quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sobre adaptações

Acabei de ler "ensaio sobre a cegueira". Não vou discorrer sobre ele, vamos deixar só o econômico "excelente", e falar que é das coisas que fazem valer a pena falar essa língua bizarra que é o Português
(não queria estar na pele dos tradutores!)

A questão aqui é que minha grande motivação -- ou melhor, meu "toma vergonha na cara e lê logo" foi o filme. Ou, explicando melhor, foi ler o livro ANTES de ver o filme. Filmes são muito poderosos, contaminam a experiência de mídias mais esforçosas (ou "quentes", como diria McLuhan) como a escrita.

Mas, infelizmente -- ou felizmente, não o sei ainda -- vi o trailler.

Espero sinceramente que o filme seja muito melhor do que vi lá. Quando ouvi no trailer a frase "you can make a difference" tive vontade mandar todo mundo que fez o filme ir à porra do caralho da merda das putas que os pariram. Pra mim esse clichezão gringo não tem NADA a ver com o tom lusitano e saramaguiano do livro.

Pode bem ser culpa do trailler -- afinal, feito pra vender coisas aos americanos, e narciso acha chinfrim, esquisitão ou metido a besta o que não é espelho -- mas não sei mais se vou querer ver o filme.

Fico pensando há tempos: a melhor maneira de se falar sobre certas coisas é a escrita. Uma história sobre cegueira como o Ensaio ou sobre um psicopata que entende o mundo pelos cheiros, como é o excelente O Perfume de Patrick Süskind, TÊM NA ESCRITA A SUA MELHOR FORMA DE EXPRESSÃO. DE LONGE.

No caso daadaptação cinematográfica de O Perfume, feita uns anos atrás, o máximo que se consegue fazer é criar alguma impressão cinestésica através da imagem, o que pode ser muito interessante, mas ainda assim incomparavelmente incompleto. Sem falar que a imagem sempre se impõe soberana: não há quem possa com a imagem, e é por isso que com ela deve-se ter cuidado.

(com a vantagem que, em casos assim, no filme se gastam milhões de dólares para um produto que será no máximo "insuficiente". Em termos artísticos, oficórsi, bufunfa vem de montão.)

Como disse, ainda não assisti o Filme do "ensaio" (ou talvez seja melhor chamá-lo só "blindness") mas o trailler me deu impressão de que o que pode-se fazer é apenas representar uma hecatombe mundial. Ou, como já disse o Bruno no O putaqueopariu: fazer um filme de zumbi.

Se quando eu o assistir minha opinião (preconceituosa) mudar, eu escreverei dizendo.


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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Wagner e Beethoven

[elise1.jpg]
[elise2.jpg]


Encontrei o link para essa série no blog do Laerte. Agora taí no nosso linklist...
Pra mim foi de rir às raias da defecação.


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sábado, 25 de abril de 2009

Fazendo: Convite de casamento

Um grande amigo meu (o Bruno, do blog O Putaqueopariu) me convidou meses atrás para fazer o convite de casamento dele. Eu já tinha feito o meu, e tinha gostado disso (depois eu posto ele aqui.) O casamento é hoje (sou padrinho). Em "homenagem" à cerimônia, resolvi colocar aqui o processo de realização do convite...



1. aqui abaixo temos o primeiro esboço: uma tradução visual da idéia que Bruno me passou por escrito. Tudo esboçado diretamente no photoshop.




2. depois, decidi que ia desenhar os componentes à mão, e então digitalizá-los e ajeitar e montar tudo por computador (detalhe: como não tenho scanner, tive que fotografar tudo. Um saco). Desenhei a noiva e o buquê num papel, e as "encalhadas" em outro. Abaixo as versões em lápis:




3. Levando em conta que o convite final teria apenas algo como 8 x 20cm, percebi que tinha deixado detalhado demais (vício meu). Assim, resolvi imprimir os desenhos num tamanho menor, e desenhá-los a caneta num papel mantega, simplificando os traços. Aí as versões em tinta:




4. Com os desenhos em tinta, fiz uma primeira montagem do convite para ver o posicionamento dos elementos. Mas resolvi já colocar o fogo no buquê, para que o contraste da cor fosse visível.



Aqui o buquê pintado.

5. Resolvi dar algumas tonalidades ao desenho, para melhorar a visão do "nó das encalhadas" e ressaltar a brancura do vestido da noiva.


6. Havia alguns retoques a serem feitos:
- aguns traços estavam ainda muito grossos e me incomodavam.
- as tonalidades das "encalhadas" estavam pesadas demais, muito escuras, e tiravam o dinamismo e leveza da cena.
- o fogo estava muito tímido aind apara o que Bruno queria.

Aqui a versão final do desenho:





pessoalmente, gosto do "timing" da idéia do Bruno, que expressa tanto seqüência quanto simultaneidade...


7. Bruno se encarregou de colocar as letras, já tinha idéias a respeito. Nesse estágio, eu fiquei muito ocupado com um concurso e não acompanhei mais.



Só não gostei da última linha de palavras, mas acho que ficou bem batuta no final.


Pena que os incompententes da gráfica resolveram ser "cordiais" e, por conta própria e sem consultar os clientes, imprimiram os convites num papel "melhor" -- o papel Casca-de-ovo. Sendo um papel muito texturizado, acabou deixando as linhas delicadas falhadas. Paciência...

