segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Cadernos Paternos IV: és um senhor tão bonito


É fato sabido que o primeiro ano de paternidade/maternidade é muito, muito intenso. Para os pais de primeira viagem, há o agravante da inexperiência geral; mas mesmo para os já escaldados, há a inexperiência particular da criança em si, pois cada criança é um ser único, irrepetível, intransferível e, dirão alguns, incorrigível.

Mas há aí mais uma questão, sobre a qual talvez poucos fora do círculo de interesse parental saibam: em seu primeiro ano, "a criança" na verdade são várias.
Os padrões de comportamento e reações se estabelecem, duram algum tempo e então mudam; aquilo que finalmente funcionou para fazer o bebê dormir um mês atrás agora não funciona mais, o lance é outro, e perdemos um tempinho insistindo no que já não funciona (sobretudo quando somos inexperientes, imagino).

Mais do que só em seu comportamento e reações, a criança também muda radicalmente de aparência.
Parece claro, mas isso não é tão óbvio assim se você não conviveu atenciosamente com bebês.
O grau de radicalidade da mudança só não me era completamente estranho porque, alguns anos antes de ser pai, eu havia visto este lindo vídeo aqui {https://vimeo.com/69986655} e me impressionado.

A Second a Day from Birth. from Sam Christopher Cornwell on Vimeo.

Ver esse vídeo, obviamente, não me preparou pra quase nada relevante na paternidade (nada te prepara pra ser pai, a não ser talvez cuidar intensivamente de alguma criança pequena); mas me deu ao menos a noção do nível de transformação.

O que vemos entre o parto e o primeiro aniversário é a metamorfose de um animalzinho larvário, pura víscera e canais sensórios, em uma pequena pessoa humana no que talvez seja seu estágio máximo de fofura. Ao fim do primeiro ano fora do útero, a criança tem mais semelhança física e neurológica com os adultos que a criam do que consigo mesma quando acabara de nascer.

 Imagino que todos podemos já ter visto fotos de nós mesmos ou de nossos irmãos recém-nascidos e exclamar "nossa, como éramos diferentes". Podemos até ter convivido com recém-nascidos (como eu convivi com minha meia-irmã nova quando tinha 15 anos).
Mas é tudo diferente quando estamos no regime de atenção radicalmente novo e paradoxal da criação. Ao menos para mim, os dias foram longuíssimos e, simultaneamente, passaram MUITO rápido. Parece-me um regime de percepção em que, parafraseando Tom Zé, "cada segundo tem décimos, centésimos, tem pêlos e cabelos de milésimos". Na temporalidade paterna, os dias tem horas e cada hora tem minutos e segundos. Como num fractal, o tempo expande seu perímetro quase indefinidamente pelas micro-frações; ainda que ocupando mais ou menos a mesma área e mantendo mais ou menos a mesma figura geral, seu perímetro se expande de modo impressionante.

Paternidade de Mandelbrot: uma fralda que nunca acaba de ser trocada

Mas aí chegamos na questão para qual esse processo todo me chamou atenção: o tempo.



"És um senhor tão bonito
quanto a cara do meu filho
"

Mesmo tendo essa música de Caetano Veloso entre minhas preferidas, eu nunca tinha pensado muito nesse par inicial de versos em particular; tinha me dado por satisfeito em achá-los meramente bonitinhos, afetuosos.
Obviamente, ser pai me proporcionou ver uma dimensão completamente nova para o começo dessa canção. Com um ano e meio de paternidade, me dei conta de maneira visceral que em nenhuma instância o tempo é mais belo, mais dotado de sutileza e maravilha, do que em presenciar o crescimento de uma criança -- sobretudo de sua face, onde se vê não apenas a mudança, mas a emergência de expressão e personalidade.

No desenvolvimento do filho -- que muda e ainda assim se mantém -- há ao menos três belezas temporais simultâneas:
A beleza da alegria simples da presença, do momento presente de aqui-e-agora.
A beleza da melancolia de cada criança que ele já não é, que deixou e está deixando de ser.
A beleza da promessa de porvir em trânsito que é todo ser, e sobretudo toda criança.

Semana após semana as fases, padrões de comportamento, reações e aparências vão se transformando. Pequenos saltos, minúsculas mudanças-marcos, dentro de uma progressão contínua, suave, ainda que não constante; progressão que se estica, contrai e torce como uma sanfona. Nossa relação com a criança-larva-mutação muda; são vários pequenos filhos que são semi-deixados para atrás, e amamos cada um deles e temos um pequeníssimo luto por cada um deles, atenuado pela alegre saudação ao novo filho que recebemos.

Aqui pode-se contrapor que, ora, é assim que o tempo age em cada um de nós, nada de excepcional. Mas em nós adultos mudança é arrastada demais, enquanto os bebês e crianças vêm com a aceleração propícia: nem tão lenta que mal a notemos ("no começo do ano ele nem andava ainda!...") e nem tão rápida que não consigamos nos tornar realmente familiarizados. O crescimento da criança nos desvela o tempo precisamente porque nela, estando em tenso estado de atenção ampliada, conseguimos tanto perceber (e sentir, lamentar e alegrar) quanto nos acostumar com a mudança de cada estado transitório.

Nessa temporalidade amorosa há, assim, tanto afirmação quanto transcendência da passagem: a mudança no rosto de meu filho, sempre tão familiar sendo a cada dia diferente, é o mais lindo dos espelhos do tempo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Cadernos Paternos III: Semiótica


Eu provavelmente não falo isso aqui tanto quanto deveria, mas ser pai é um troço impressionante.

Nos últimos meses, é muito perceptível que meu filho passou por algo que, à guisa de nome melhor, chamarei de "despertar semiótico".
Digo assim porque é como me pareceu: um "despertar" para algo que já estava latente, algo que lentamente já se desenvolvia. No caso, é a capacidade de representação e comunicação -- a consciência inicial dos signos.

Miguel vê uma imagem de um leão na tevê; imediatamente, ele diz o nome Leão (ou tenta dizer),ou solta um rugido (que lhe ensinei); ele aponta para um brinquedo onde há um leão (com um grau de abstração/estilização tão grande que me surpreendo ele conseguir reconhecer que a imagem na tv e aquilo são o mesmo); em seguida, aponta para outro brinquedo, também com um leão -- mas com um estilo de cartunização bem diferente; e saí em busca de um livro onde há um leão com outro estilo de desenho diferente.

Para meu filho, apontar a equivalência entre essas muitas coisas díspares é quase um teste, um exercício -- o desenvolvimento e afinamento da habilidade de identificar. Mas nessas repetições também fica evidente a diversão dele pelo fato em si, a percepção desse processo de significação como uma constante novidade.
Nessa repetição constante de identificações, fica para mim patente que ele está interessado no fato simples de que uma coisa pode referir-se à outra, pode personificar outra. Um desenho pode ser um leão, um boneco de dez centímetros de altura é um dinossauro.

Entendam, ele já fazia isso, já vivia isso; faz meses que começou a reconhecer e a dar nomes, ainda que gradual e lentamente. Mais recentemente, contudo -- e para meu assombro -- vejo que ele percebe, ainda que de maneira ingênua e primária, que há um processo de fazer-isto-equivaler-a-aquilo. Ele despertou para o fato de que linguagem é em si uma brincadeira. .

(a linguagem pode até mesmo presentificar "magicamente" as coisas: ele se diverte muito com o fato de que, quando minha esposa está tratando dele e precisa de ajuda, chama meu nome alto. Ele fica esperando eu aparecer, olhando para a porta do quarto. "Gabriel" equivale à minha presença, é palavra mágica da mãe).

