audiência: o Jornal Nacional.

E a população de São Paulo com isso?  Quem paga pela manutenção e implantação do sistema metroviário é a população paulista (com seus impostos) e a paulistana (passagens).  Como o monotrilho (Linha-17) tem aporte de verbas federais, tem dinheiro dos contribuintes do país todo no metrô-SP.

Repito: ninguém é contra o funcionamento do metrô por mais tempo.  Agora, alterar o funcionamento do sistema para evitar o prejuízo da maior emissora de TV brasileira é um absurdo.  Esse jogo de favorecimento entre PSDB/Globo ocorre regularmente, mas em ano eleitoral as coisas ficam ainda mais claras.

Finalmente: ainda que fosse possível o funcionamento do metrô por 24 horas sem custos adicionais, obrigar os torcedores a iniciar sua volta pra casa após a meia-noite, num dia de semana é um absurdo, especialmente numa cidade do tamanho de São Paulo.  No meu caso, se eu entrasse no metrô, na estação Itaquera às 00:30, chegaria em casa quase 2 da madrugada.  Os jogos precisam começar mais cedo, e é um desrespeito que o poder público permita que os interesses financeiros de uma TV se sobreponham ao interesse dos cidadãos.

Bom mesmo é depois ouvir, na mesma TV, discursinhos reclamando do baixo comparecimento da torcida nos estádios.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Memento mundi



Anunciação de Leonardo Da Vinci, 1472 e 1475. Fonte:   Haltadefinizione

Que cidades povoam o fundo dessas imagens?

Qual a substância desse cenário figurante, desse eterno "enquanto isso", diante da anunciação da transcendência, da ponte para a eternidade? Que cotidiano convivia com o anúncio de milagres e martírios?

Memento mundi: lembra-te de que és mundo.

Quem mora nessas cidades?
Que alegoria de humanidade, de "nós", de "qualquer um"?
Que cidade povoa os sonhos adormecidos e acordados dos artesãos de imagens?

Em que cidade invisível sonha-se a rua da misericórdia?




Memento somni: lembra-te de que és sonho.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Pelo andar da carruagem

Não vivemos numa ditadura neste momento; mas pelo atual andar da carruagem, já dá pra saber como foi -- e como vai se parecer se ela chegar. Pra muita gente, vai ser algo imperceptível.

Notícias genéricas de jornal sobre os "blackblocs" tem sido um show de falácia e non-sequitur, difamando pessoas sem mostrar evidências, apenas reeditando velhas imagens aleatórias de cenas de violência em manifestação junto a rostos como o de Sininho, na esperança de ficar reforçando um consenso ignorante, preconceituoso e preguiçoso. As gravações mostradas em tom de denúncia são um espetáculo de forçação de barra.

A política midiática do cagaço, bombada pelo ano de eleição.

Não vai funcionar; ao menos, não para esta eleição de presidente. Não somos (ainda) uma nação de Reginas Duarte.

Mas tenho muito medo de ver a que abismo estamos descendo aqui. De um lado, setores interessados em tentar juntar o vândalo-terrorismo (uma invenção da mídia brasileira, sempre contando que nossa eterno frouxidão terminológica) com movimentos de esquerda para inflar a coxinharia brazuca e tentar queimar uns nomes de políticos e intelectuais.

Do outro lado, pareço ver governo e governistas variando entre o medo de serem associados aos "vândalos" e o visível estado de "silêncio sorridente" para com os baderneiros (colocados assim, de maneira generalizada) que, em sua falta de noção ou má-fé, ousaram bagunçar o céu de brigadeiro da reeleição e motivar os coxinhas a saírem para rua e se sentirem "povo".

De repente, um dos eventos mais múltiplos, multifacetados e complexos da história do Brasil passa a ter nome e incitadores "oficiais". Ganha nome, endereço e estado civil. O "junho negro" (nome ridículo, meu deus!!!) está sendo convertido subrepticiamente em algo semelhante a um "atentado terrorista" -- algo montado por células organizadas de gente louca, feia e malvada. Comedores de criancinha, ó céus.

De repente, um telefonema sobre marmitas pra militantes vira evidência de intenção de explodir coisas no final da copa.

Os técnicos da grande mídia conhecem nosso gosto por personagens para reconhecer, de histórias simples e reafirmadoras de nossa própria moral; conhecem como poucos nossa péssima memória; nosso desgosto por dúvidas, nossa necessidade de bodes expiatórios.

No lixo, a presunção de inocência, estado de direito e outras coisitas mínimas como a simples lógica

Falo sério, gente: MUITO MEDO do que está rolando aqui. Muito nojo, também; mas, sobretudo, medo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Trocando em miúdos - talvez eu desenhe

Sobre o caso Zuñioga/Neymar.  O assunto já deu o que tinha que dar, mas não consigo deixar passar a última imagem que vi.  Ante de entrar, especificamente no tema, acho necessário fazer uma pequena digressão.

Em novembro passado, o André Dahmer  postou o seguinte em sua timeline:


No documentário "O riso dos outros", o cartunista explica sua linha de humor, extrememente ácida: 

"O humor sempre namorou com essa questão da truculência, da violência.  O ataque às minorias é uma regra do humor.  Se o humor precisa de uma vítima, façamos a vítima certa...porque tem tanta gente que merece apanhar...porque bater nos negros ou nas mulheres, que já apanharam bastante?"

