segunda-feira, 7 de julho de 2014

Trocando em miúdos - talvez eu desenhe

Sobre o caso Zuñioga/Neymar.  O assunto já deu o que tinha que dar, mas não consigo deixar passar a última imagem que vi.  Ante de entrar, especificamente no tema, acho necessário fazer uma pequena digressão.

Em novembro passado, o André Dahmer  postou o seguinte em sua timeline:


No documentário "O riso dos outros", o cartunista explica sua linha de humor, extrememente ácida: 

"O humor sempre namorou com essa questão da truculência, da violência.  O ataque às minorias é uma regra do humor.  Se o humor precisa de uma vítima, façamos a vítima certa...porque tem tanta gente que merece apanhar...porque bater nos negros ou nas mulheres, que já apanharam bastante?"

Concordo.  O sarcasmo é a melhor forma de expor posicionamentos toscos, preconceituosos, ao ridículo.  O documentário é excelente, Pedro Arantes, o diretor contrapõe, de forma muito clara, dois grupos de humoristas e cartunistas: de um lado Laerte, Arnaldo Branco, André Dahmer e Antônio Prata entre outros.  Do outro, Danilo Gentili, Rafinha Bastos e uma tal de Marcela Leal , comediante que me fez ter vontade de comer os próprios olhos e furar os ouvidos.  O problema é que, como todo produto intelectual,  o humor apresenta uma certa linha de corte: certas piadas exigem um grau mais elevado de refinamento.  Não me estenderei mais sobre o tema, que já abordei longamente aqui.

Em função disso, eu tenho um certo receio de recomendar este filme publicamente.  Não consigo deixar de imaginar uma pessoa assistindo ao meu lado e rindo das piadas "erradas".  Mas tá aqui, dane-se.


Bom, volto agora ao caso Zuñiga/Neymar e o linchamento do colombiano nas redes sociais.  Eu já tinha desistido da discussão, mas ainda não tinha visto as imagens das ofensas na foto da filha do cara...sabia que era uma criança pequena, mas não que tinha dois anos e que a foto na qual as ofensas foram postadas era tão bonita.


Primeiro, falando dos comentários: chamaram a menina de puta, expressam o desejo de que o coração da menina não seja como o do pai, desejam a ela morte, "estrupo" e uma lesão na coluna.

Como a proposta aqui é explicar direitinho, ressalto o fato de que o Zuñiga se refere à filha como "monita".  É o equivalente a chamar uma criança, carinhosamente de "macaquinha".  Ok?  Só pra ter certeza...

Bão:

Isso não apareceu na minha timeline - ou melhor, até apareceu, mas como denúncia, mais ou menos como estou colocando.  Via  imagem, em baixa resolução, no final deste artigo publicado do Diário do Centro do Mundo.  Recomendo.

Já abordei o caso ontem, no facebook.  Mas essa história me fez lembrar de um raciocínio que o Dawkins faz em "Deus, um delírio".  O autor escreve um capítulo explicando qual é, em sua opinião, o mal da religião.  Lembra do caso dos atentados de 11 de setembro: os terroristas não eram identificados, em suas comunidades como fanáticos.  Certamente a esmagadora maioria dos muçulmanos, mesmo entre os fundamentalistas, jamais praticaria ato tão radical quanto jogar dois aviões contra as torres do World Trade Center.  Mas o fizeram.

Certamente há questões psicológicas mais profundas.  Mas mesmo em um ambiente religioso moderado, são promovidas ideias que, se levadas a ferro e fogo, podem resultar, através das mãos de loucos, em atitudes extremamente violentas.  Pra cometer um atentado desses é necessário acreditar que: aqueles que vão morrer o merecem, pois são pecadores; sua ação é realizada em nome de Deus; você será recompensado, após a morte, por sua ação.

As redes sociais foram tomadas por ódio e preconceito.  De uns tempos pra cá, alguma barreira foi rompida.  O discurso preconceituoso que antigamente não era colocado publicamente, agora o é.  Mesmo no ambiente "benigno" que tínhamos antes do acirramento do debate na internet surgiam, vez ou outra, aqueles mais exacerbados.  No ambiente atual, onde a retórica virulenta e preconceituosa está tão na vitrine, reações como essas que vemos na foto da filha do Zuñiga parecem ser coisas mais ou menos normais.  Não é, não pode ser, cacete.

O que leva alguém a ver uma foto dessas, em que uma menina de dois anos aparece dizendo "eu te amo" para o pai, a atacá-la, desejar sua morte, estupro, ainda que retoricamente?  Imaginem-se, por favor, no lugar desse cara, dessa menina?  Isso é MUITO doente.  Aqui acho necessário ressaltar um trecho do DCM:

"Como Sheherazades desportivas, Galvão Bueno e Luciano Huck se puseram a promover uma malhação covarde e demagógica de Camilo Zúñiga. Para Galvão, o colombiano praticou um 'atentado', usando de 'maldade pura'.

Sua trupe de convidados, como sempre, foi instada a concordar com ele. Um humorista classificou Zúñiga de 'marginal'. Caio Ribeiro, o comentarista mais anódino do Brasil, o Geraldo Alckmin da crônica, cravou que o inimigo 'não visou a bola'”.

Perfeito.  O papel de Galvão, nesse caso, é exatamente o mesmo dos colunistas raivosos da grande mídia: o de catalisador do sentimento de raiva, ao analisar um lance que já ocorreu algumas no futebol como um "atentado".  Isso provavelmente porque a vítima da vez era o Neymar, o grande ídolo da seleção brasileira, eliminado da copa disputada no país.  É evidente que mesmo sem a acusação da Globo muitos enxergariam a entrada do Zuñiga por esse viés - embora boa parte da imprensa esportiva e mesmo dos atletas e técnicos tenham avaliado a situação como "normal".  Lembrando que já teve perna quebrada nessa copa.

Concluindo: eu tenho certeza absoluta de que a maioria das pessoas ficou chocada com as ofensas postadas na foto dessa menina.  Esse tipo de reação, tão disseminada, talvez só tenha chegado a esse nível porque o ambiente das redes sociais está extremamente contaminado.  Se em ambientes benignos surgirão imbecis desse tipo, o que podemos esperar da comunidade facebookiana?

Por isso, numa boa...parem de repercutir este caso.  Parem de postar ofensas ao Zuñiga.  Parem de assistir à Globo.  Globo fode a tua cabeça, irmão.  Inclusive novela, Fantástico e Malhação.  A copa está passando em um zilhão de canais, com narradores, análises e comentários muito melhores.  E depois da copa (que teve), vale a pena dar uma espiada naqueles outros 100 canais que tem na sua TV - pra quem tem cabo, pelo menos.

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