Isso provavelmente não surpreende em nada quem já tem filho há mais tempo e/ou estudou pedagogia ou psicologia; mas eu nunca li muito sobre o desenvolvimento infantil, então não sabia que com um ano e meio as crianças eram capazes disso.
Manifesto aqui, então, meu ingênuo e desavisado assombro amoroso. E a felicidade de poder assistir, participar e incentivar esse despertar em primeira mão.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Pluralismo

Percebam a estratégia da Folha para se vender como um jornal "plural": mantém, entre seu corpo de 123 colunistas e colaboradores, dois punhados de esquerdistas - que não interferem no conselho editorial.

Janio de Freitas
André Singer
Vladimir Safatle
Antonio Prata
Gregório Duvivier
Laerte
Angeli
Zé Simão
Juca Kfouri

Posso ter deixado alguns de fora, até porque não sou mais assinante há algum tempo, mas acho que o que segue vale: Os três primeiros são muito relevantes, um jornalista histórico e dos intelectuais de primeira linha. Os outros todos são humoristas (cronistas e cartunistas); o último escreve (com muita competência) no caderno de esporte.

Ou seja: a esquerda, na Folha, é alívio cômico. Muito parecido com o que ocorre na Fox, que abriga o canal de notícias ultra-conservador Fox News ao mesmo tempo em que promove os Simpsons e toda a produção do Seth McFarlane.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Embalagens

Seguindo a dica do senador Antônio Imbassahy (PSDB-BA), passei a guardar alguns alimentos de consumo fácil em saquinhos plásticos, muito mais práticos:


Sal


 Queijo


 Mel


Salame


Carne moída com arroz

das interpretações do golpe (ou não?)

Noam Chomsky falando sobre a situação do Brasil. Simples, conciso, direto:


"É uma espécie de 'golpe branco'. A elite detestava o Partido dos Trabalhadores e está usando esta oportunidade para se livrar do partido que ganhou as eleições. Não vão esperar pelas eleições, que provavelmente voltariam a perder, mas querem se livrar dele (PT), explorando uma recessão econômica, que é grave,  e a maciça corrupção que foi exposta. Mas como até mesmo o New York Times apontou, Dilma Rousseff talvez seja a única liderança política que não roubou para se beneficiar. Ela está sendo acusada de manipulações no orçamento que são comuns em muitos países, tirando de um bolso e colocando em outro, o que talvez seja um malfeito de algum tipo, mas que certamente não justifica um impeachment. Temos a única líder que não roubou para enriquecer sendo impedida por uma gangue de ladrões que o fizeram. Isso de fato conta como um 'golpe soft'."

O texto a seguir não é exatamente sobre essa fala de Chomsky, mas sobre o discurso de uma ala de intelectuais na esquerda do nosso espectro político, incapazes de propor qualquer coisa que passe um da pura demonstração de erudição a serviço de porra nenhuma.

Lembro aqui que eu posso estar equivocado sobre as minhas conclusões. Tenho uma formação de origem naturalista, tendo migrado, posteriormente, para o terreno movediço das humanidades, portanto, meio diferente da maioria dos acadêmicos de formação puramente humanística. Sou um determinista. Pois bem, penso que "golpe soft" ou "golpe branco", utilizados por Chomsky, são os termos que melhor descrevem o movimento político que está em curso no Brasil.

Parte da esquerda tem rebolado junto com a direita, embora de forma mais elegante e prolixa, para explicar que o que acontece aqui não é um golpe.

Idelber Avelar compartilhou há pouco um texto de Marcus Fabiano Gonçalves, professor de direito na UFF, no qual o último explica que golpes de Estado, na definição de muitos autores clássicos, requerem uma tomada violenta do poder, ou, minimamente repentina. Aviso, o texto é bastante extenso, demanda muita disposição.


Para o autor, o fato de que Dilma vem se enterrando lenta e longamente numa situação política insustentável faz do termo "golpe" muito mais uma questão de retórica política, o que desqualificaria o fenômeno da definição clássica de golpe de Estado:

"A palavra 'golpe' nos chega pelo latim vulgar colpus, anteriormente grafada colaphus, 'bofetada, soco, murro', originando-se, por sua vez, do grego kálaphos (κάλαφος), 'tapa na cara, pancada na face'. Ou seja: a partir da analogia que se procura nesse gesto, compreende-se o 'golpe' como uma medida enérgica e repentina desferida contra certa ordem estabelecida. E ninguém precisa ser um grande cientista político para constatar que Dilma Rousseff não sofreu nenhum solapamento súbito. Muito antes pelo contrário: a sua sustentação popular e parlamentar veio paulatinamente erodindo-se até o limite da ingovernabilidade desde as manifestações de junho de 2013, coisa perceptível em estrondosas vaias (como as da Copa do Mundo), sonoros panelaços e múltiplas defecções de sua base aliada, outrora fidelizada à custa do Mensalão que produziu as condenações da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal."

Para usar a expressão de Sokal & Bricmont, "fashionable nonsense". O texto começa bem, o autor demonstra seus traços de erudição através de um vocabulário rico - que se mantém até o final do texto, ao contrário da qualidade da argumentação.

Gene Sharp e Noam Chomsky, explicam essa modalidade relativamente moderna do golpe, o chamado "golpe branco", no qual os agentes golpistas se utilizam do aparato legal e formalidades jurídicas para atingir o poder. O caso paraguaio é citado no texto justamente para expor as diferenças do que aconteceu por lá com a nossa versão da coisa:

"Corretamente chamado de 'golpe relâmpago', tal episódio não pode, em hipótese alguma, ser posto em paralelo ou suscitado como algum precedente razoável para a situação brasileira do afastamento constitucional de Dilma Rousseff, mesmo porque ele tampouco envolve um caso gravíssimo de corrupção como o que atinge o partido e os auxiliares mais diretos da Presidente do Brasil. Não bastasse isso, as diversas e longas oportunidades de defesa aproveitadas pelas representações de Dilma Rousseff chegaram ao limite do constrangimento e da ruptura do decoro parlamentar quando, na própria Câmara dos Deputados, o Advogado Geral da União chamou, sem pejos, os mandatários lá reunidos de 'golpistas', coisa que, em qualquer país de sólida tradição democrática, ensejaria as mais contundentes exigências de desagravo."

Para Gonçalves (e Avelar, por adesão) o processo brasileiro não só não pode ser chamado de golpe no sentido clássico, mas não pode ser comparado a um golpe sob qualquer circunstância. A diferença do caso paraguaio para o nosso é o fato de que por lá os prazos para defesa foram extremamente exíguos e a motivação não teria sido um escândalo de corrupção, mas um pretexto moral (as crias de Lugo). Cabe ressaltar que os tais "golpes brancos" não são vinculados a um prazo específico ou à extensão e complexidade do processo. Pelo contrário, quanto maior a impressão de que os procedimentos foram seguidos à risca, melhor caracterizada fica a coisa. Neste sentido, penso que é justamente o golpe paraguaio que se situa na condição limítrofe dessa modalidade de ruptura democrática, é quase um golpe clássico. A coisa aqui foi cozida em fogo baixo, nossos rabos devidamente lubrificados, o discurso da mídia martelado à exaustão. Fomos vencidos, afinal, pelo cansaço, alienação e bundamolice, conforme ilustrou Laerte, de forma brilhante:



Gonçalves, ao contrário, utiliza o fato de que o procedimento foi conduzido lenta e cautelosamente para justificar sua adesão à tese de que "se o STF respalda o procedimento e existe previsão constitucional para impeachment não é golpe":

"Contudo, desde uma perspectiva constitucional, o processamento do impeachment – cujo rito vem sendo estritamente fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com toda clareza e publicidade em sessões até transmitidas pela televisão –, não há nunca de ser chamado de 'golpe' e, muito menos, de “golpe de Estado”. Golpe de Estado é, isso sim, um atentado à ordem instituída caracterizado por um procedimento de tomada do poder rápido, vigoroso e perpetrado ao arrepio da lei e da Constituição, via de regra mercê do emprego da força militar coativa. Assim, é próprio à dinâmica do golpe de Estado um tipo de agilidade que, impondo surpresa aos seus adversários, cuida de se precaver contra eventuais resistências."