Concordo.  O sarcasmo é a melhor forma de expor posicionamentos toscos, preconceituosos, ao ridículo.  O documentário é excelente, Pedro Arantes, o diretor contrapõe, de forma muito clara, dois grupos de humoristas e cartunistas: de um lado Laerte, Arnaldo Branco, André Dahmer e Antônio Prata entre outros.  Do outro, Danilo Gentili, Rafinha Bastos e uma tal de Marcela Leal , comediante que me fez ter vontade de comer os próprios olhos e furar os ouvidos.  O problema é que, como todo produto intelectual,  o humor apresenta uma certa linha de corte: certas piadas exigem um grau mais elevado de refinamento.  Não me estenderei mais sobre o tema, que já abordei longamente aqui.

Em função disso, eu tenho um certo receio de recomendar este filme publicamente.  Não consigo deixar de imaginar uma pessoa assistindo ao meu lado e rindo das piadas "erradas".  Mas tá aqui, dane-se.


Bom, volto agora ao caso Zuñiga/Neymar e o linchamento do colombiano nas redes sociais.  Eu já tinha desistido da discussão, mas ainda não tinha visto as imagens das ofensas na foto da filha do cara...sabia que era uma criança pequena, mas não que tinha dois anos e que a foto na qual as ofensas foram postadas era tão bonita.


Primeiro, falando dos comentários: chamaram a menina de puta, expressam o desejo de que o coração da menina não seja como o do pai, desejam a ela morte, "estrupo" e uma lesão na coluna.

Como a proposta aqui é explicar direitinho, ressalto o fato de que o Zuñiga se refere à filha como "monita".  É o equivalente a chamar uma criança, carinhosamente de "macaquinha".  Ok?  Só pra ter certeza...

Bão:

Isso não apareceu na minha timeline - ou melhor, até apareceu, mas como denúncia, mais ou menos como estou colocando.  Via  imagem, em baixa resolução, no final deste artigo publicado do Diário do Centro do Mundo.  Recomendo.

Já abordei o caso ontem, no facebook.  Mas essa história me fez lembrar de um raciocínio que o Dawkins faz em "Deus, um delírio".  O autor escreve um capítulo explicando qual é, em sua opinião, o mal da religião.  Lembra do caso dos atentados de 11 de setembro: os terroristas não eram identificados, em suas comunidades como fanáticos.  Certamente a esmagadora maioria dos muçulmanos, mesmo entre os fundamentalistas, jamais praticaria ato tão radical quanto jogar dois aviões contra as torres do World Trade Center.  Mas o fizeram.

Certamente há questões psicológicas mais profundas.  Mas mesmo em um ambiente religioso moderado, são promovidas ideias que, se levadas a ferro e fogo, podem resultar, através das mãos de loucos, em atitudes extremamente violentas.  Pra cometer um atentado desses é necessário acreditar que: aqueles que vão morrer o merecem, pois são pecadores; sua ação é realizada em nome de Deus; você será recompensado, após a morte, por sua ação.

As redes sociais foram tomadas por ódio e preconceito.  De uns tempos pra cá, alguma barreira foi rompida.  O discurso preconceituoso que antigamente não era colocado publicamente, agora o é.  Mesmo no ambiente "benigno" que tínhamos antes do acirramento do debate na internet surgiam, vez ou outra, aqueles mais exacerbados.  No ambiente atual, onde a retórica virulenta e preconceituosa está tão na vitrine, reações como essas que vemos na foto da filha do Zuñiga parecem ser coisas mais ou menos normais.  Não é, não pode ser, cacete.

O que leva alguém a ver uma foto dessas, em que uma menina de dois anos aparece dizendo "eu te amo" para o pai, a atacá-la, desejar sua morte, estupro, ainda que retoricamente?  Imaginem-se, por favor, no lugar desse cara, dessa menina?  Isso é MUITO doente.  Aqui acho necessário ressaltar um trecho do DCM:

"Como Sheherazades desportivas, Galvão Bueno e Luciano Huck se puseram a promover uma malhação covarde e demagógica de Camilo Zúñiga. Para Galvão, o colombiano praticou um 'atentado', usando de 'maldade pura'.

Sua trupe de convidados, como sempre, foi instada a concordar com ele. Um humorista classificou Zúñiga de 'marginal'. Caio Ribeiro, o comentarista mais anódino do Brasil, o Geraldo Alckmin da crônica, cravou que o inimigo 'não visou a bola'”.

Perfeito.  O papel de Galvão, nesse caso, é exatamente o mesmo dos colunistas raivosos da grande mídia: o de catalisador do sentimento de raiva, ao analisar um lance que já ocorreu algumas no futebol como um "atentado".  Isso provavelmente porque a vítima da vez era o Neymar, o grande ídolo da seleção brasileira, eliminado da copa disputada no país.  É evidente que mesmo sem a acusação da Globo muitos enxergariam a entrada do Zuñiga por esse viés - embora boa parte da imprensa esportiva e mesmo dos atletas e técnicos tenham avaliado a situação como "normal".  Lembrando que já teve perna quebrada nessa copa.

Concluindo: eu tenho certeza absoluta de que a maioria das pessoas ficou chocada com as ofensas postadas na foto dessa menina.  Esse tipo de reação, tão disseminada, talvez só tenha chegado a esse nível porque o ambiente das redes sociais está extremamente contaminado.  Se em ambientes benignos surgirão imbecis desse tipo, o que podemos esperar da comunidade facebookiana?

Por isso, numa boa...parem de repercutir este caso.  Parem de postar ofensas ao Zuñiga.  Parem de assistir à Globo.  Globo fode a tua cabeça, irmão.  Inclusive novela, Fantástico e Malhação.  A copa está passando em um zilhão de canais, com narradores, análises e comentários muito melhores.  E depois da copa (que teve), vale a pena dar uma espiada naqueles outros 100 canais que tem na sua TV - pra quem tem cabo, pelo menos.