Puta merda, então precisa do elemento-surpresa. Novidade pra mim e pro Brasil, país no qual o último golpe reconhecido por todos foi arquitetado por 10 anos, coincidentemente gestado através de muita propaganda, apoio da mídia e  setores conservadores da sociedade nacional. Sei lá, talvez só o finalzinho conte nessa regra, quando os militares pulam por detrás da cadeira do Jango e gritam "surpresa!".

Dilma, em uma de suas muitas respostas no senado, afirmou que em lugar nenhum na literatura política é dito que golpe de Estado = golpe militar. Não é verdade, há autores que dizem isso...trata-se, porém, de uma leitura anacrônica da realidade política: ou a conjuntura brasileira não comporta um novo golpe militar, ou (o que penso ser o mais provável), simplesmente os interessados optam pelo menor esforço, o golpe parlamentar.

Goste-se ou não de Dilma, é fato que as acusações contra ela não passam de um pretexto para devolver o poder no Brasil aos seus "donos" de fato.


O texto traz alguns elementos interessantes, que podem ser utilizados como justificativa para o raciocínio que pretende conduzir: o marketing político certamente busca o exagero em suas declarações. Não significa, em absoluto, que o processo atual se trate de uma construção de marquetagem...mas pra arrematar o argumento, o autor nos dá a origem da utilização do termo golpe no caso nacional: Paulo Henrique Amorim.


"O rumor do 'golpismo' provém da expressão 'Partido da Imprensa Golpista' (PIG), um vitupério cunhado em 2008 para se denegrir as grandes redes de mídia, das quais foram demitidos alguns jornalistas, desde então, e repentinamente, empenhados em interpretar seus afastamentos como autênticas perseguições ideológicas."

Certo...foi porque PHA criou este vitupério (quer dizer insulto, eu olhei) à grande mídia brasileira, que os néscios da esquerda toda - incluindo Chomsky e Zizek, unidos num só coração - chamam a coisa de golpe. Honestamente, no momento atual não tenho um pingo de paciência pra essa intelectualidade cínica e vaidosa de setores da intelligentsia da esquerda. Serve pra bosta nenhuma.Quem se dispuser a ler o texto me diga depois em qual tipo de discurso reside a exclusividade da retórica política. Enquanto se discute se é permitido chamar a coisa de golpe ou não (como se qualquer coisa dependesse de suas iluminadas cabeças), o golpe é consumado.

Parabéns pelo vocabulário e pela inutilidade.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Cadernos Paternos II: Anatomia


Lembro de um livro de uma tal velha COLEÇÃO PRISMA sobre corpo humano, que mostrava o crescimento deste e como as proporções corporais variavam muito. Nesse livro e na maioria das imagens que vi, o foco recai sobre a cabeça: sua proporção em relação ao total do corpo é o que mais drasticamente se transforma. No livro velho e vários outros lugares, eles tinham uma forma meio grotesca de mostrar que que a relação cabeça/corpo de um nenê é muitíssimo maior que a mesma relação em um adulto: desenhar um fetão gigante.

(o desenho do livro que vi era ainda mais feito que esse!)

Forma-se nessas imagens um lugar comum de que a cabeça seria aquilo que tem o tamanho "inicial" (recém-nascido) mais parecido com o 'final' (adulto).

De fato, somos seres que nascem cabeçudos. É fácil verificar isso de forma pungente, por exemplo, vendo que o braço de meu filho recém-nascido esticado ao máximo para cima quase não ultrapassava a altura de sua massiva cabeça (tenho fotos para provar).

(Aliás, fiquei uns meses encanado sobre se meu filho não tinha algum problema. Pesquisei na web sobre hidrocefalia e etc. Não havia nada, apenas mais um braquicéfalo arruivado como o pai, e só.)

Há mais do que isso: no lugar-comum científico, nosso cabeção é simbolicamente importante. Somos homo sapiens, somos pensantes, temos o cérebro mais foderoso da natureza conhecida e etc. etc.

Mas então comprova-se? A cabeça é o que menos cresce, o que proporcionalmente já nasce mais próximo do tamanho final?
Bom, ser pai de um menino me mostrou que não. Nenhum livro me preparou, por exemplo, para o tamanho do SACO ESCROTAL de um bebê de poucos meses. Juro: tem horas que parecia não ser muito menor que o de um adulto.
(há uma breve menção a esse fato em 'O Pêndulo de Foucault', do Umberto Eco, com fim narrativo meramente meigo/cômico)

Mas, sim, crianças: embora só vá funcionar de verdade vários anos depois, em termos de tamanho o SACO parece ser a parte do corpo humano (masculino) que mais nasce tal como fica.

Somos bichos escrotos.

(ao menos nós, homens)

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Cadernos Paternos I: fascínio / responsa

Sempre tive certa fascinação por crianças pequenas. Fascinação, alguma paciência (nada de mais), alguma pouca boa vontade e certa curiosidade.
Mas ter um filho obviamente te deixa mais consciente e mais fascinado, tanto por ele quanto por outros em geral.
(Ou não; vou falar só por mim aqui.)

Quando começamos a falar do quão fascinantes são as miudezas dos filhos, alguns podem pensar: "bem, é teu filho, tudo que vir a fazer parecer-te-á lindo."
É um argumento razoável, mas eu gostaria de propor uma opção contrária: ter um filho meu é que é a única e intransferível chance de realmente prestar atenção em um bebê, em uma criança pequena; de presenciar de fato a absurda, visceral e banal maravilha de seu desenvolvimento, com um olhar que não é o do mero diletantismo, que não é o olhar daquele interesse sincero, simpático mas diáfano que devotamos àquilo que não é de nossa responsabilidade.

Quando eu falo re RESPONSABILIDADE, por sua vez, há que se ter em vista que há vários tipos. Pode-se falar, de início, daquela compartilhada com os seres humanos em geral: a responsabilidade para com aquilo que amamos. Em seguida, há aquela compartilhada por todos os "criadores", adotivos ou sanguíneos, da mesma espécie ou interespécies (ou interreinos, se contarmos os cuidadores de plantas), que é a responsabilidade para com as coisas que dependem de nós para viver e se desenvolver. E, por último, há aquela responsabilidade agravante, mais filosófica e narcísica talvez, que se cumula sobre as outras e que é exclusiva dos pais genitores, e que todo amor dos pais adotivos (que são muitas vezes os único dignos do título) não pode adquirir: a responsabilidade de algo que só EXISTE por sua causa. Mais do que apenas afetado por você (como ele é ao ser educado), seu filho genético é literalmente um EFEITO seu. Não sei se o termo "responsabilidade" dá conta do que está envolvido aqui.

domingo, 24 de julho de 2016

Maleducado

Algumas considerações rápidas, irrefletidas e inconclusivas.
I.

1. Mais do que um conjunto de instituições e práticas, a Educação é um pacto social.

2. Os termos desse pacto têm estado em disputa e transformação desde que o pacto foi configurado -- ou seja, desde o estabelecimento do que chamamos de era moderna (que também estipulou, entre outras coisas, a idéia de "infância" e a idéia absolutamente revolucionária de igualdade, liberdade e direitos universais dos seres humanos)

3. Esses termos -- e talvez o próprio pacto -- encontram-se em profunda crise de paradigma no mundo contemporâneo.

4. Aqui na Terra Papagali esse problema geral é muito agravado, pois esse pacto (entre outros pactos da modernidade) nunca foi implementado a contento -- by coincidence or by design.

II.

Em 1979, ainda no rescaldo da revolta sessentista contra o que Michel Foucault chamava de "sociedade disciplinar", Roger Waters escreveu para o álbum 'Pink Floyd: The Wall' uma música tematizando a revolta infanto-juvenil que nutriu o Rock, dizendo "We don't need no Education" (já brandindo irônica e desafiadoramente um duplo negativo, gramaticalmente errado, na cara do opressivo sistema educacional inglês do pós-guerra).
O tempo passou, e Waters veria que quisera matar amanhã o velhote inimigo que morrera ontem. Ao fazer o show comemorativo de trinta anos de The Wall no Brasil, ele cantou "All we need is education". Pois é: diante do perigo da absoluta anomia e do processamento mercantil infrassubjetivo de nossa sociedade, nossos brados tornaram-se mais conservadores: à luz pós-moderna do que Foucault chamaria de "sociedade de controle", a "sociedade disciplinar" da modernidade revela ter ainda algumas lições preciosas.

Qual educação, contudo?




III.

Sempre me incomodou o truísmo "mais escolas, menos presídios". Como se a educação fosse cura automática para a criminalidade. Me incomoda não exatamente por ser mentiroso; mas porque, colocado assim, dado de barato, é algo simplificador e, assim, frágil e falacioso.
Ficando no nível das simplificações, é fácil de contrargumentar de forma igualmente falaciosa que a correlação é falsa porque, mesmo com todas as suas deficiências, o ensino nunca foi tão universalizado no país; e, ainda assim, a violência e criminalidade entre jovens permanecem chocantes e galopantes.

Não vou me alongar na disputa de falácias. É óbvio que há correlações macro-sociais entre quantidade/qualidade da instrução e os níveis de criminalidade. E é óbvio que essa correlação é muito mais complexa, sutil e dependente de uma miríade de outros fatores sociais. Mais escolas, por si só, não são menos presídios. Infelizmente.
Porque, novamente: de qual educação estamos falando mesmo?




Educação cada um na sua baia, educação para a corrida de cavalo em que somos montaria e o dinheiro e lucro da aposta é de outros? "Educação para a morte", ou melhor, para conseguir mais dim-dim e comprar coisinhas como a big fucking telly e viver feliz e ungido na sala de jantar esperando o dia de morrer?
Educação para elite, educação para o sou-melhor-que-o-resto, para o smartass contest, para o autoinvestimento narcisista seja do intelecto ou do "sucesso"?

O mecanismo de reprodução de uma sociedade doentia e autofágica é ele em si doentio e autofágico?

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Brazil, 2016*

Beati futuri, futura possibilia,
(futuro feliz, futuro possível)

Regozijai-vos, povo da Vera Cruz, pois tempos auspiciosos se anunciam!

Com a derrocada do perverso regime comunista que ameaçava os bons costumes em nossa pátria amada, podemos dormir tranquilos sabendo que o futuro será deveras alvissareiro.  As primícias são animadoras: estamos a excisar tudo aquilo que é supérfluo, frívolo e dispensável no nosso novo governo.  Começamos por eliminar um tal Ministério da Cultura, que dentre outras cousas, ocupava-se de regar, com os parcos recursos públicos, abonados artistas.  Ora, nos bons tempos de outrora a pouquidade de normas que incentivavam a execução das artes jamais impediu o surgimento de baluartes culturais: cito Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim e Vinícius de Moraes.  Todos homens do povo, e com vantagens: do melhor que existe do povo. Não precisamos de samba nos morros, mas de gente nos campos e fábricas, construindo e alimentando o nosso povo. A retomada do progresso (sempre de forma ordeira, conforme preconiza o lábaro pátrio) não permite adornos e excessos.

Universidade é outro luxo no qual não devemos mais desperdiçar nossos mui-custosos recursos - até porque estes deverão ser sumariamente privatizados, passando às mãos de probos e valorosos homens de negócios, que saberão explorá-los de forma mais cosentânea, abatendo as sobras indesejáveis de nosso Estado.  A academia foi uma idéia (com acento, como é o certo) deveras interessante.  Bom enquanto durou, mas certamente é uma história de fracasso.  Aqueles que educamos para liderar os rumos da terra-mãe infelizmente sucumbiram, ufanosos e iludidos, aos desvarios marxistas.  Pergunto: que vantagens nos trouxe a tal academia?  Apenas conflitos, nossa gente partida ao meio em dúvidas que lhes foram imputadas por esse povaréu que não entendeu muito bem o que é certo.

Não negamos que o conhecimento oportunize o florescimento de uma nação melhor, mas deixemos isso para aqueles que entendem do assunto: os estadunidenses e cidadãos do velho continente fizeram suas universidades com perícia. Aqueles que quiserem poderão - e serão incentivados - a estudar no estrangeiro, pagando com seus próprios recursos, por óbvio. E não me digam que isso restringirá a educação aos filhos dos abastados.  A riqueza é o prêmio de quem trabalha, vivemos, doravante, o regime do mérito.  Eu mesmo conheço dois rapazotes crioulos, que após adotados por adoráveis amigos foram capazes de atingir empregos admiráveis: médico e administrador no hospital dos pais. Bonito de se ver.



Devemos desfazer confusão que vem sendo propalada por aqueles que buscam a reconstrução do regime rubro: não é verdade, em absoluto, que a mulher não é valorizada em nosso novo Brazil. Pelo contrário, não acreditamos, por um instante sequer, que homens e mulheres sejam iguais. Não é possível, senhores, que caiamos nesse discurso fácil de lésbicas e feministas mal-amadas de que não existem diferenças de gênero - pelo contrário, existem e exigem que tratemos os diferentes, de forma diferente. Está muito claro que nos últimos tempos, muitas damas tem estado aflitas, preocupadas. A razão disso, amigos, é a inadequação do nosso contra-gênero para absorver de forma adequada, os enigmas das conversas políticas.

Mulheres laborando fora do lar foi outra experiência bem intencionada que fracassou.  A tentativa foi pertinente, curiosa, mas não podemos mais arcar com as consequências. Conforme explanamos, a intelectualidade não apraz às mulheres.  É importante que as famílias as eduquem, desde pequeninas, para agradar aos seus maridos - não sem serem recompensadas pelos cônjuges varões: flores e chocolates são sempre excelentes presentes. E às que não se casarem, há sempre a serventia necessária para tratar de seus idosos.  Não queremos dizer que as atividades profissionais estão fora de alcance, de forma alguma, apenas que há atividades adequadas para mulheres de uma sociedade digna: professora de piano é, há séculos, profissão digna que pode muito bem ser exercida por nossas amáveis mulheres, ao menos para aqueles alunos sem maiores pretensões na música.  Lembrem-se também  que uma bela mulher ao piano anima qualquer festejo.

Haverão querelas, estamos certos, mas também sabemos que Ciência e Filosofia são efêmeras nas mentes preguiçosas. Pouco tempo de afazeres domésticos, novelas e revistas femininas deverão dar cabo de eliminar as preocupações tão comuns nos dias de hoje. Há ainda mais motivo para júbilo: com os modernos aparelhos inventados pelos homens, as tarefas do lar estão cada vez mais fáceis, de forma que haverá muito tempo livre para se dedicar a atividades como o tricô, bordado ou conversar com as amigas através do muro ou mesmo por video-chamadas! Beati futuri!

Povo da Santa Cruz, verde-louros, súditos do grande pato! Alegrai-vos, pois o futuro é premente! Construiremos uma nova nação, em nome dos pais e das mães, dos filhos e das filhas, da tradição e da propriedade, em nome de Deus.

Tempos auspiciosos se anunciam!


M.



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*com agradecimentos às amigas Grace e Juliana, pela inspiração.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Cunha afastado

O afastamento de Cunha é motivo de alegria, sim. Apesar da descrença geral por parte da esquerda, eu sempre achei que Cunha não se sustentaria. Os poderes que controlam o processo do impeachment não são exclusivamente políticos, mas de "poder puro": tratam-se de forças que emanam do poder econômico, midiático.

A grande mídia, a partir de um certo ponto, já não poupava Cunha, pelo contrário: sua presença era incômoda, porque, de certa forma, confere ao processo a sua aparência real, ou seja, de ilegitimidade.

Cunha deixou de ser relevante assim que deixou de controlar o processo. Neste sentido, a decisão de Teori é boa, vai além do que se imaginava, em princípio (afastamento da presidência da Câmara, apenas), mas veio tarde. Cunha conseguiu conduzir tudo o processo do impeachment sem ser incomodado. Resta saber se o plenário do STF confirmará a decisão - acredito que sim.

Enfim, de alguma maneira, o afastamento de Cunha "justifica" o impeachment de Dilma. Será lido, pela direita, como uma vitória sua, como se de fato conseguíssemos extirpar todos os que delinquiram - mega power trip.

Cunha simplesmente perdeu relevância. Outros perderão em seguida: Moro tá pra sair de cena, aguardando somente a decisão sobre Lula. Depois disso, aí sim, a coisa estará completa e podemos esquecer lava-jato ou qualquer investigação que possa prejudicar o núcleo duro da corrupção brasileira (exceto PT). Sobrarão migalhas, peixes pequenos que virão de vez em quando, pra lembrar à família brasileira que "somos um país sério".

De qualquer forma, a sensação de ver Cunha afastado é aquela de ter cagado algo que nos fazia muito mal.

domingo, 1 de maio de 2016

Serra no Itamaraty

José Serra (cliquem aqui para biografia ilustrada, vale a pena) é o nome mais cotado para exercer o cargo de ministro das relações internacionais. Acho estranho, afinal, o ex-governador de São Paulo é considerado um economista medíocre, o que não lhe confere nenhuma qualificação para atuação na área da diplomacia per se.

       Serra reagindo à luz.

Fico aqui pensando no significado político dessa nomeação: o objetivo é acomodar o PSDB, além de uma série de outros partidos que deram sustentação ao golpe da dupla Temer/Cunha.  Abrir mão de um diplomata de carreira para alojar um político também revela que ou Temer não está muito preocupado com os rumos das relações internacionais do país, ou que a função de negociação com o exterior cabe mesmo a um representante do mercado, e não a alguém que represente, de fato, o Estado brasileiro.  Serra cabe bem no último papel.  A renegociação da partilha do pré-sal evidencia o que Serra já disse antes, em telegrama revelado pelo Wikileaks:

"Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava... E nós mudaremos de volta"

É sabido que o modelo que obriga a Petrobrás se mostrou complicado para a empresa, uma vez que a mesma não tinha capacidade de investimento para explorar em todas as áreas - o golpe fatal sendo a queda do preço do petróleo, que agora se encontra abaixo do custo de exploração do pré-sal.  O valor da empresa caiu de US$380 bilhões em 2010 para 149 bilhões no dia 26/04/2016. No entanto, é importante lembrar que em 2002 a empresa se encontrava estagnada, com valor de mercado de US$15,8 bilhões (9,4 vezes menor que o nível atual).  Enfim, vamos ver qual será o efeito Serra.

Voltando à diplomacia, algumas curiosidades: sabem qual foi a última vez que o chanceler brasileiro não era um diplomata de carreira?

Celso Lafer, no governo FHC, que ocupou o cargo por 702 dias, entre 29/01/2001 a 01/014/2003.

Aliás, da redemocratização até o fim do governo FHC, tivemos 7 ministros (sem contar dois interinos, que somados, ocuparam o cargo por 78 dias), . Sabem quantos desses eram diplomatas?

Dois: Luiz Felipe Lampreia (FHC) e Celso Amorim (Itamar).

De 15/03/1985 a 20/5/1993 não passou um único diplomata pela chefia do Itamaraty, ou seja, todo o período Sarney e Collor, embora tenhamos tido até banqueiro (Olavo Setúbal).

Itamar ocupou a presidência por 821 dias na presidência, dos quais em 591 (71,9%) tivemos um diplomata como chanceler.

O governo FHC começa com um diplomata de carreira no Itamaraty, Luiz Felipe Lampreia, que ocupou o cargo por 2.203 dias, seguido por um interino, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, também diplomata, o que totaliza 75,9% dos 2.922 dias de FHC no poder.

Pra finalizar: sabem qual foi a última vez que o chanceler brasileiro foi um político de carreira?

Fernando Henrique Cardoso, no governo Itamar.

Será que Serra pensou nisso?


sexta-feira, 29 de abril de 2016

Medo das pessoas

Entreouvido hoje no supermercado: dois funcionários conversando bem-humoradamente enquanto arrumavam os produtos na gôndola de condimentos.

Mulher: … é, mas não importa o quanto errado nossos pais estejam, a gente tem que relevar. Afinal, mãe é mãe, né…

Homem: é, nem me fala. Seus pais batiam em você?

Mulher, Rindo leve e falando casualmente: Nossa. Quando eu era criança a gente as vezes até tentava chamar a polícia, sabe? Nossa mãe era só pancada…

Homem:  Minha mãe prendia eu e meus irmãos nas pernas assim (mostra), e aí era só cascudo… porrada. Aí, depois ainda tinha o castigo.

Ela, ainda em tom leve: uma vez minha mãe ficou batendo a cabeça de minha irmã na parede. Pegou assim e pá pá, só no barulho. E eu chorando, gritando pára, pára. 
(Pausa.)
Acho que é por causa disso que até hoje eu nunca quis ter filho.
 Sei lá, tenho medo. Medo das pessoas.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O palhaço triste

Hoje tem palhaçada?
Tem sim senhor!
Hoje tem marmelada?
Tem sim senhor!
E o Tiririca o que é que é?

É um pobre coitado que, ao perceber que o "sim" ganharia, resolveu inverter o seu voto momentos depois de garantir apoio ao governo.  Um sujeito tão sem noção que aparentemente acredita que seus milhões de votos são oriundos de um eleitorado que acompanha e se preocupa com as suas posições, e não votos de protesto. Um deputado que apesar de ter conquistado uma votação altíssima, caiu de 1.348.295 de votos em 2010 para 1.016.796 em 2014, e que tendo mudado de posição não terá a confiança de nenhum dos lados do espectro político.  Um deputado que, a despeito de ter chegado ao Congresso como piada, amealhou algum respeito por sua atividade parlamentar: assiduidade de 100% e apresentação de diversos projetos de lei relacionados à cultura e à atividade circense; em quem, portanto, os profissionais do circo depositavam alguma esperança de representação.  Estes profissionais reagiram ao voto do deputado, o que os levou a apresentar o seguinte manifesto:

"Ao Excelentíssimo Senhor Tiririca Deputado Federal

Senhor Deputado,

Nós, palhaças e palhaços profissionais, brasileiros e estrangeiros engajados na defesa da democracia do Brasil, manifestamos nossa mais completa insatisfação e repúdio em relação à postura e ao voto de V.Exa na votação do processo de impeachment do último domingo, 17 de abril de 2016.

Como o senhor bem sabe, nossa profissão se baseia, acima de tudo, na verdade e na honra com a qual o artista se dirige a seu público.

O que certamente nos diferencia do senhor, na atual situação de nosso país, é a coragem ética com a qual nós, ao contrário de V.Exa, lutamos pela consolidação da, ainda frágil, democracia brasileira.
Sabemos perfeitamente que, em nosso sistema constitucional, não se pode derrubar um governo simplesmente porque não se concorda com sua política. É preciso que se prove a existência de crime de responsabilidade. E tal noção de crime, forjada do dia para noite, em uma Câmara cujo presidente é investigado na operação Lava Jato, arranha consideravelmente a legitimidade de um processo que se pretende honesto. 

V.Exa não quer, ou não tem interesse em observar esses fatos com isenção, honra e justiça. Daí nossa brutal e essencial diferença.

Portanto, deputado Tiririca, trocando em miúdos: no último domingo, lamentavelmente, o senhor não representou os palhaços e palhaças profissionais, envergonhando aqueles que buscam honrar o seu ofício de levar alegria ao povo brasileiro."

Segue a assinatura de um grande número de profissionais circenses, conforme pode-se ver na carta original.



É um pouco demais a esquerda responsabilizar Tiririca por sua desgraça.  O palhaço não é causa, mas efeito de um sistema político em ponto de ruptura e do analfabetismo político da população.  Não me sinto confortável em tripudiar sobre uma pessoa tão simples quanto este deputado.  Mas é importante lembrar que não é necessário qualquer nível de educação formal para saber que não se quebra palavra acordada, goste-se ou não de Lula ou de Dilma.  Aqueles que convenceram Tiririca a mudar de voto e celebraram o voto do palhaço certamente não têm por ele um pingo de respeito.  Aliás, só quem poderia dedicar algum respeito a um homem sem instrução, suspeito de analfabetismo após sua primeira eleição, de origem humilde e palhaço profissional seriam justamente aqueles que Tiririca traiu ao mudar seu voto em função da ocasião: a população humilde, palhaços e profissionais do circo.  Uma pena.


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Drops de sabedoria





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quinta-feira, 21 de abril de 2016

Ano X - Wilbor, o Tiradentes Zumbi

Wilbor se Revolta completou dez anos. Pra ser mais preciso, isso ocorreu no dia 16 de setembro.  Os poucos que acompanham as revoltas wilborianas sabem que elas sempre foram esporádicas, mas que, de uns tempos pra cá, estão mais pra espasmos eventuais de um blog outrora vibrante.

O Gabriel já analisou, em dois excelentes posts (aqui e aqui), os motivos para o declínio da produção do blog.  Sugiro fortemente a leitura pois, mais que uma autoanálise, que foi o mote principal das comemorações de cinco anos (aquiaqui), trata-se de um belo ensaio sobre a evolução da relação da sociedade com a internet e de como as redes sociais, especialmente o facebook, se tornou a própria internet.  Abusando um pouco da autopropaganda, que é um dos motivos por aqui, sugiro para os novos leitores a leitura daqueles posts.

Nos textos mencionados já há uma reflexão divertida sobre o número dez, a importância de se comemorar um decênio, a relação com o nosso número de dedos, de modo que não resta muito a dizer a respeito do tema.  Colecionarei ideias para 2017, quando prometo tratar, com alguma profundidade sobre as propriedades místicas e semióticas da dúzia.

De qualquer forma e sabendo que apesar da forte recomendação pouca gente se dá ao trabalho de ler "textões" citados dentro de textões, cito um trecho (rá!):

"Logo de início, toda a trivia de comentários e compartilhamento de coisas bacanas que costumávamos fazer pelo Wilbor passou rapidamente para o Face. E com razão: ele se presta ao compartilhamento coletivo de forma incomparavelmente mais eficiente. Ninguém precisa vir ao nosso cafofo buscar nossas sugestões de link, elas são oferecidas pelo feed. Os posts do blog ficaram definitivamente reservados para colocações mais autorais e assuntos mais longos e desenvolvidos -- aquilo que hoje se chama de "textão". Ou seja: coisas para as quais, coincidentemente, tanto eu quanto Marcelo passamos a ter cada vez menos tempo, ambos embrenhados em nossas respectivas carreiras e vidas pessoais.

(...)
Porém, a absorção e a sedução das redes vai mais longe: mais que um espaço de coisas mais rápidas, o Facebook é um espaço de contato público que o blog nunca pôde ser. É um meio muito mais eficiente em "espalhar a palavra".  Nossas reflexões nunca foram tão lidas quando ficávamos só no Wilbor. Como consequência, o face passou gradualmente a ser nossa plataforma primária de produção. Muitos posts do Wilbor dos últimos tempos foram originados como desenvolvimentos posteriores de posts do face. E, obviamente, tudo o que colocamos no blog é obrigatoriamente anunciado em nossas respectivas timelines.

Esse processo não foi uma exceção isolada: nesse últimos anos, ficou visível que cada vez mais blogueiros montaram no Face sua base de operações, lateralizando (ou mesmo quase abandonando) seus blogs. E porque não? O tipo de visibilidade imediata e velocidade de resposta que ele garante é impressionante.
O problema, porém, é que um "blog" é nosso de uma maneira que nossa timeline do Facebook nunca foi ou será."

Não tenho reparos a fazer à discussão, até porque o tema já foi pauta de inúmeras discussões que tivemos ao longo dos últimos cinco anos.  Conforme apontado pelo Gabriel, apesar de termos atingido um ápice de produção em 2007, é exatamente a partir de 2011 que a produção do blog cai vertiginosamente. Apesar disso, solicitamos ao Datafolha um gráfico e percebemos que, apesar da queda na produção, houve, à exemplo do crescimento de Marina Silva nas últimas pesquisas eleitorais, um crescimento subjetivo.


Há, claro, uma coincidência com uma utilização mais pesada do facebook.  No primeiro quadrimestre deste ano produzimos 13 postagens.  É um aumento discreto, impulsionado pelo momento político.  Aliás, a atual crise de tudo faz com que o Wilbor pareça um blog de política.  Não é, embora o tema tenha sempre estado em pauta em função do interesse pessoal que ambos temos.  Tratamos com alguma frequência de ciência, literatura, quadrinhos e humor - produzindo-o ou discutindo-o.

Não faremos qualquer promessa de incremento, mas no entanto, temos uma novidade: articulando esse post com os textos do Gabriel, surgiu a ideia em adotar a mesma estratégia de muitos outros blogs amadores: deixaremos de divulgar as postagens apenas nas nossas timelines que, ao contrário do blog, são restritas aos amigos, e passaremos agora a divulgar os posts na página oficial de Wilbor se Revolta no facebook.

Há algum tempo as discussões dos posts (que nunca foram lá tão frequentes) passou a ser feita nas nossas timelines.  O problema é que, ao contrário do que ocorre no blog, as postagens se perdem no facebook, sendo-nos apresentadas uma vez por ano, no aniversário do evento de publicação.  Tendo a página, é possível resgatar as postagens com mais facilidade.  A exemplo do que eu já faço sempre que me lembro, adicionaremos, a cada postagem, o endereço para o post na página do facebook, de forma  a centralizar a discussão.

Enfim, eis a novidade.  Nada mais adequado que fazer o lançamento num feriado de Tiradentes: um blog que foi traído pela internet, enforcado pelo facebook e voltou pra contar a história.  Uma espécie de Tiradentes zumbi.  Subscrevo ao compromisso já assumido pelo meu co-blogger: apesar de não haver qualquer demanda social para sua continuidade, Wilbor não morrerá (ao menos enquanto vivermos).  A gente gosta dele.  Eu sinceramente espero que essa estratégia de centralizar as operações de divulgação no facebook nos dê mais gás para dar uma animada no bichinho.  Se não der, paciência, a gente continua tentando.

É isso.  Ainda não completamos 11 anos, de forma que o meu post comemorativo está em dia.  Parabéns pra nós e vida longa ao Wilbor.  Continuaremos sendo um blog belo, recatado e do lar, aclamados pela autocrítica, produzindo aquele humor obscuro que vocês tanto não entendem.

Abraços!

Pra quem passou despercebido pelo link, aqui está o endereço no facebook.  Curtam, compartilhem, convidem o amigos, mostrem pras vovós!!


www.facebook.com/wilborserevolta/


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Folha de S. Paulo: contraeditorial (21/04/2016)

Lamentável o editorial de hoje da Folha de São Paulo, "Golpe na ONU".

Há algum tempo o conselho editorial do diário paulista vem adotando uma linha ameaçadora à Dilma em seus editoriais: "se não fizer isso", "se não fizer aquilo".  Em linha com a contraofensiva lançada por Michel Temer para evitar danos à sua imagem junto à comunidade internacional, que discuti aqui, o artigo dá mais um ultimato à Dilma:

"Se não voltar atrás em mais uma atitude mal concebida na solidão do Planalto, a presidente Dilma Rousseff (PT) embarcará para Nova York com uma péssima ideia na bagagem: denunciar na ONU o suposto golpe de Estado representado pelo processo de impeachment"

Colocada na complicada situação de justificar o injustificável, a Folha classifica como "esdrúxula" a convicção de que a imprensa internacional estaria alinhada à ideia de golpe, alegando que "há de tudo entre os comentários publicados sobre o impedimento." É uma meia verdade.  Se é correta a alegação de que muitos veículos da imprensa internacional não chama o processo de "golpe" per se, é inescapável a percepção de que descrevem o impeachment pelo que é: um processo antidemocrático, no qual uma presidente sem acusações de crime é julgada por um circo comandado por um bandido, aliado a um vice-presidente conspirador que visa levar ao poder um grupamento político incapaz, há quatro eleições, de derrotar o petismo nas urnas.  Essa percepção, aliás, é o que justifica a preocupação de Temer e sua turma de conspiradores. Ademais, boa parte do que saiu publicado na imprensa internacional como artigos de opinião é redigido por brasileiros, muitas vezes, membros da mídia corporativa nacional.

Para a Folha, por outro lado, "não há reparos a fazer ao processo de impeachment, até aqui, do ponto de vista institucional".  Trata-se de colher o resultado argumentativo de uma verdade que a própria imprensa brasileira tentou plantar: a de que o processo é legítimo porque a figura do impeachment está na constituição.  Há alguns meses convivemos com uma enxurrada de textos e entrevistas que buscam dar suporte a esse argumento.  A pergunta, feita à exaustão era: "impeachment é inconstitucional?".  Tratei do assunto aqui.

Outro argumento compatível com a narrativa criada pela mídia nacional é a declaração do ministro Celso de Mello de que "é um grande equívoco reduzir-se o procedimento constitucional de impeachment à figura do golpe de Estado.". É sempre conveniente encontrar um posicionamento do STF que não seja de Gilmar Mendes.

Ainda na questão da legalidade, a Folha dá o veredito:

"Pode-se questionar, como fez esta Folha, se as chamadas pedaladas fiscais constituem motivo suficiente para o impeachment. Não se pode negar, entretanto, que a prática figura entre os crimes de responsabilidade descritos em lei, nem que os deputados detêm autorização constitucional para emitir juízo sobre o assunto. "

Reproduzo a perplexa resposta de Marco Aurélio Mello a Augusto Nunes, no Roda Viva: "Ora, pra que processo então?".  Não cabe à imprensa determinar o que é ou não é crime.  O mérito do processo ainda não foi julgado e, pessoalmente acredito que seja muito difícil, caso o STF decida julgar o mérito da questão, que se considere que as "pedaladas fiscais" constituem crime de responsabilidade.  Deixando isso de lado, trata-se de absoluta dissimulação do jornal afirmar que "a prática figura entre os crimes de responsabilidade descritos em lei", uma vez que a interpretação jamais foi neste sentido.  Quanto a autorização constitucional para emitir juízo, sim eles a tem.  Mas emitir juízo sobre o assunto foi a única coisa que não fizeram no domingo passado.

Vencida a argumentação legal, resta ao jornal apenas duas atitudes: desqualificar as posições das autoridades que se declararam contra o golpe, como "as manifestações impensadas dos secretários-gerais da OEA, Luis Almagro, e da Unasul, Ernesto Samper" e o apelo à imagem do Brasil.  Denunciar o golpe, "mesmo se estivesse certa, ainda seria um ato irresponsável", pois "toca a quem a ocupa zelar por seu bom conceito aqui e alhures, e não solapá-lo", equivale, como argumentei ontem, a dizer: "olha, mesmo que a gente tenha feito merda, não saia por aí contando porque pega mal".  Vou repetir sumariamente, porque já me referi a isso, mas o que pega mal mesmo, na comunidade internacional é o baixo nível do nosso congresso, uma conspiração armada por um vice-presidente, um corrupto comandando um processo que, pra dizer o mínimo, é antidemocrático.  Atacar a democracia pega mal.

No final do editorial a Folha parece estar tentando bater algum tipo de recorde de dissimulação.  Primeiro por adiantar que "espernear não vai resolver nada", porque eles já sabem o que vai acontecer: "decerto tomarão como insólita (se não oportunista) a tática de instrumentalizar uma reunião sobre mudança do clima para fazer propaganda dirigida ao público brasileiro e, pior, em causa própria, não no interesse nacional". Mas por último, e mais grave: a Folha apela a FHC e a Lula:

"Com o mau passo, Dilma Rousseff apenas abalará mais um pouco, em seu desleixo diplomático, a imagem do Brasil como democracia funcional e estável, reconstruída a duras penas por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT)."

É de lascar, né? Resumo da ópera: desde que a Folha decidiu escrever exclusivamente para o público conservador, passou a se comportar de forma vil.  Apela não para o bom senso, mas para a burrice do leitor.  Neste editorial dá uma lição do que o jornalismo não deve fazer: desinforma, pratica o proselitismo, ameaça e vaticina. Ameaçar e declarar que aqueles que se sentem injustiçados não devem procurar apoio onde julgam poder encontrar bom senso não pode ser descrito em outros termos que não terrorismo jornalístico.


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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Censura

Não há mais limites para a surreal oposição brasileira. O último movimento consiste em tentar impedir que a Dilma fale na ONU. Aloysio Nunes, o candidato à vice-presidência na chapa de Aécio, declarou o seguinte:


Ora...quem foi que transformou o Congresso num circo em que palhaços corruptos comandados por um gangster julgaram uma presidente sem qualquer acusação diante dos olhos do mundo inteiro?

Quem é que está levando às últimas consequências um pedido de impeachment que a imprensa internacional reconhece como ilegítimo pela ausência de crime?

Quem é que está viajando aos EUA a mando de um vice-presidente conspirador, flagrado com um inédito sorriso de orelha a orelha ao assistir a palhaçada que hipnotizou o país no último 17 de abril, para convencer o mundo de que "o golpe não é golpe"?

Um vice-presidente sorri ao assistir o resultado da conspiração que o levou à quase-presidente
 Essa foto certamente entrará para a galeria das imagens mais escrotas da história do Brasil.



Esse receio em relação à própria imagem (porque, como vimos na câmara, esse povo tá cagando pra imagem do país) é equivalente a um marido que, após espancar a mulher, fica com medo que ela relate o acontecido à imprensa, porque pega mal ficar conhecido como "aquele cara que bate na mulher". 

Temer, é LÓGICO que pega suuuuper mal a imagem de golpista, de um vice que conspira contra a presidente.  Deixo a dica: evita-se esse tipo de coisa respeitando o estado Democrático de Direito, é simples.

Agora, como eu já disse antes, a estratégia de impedir a presidente de viajar à Nova York e denunciar, na ONU, aquilo que toda a imprensa internacional já entendeu é enfiar as patas traseiras pelas dianteiras.  Pra quem não quer parecer golpista, censurar a fala da presidente no órgão máximo da política internacional é o ápice da burrice.





É só.


terça-feira, 19 de abril de 2016

Um novo tempo



Coxinhas, vocês tinham razão!!

O país tá bem melhor. Na manhã seguinte ao impítiman, o Ibirapuera estava assim. Obrigado pela lucidez, agora a gente tira o Temer, o Cunha, o Renan, os 16 governadores e milhares de prefeitos que pedalaram, os 300 e tantos parlamentares com pendências jurídicas e consegue um pedido de desculpas do Bolsonaro, né?

Me avisem quando.

Contradições de Chico


Depois de mais de um ano esperando uma resposta do Vaticano, a França desiste da indicação de seu embaixador para o país.  O motivo: descobriu-se que Laurent Stefanini é gay.



Pelo que me consta, a função do embaixador é de ordem estritamente diplomática, e não de tentar se casar com algum cardeal - para frustração de alguns destes.

A postura do Vaticano é aparentemente contraditória com as declarações do papa sobre o acolhimento "destas pessoas" pela igreja

"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?"

Repito o que venho dizendo há algum tempo: nenhuma das posições aparentemente progressistas do papa se converteu em declaração oficial, da espécie considerada  intrinsecamente verdadeira em função da tal infalibilidade papal. Isso só ocorre quando o papa fala "ex cathedra": numa encíclica, por exemplo. Talvez seja necessário papel especial e uma caneta com tinta do Espírito Santo, vai saber.
De qualquer forma, a postura do Vaticano frente ao diplomata gay vai de encontro com o posicionamento do então cardeal Mário Sérgio Bergoglio, que em 2010 escreveu o seguinte sobre o projeto de casamento gay na Argentina:

"O povo argentino deverá confrontar, nas próximas semanas, uma situação cujo resultado poderá ferir gravemente a família. Trata-se do projeto de lei sobre o matrimônio de pessoas do mesmo sexo.
Estão em jogo aqui a identidade e a sobrevivência da família: pai, mãe e filhos. Está em jogo a vida de tantas crianças que serão discriminadas de antecipadamente, privando-se do amadurecimento humano que Deus quis que fosse com um pai e uma mãe. Está em jogo a rejeição direta à lei de Deus, gravada, ademais, nos nossos corações.

Recordo uma frase de Santa Teresinha quando fala sobre sua enfermidade de infância. Disse que a inveja do Demônio quis cobrar em sua família a entrada de sua irmã maior ao convento de Carmelo. Aqui também está a inveja do Demônio, através da qual entrou o pecado no mundo, que de modo arteiro pretende destruir a imagem de Deus: homem e mulher receber o mandato de crescer, multiplicar-se e dominar a terra. Não sejamos ingênuos: não se trata de uma simples luta política. É a pretensão destrutiva ao plano de Deus. Não se trata de um mero projeto legislativo (este é meramente o instrumento), mas de uma 'movida' do pai da mentira que pretende confundir e enganar os filhos de Deus."

A carta original está aqui, em espanhol.
O que é mais provável, pergunto: que entre 2010 e 2013 o papa tenha tido uma epifania e finalmente, revertido sua posição ou que o Vaticano tenha uma preocupação com sua imagem e perda de fiéis?
Nada mudou. Papa e Vaticano continuam contra o casamento gay, o uso de preservativos e sem tomar uma atitude concreta e de escala compatível com os escândalos de pedofilia que atingem sua igreja.
Pra ser justo, algo mudou: o departamento de relações públicas.

Por fim: pra quem é católico e acredita em Deus tal qual colocado pela Igreja Católica, a minha "exigência" de que o papa fale utilizando seus poderes de infalibilidade não pode ser resolvida por vontade do papa Chico, uma vez que depende de vontade divina.  Neste caso, sinto dizer...a única forma de manter a coerência entre a doutrina católica e qualquer posicionamento progressista é acreditar que de fato Deus seja contra o casamento gay e assumir o pecado de concordar com uma posição herege do papa, já que homossexualidade é crime (bem como sexo com qualquer finalidade que não a reprodutiva ou fora do casamento).

domingo, 17 de abril de 2016

São Paulo, 17 de abril de 2016



Caros amigos,


Logo mais eu e muita gente iremos às ruas. Bicho racionalista/determinista que sou, não sei se com algum efeito prático, mas mesmo sem saber se nossa presença nas ruas pode ter algum efeito absolutamente positivo, acredito que pode haver um efeito relativo: o de que ruas vazias, por parte da esquerda possa, implicitamente, autorizar deputados que ainda não decidiram (ou não quiseram decidir) a votar a favor do golpe que se tenta neste momento.

A responsabilidade sobre a presença nas ruas é da esquerda.  A massa CBFista que certamente dividirá os espaços públicos conosco não se move naturalmente.  Por mais que não se sintam assim, essas pessoas estarão nas ruas como resultado da ininterrupta incitação e manipulação da grande mídia corporativa nacional, nas mãos de cinco famílias que na verdade são uma só.  Da mesma forma que a imprensa colocou Collor no Planalto para depois derrubá-lo, é provável que a multidão revoltosa seja apenas utilizada como cenário legitimador – até porque a partir daquele processo, é dever daqueles que pensam o país com responsabilidade histórica ao menos considerar que houve traços de ilegitimidade em 1992.  A diferença é que, ao contrário do que acontece agora. absolutamente ninguém se dispunha a defender o presidente “d´aquilo roxo”. Eis a dimensão política de um processo de impeachment.

Em 2010 Lula deixa o governo com 87% de aprovação.  Me pergunto: quantos dos que agora enxergam no PT uma filial do inferno estavam entre os 4% que, ao final daquele período consideravam o governo de Lula ruim ou péssimo?  Ali estava a semente do ódio que, adubada por parte da elite nacional com altas doses de chorume midiático floresceu nesta sufocante e opressiva massa verde-amarela.

Outro sentimento me move no dia de hoje: o medo grande de que, caso se confirme essa marcha da insensatez, venhamos a mergulhar num longo período negro da nossa história.  Alguns falam em 20 anos para voltar à normalidade.  Não há como saber: o governo golpista pode até ser transitório e cair em 2018, mas certamente quem luta de forma tão ardilosa para chegar ao poder não tem intenção de deixá-lo tão cedo.  Até porque a força motriz do golpe é a preservação de uma classe política que se vê ameaçada por seu próprio remédio: a lava jato começou a respingar em quem não devia.  É cedo para saber se haverá violência de fato: isso dependerá exclusivamente da capacidade de resistência dos democratas, já que sabemos o tom da resposta das polícias aos já marginalizados movimentos sociais no país.  Caindo o governo Dilma, estejam certos de que a criminalização da esquerda continuará com força total.  Eu penso que os donos (de fato) do poder avaliam que pegaram leve com Lula em 2002.  Não repetirão o erro.

O golpe que está em curso é mais sofisticado que aquele que vivemos em 1964: o Paraguai foi o laboratório desta nova modalidade na América do Sul.  No país vizinho, Fernando Lugo caiu em um processo que durou 48 horas; por essas paragens, o processo teve início em dezembro, mas vem sendo gestado há muito tempo, desde a derrota não admitida por Aécio, pra sermos específicos. De forma mais difusa, porém, desde que os setores interessados perceberam que poderiam aproveitar os protestos de 2013 para canalizar um sentimento contido de ódio de classe que eclode pelo menos 11 anos atrás, durante a campanha vencedora de Lula em 2002.  Há, até o presente momento, um esforço hercúleo em dar contornos de legalidade ao golpe.  Isso continuará. 

Por fim, um outro fator me fará deixar de acompanhar o circo de hoje de casa, com conforto, comida e cerveja, fazendo comentários nas redes sociais e montando planilhas: não conseguiria ficar em paz estando em casa.  De alguma forma me sinto moralmente obrigado a fazer volume no Anhangabaú.  Quero deixar claro que não imputo reprovação alguma àqueles que não poderão ou não querem ir...cada qual tem suas razões e não cabe a mim questioná-las.  Mas penso que se a votação de hoje estiver de fato perdida, será das ruas, os grandes palcos da democracia brasileira, que sairão os primeiros gritos de resistência.

Boa sorte a todos nós, forte abraço.



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