Vamos ver o casório hoje à noite!!


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quinta-feira, 23 de abril de 2009

participação e contemplação (round 1)

(este é um post beeem velho, que ficou por acabar e foi esquecido. Posto-lo agora, mesmo inacabado: antes aleijado e morto de pedrada que não-nascido e morto na gaveta)

Não sei se há alguém entre os parcos leitores deste dúbio blog que se interessam por questões de cruzamento entre estética, política e sociedade... mas, ainda assim, fica este ponto.

Para quem tem aquela bronca com Adorno e uma suposta "torre de marfim" da arte e da intelectualidade... o texto de Thaís Rivitti "ALIENAÇÃO, PÚBLICO E ARTE CONTEMPORÂNEA", na 2 edição da ótima revista Número.


O text0 é tão curto e esclarecedor que fico desconfiado. Adorno e Debord não são exatamente os mais fáceis e rápidos dos autores, sabe. E se houver uma baboseira, algum sofisma ou alguma grande redução que meu desconhecimentro teórico e repertório esburacado não me permitem detectar?

Se bem que o texto se constrói a partir de uma digestão prévia -- apontamentos de Alselm Jappe. Jappe, no muito pouco que lhe conheço, tem considerável poder de síntese. É dele a melhor expressão que eu, pelo menos, já vi sobre o que é o "espetáculo" debordiano: uma forma de sociedade na qual a vida real é pobre e fragmentária e seus integrantes são obrigados a conviver o tempo todo com imagens de tudo o que lhes falta em sua vida real.

Enfim. Ao final do texto, fiquei do lado do Adorno nessa. Para entender o problema atual da ubiqüidade estética do mundo -- que já passou a fase da "espetacularização" passiva da vida e do império da distância visual, para se tornar a pré-programação da "interatividade" e da "participação" -- a questão de Adorno pode ser crucial.


A questão de Adorno é a da Arte como exercício e como preservação da tensão entre sujeito e objeto; possibilidade de liberdade da compulsão subjetiva (atávica nossa, e o tempo todo instrumentalizada pela lógica progaramadora do sistema) de simplesmente "devorar", incorporar o objeto como seu instrumento, sua extensão.
(Freudiano, não?)

Parando por aqui.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Me engana que eu gosto (2)



Ó mulher: esse anúncio não CHAMA você de idiota ao falar para você amar o SEU corpo com uma foto do corpo da Juliana Paes?

A despeito do "manifesto" cara-de-pau, a imagem aqui diz o mesmo que toda propaganda fode-cuca de mulher há décadas. Só que acrescenta: ah é, é importante você se amar, viu!!
(principalmente se você quiser ser como a gostosa aí no anúncio. Tem-que-SE-A-MAR!)

Publicidade: há décadas orgulhosamente fomentando neuroses.


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sábado, 18 de abril de 2009

Fabuloso e decepcionante


Há uns 6 anos, recém-formado e ainda muito ligado ao curso de arquitetura, eu tive uma idéia que pensava transformar em história em quadrinhos. Pra ser mais exato, eu andava fascinado em imaginar o que poderia ser o ato projetual do arquiteto quando a tal da "realidade virtual" fosse uma coisa simples, corriqueira, completamente normalizada e instrumentalizada.

Começou com a fascinação pelo que poderia ser projetar e criar mundos em realidade virtual, mas a partir daí fiquei algum tempo imaginando tramas. Ocupado, fui deixando de lado; a verdade, porém, é que nunca cheguei em algo suficientemente interessante como um todo para valer a pena trabalhar de verdade em cima. Ainda assim: imaginei roteiros, cenas, personagens, fios condutores, e até uma incerta metáfora religiosa.

Aí eu achei, no divertido Life without buildings, esse belo curta-metragem (que, por sua vez, o LWB achou no Information Aesthetics).

Em termos de ação, que o solitário e silencioso arquiteto do filme aqui mostrado faz é EXATAMENTE o que eu tinha pensado e imaginado nas minhas fantasias (tirando, obviamente, certos detalhes geniais do vídeo como as paletas de ferramenta e o relógio)

Esse fantástico vídeo aqui mostrado, porém, também me deixou decepcionado. O que me é decepcionante não é o vídeo, obviamente, mas sim o fato dele me mostrar que, como eu temia, alguém ia se adiantar na idéia e fazer antes do que eu algo mais interessante e habilidoso do que eu faria.

(no Information Aesthetics disseram que o filme demorou 2 anos só de pós-produção... pode ser que a idéia estivesse na cabeça do cara mais ou menos ao mesmo tempo que na minha?...)

Pra deixar claro, a linha de história do curta-metragem não tem nada a ver com as meus esboços de enredo antigos. Afora se estruturarem ambos na idéia de criação dentro do mundo virtual, o enredo do curta é simples e eficiente, quase um conto, enquanto minhas idéias eram amplas e mais pretensiosas.
Mas ao ver o vídeo, me desanimei também porque vi logo qual a melhor e óbvia mídia para esse tipo de ficção; quadrinhos aqui, por mais que os ame, me parecem perda de tempo e energia, não vão conseguir retratar o mundo projetual incrível que eu imaginara.

Palmas para os realizadores. Vocês podem se maravilhar, eu vou ali chorar e resmungar num canto qualquer.

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sexta-feira, 17 de abril de 2009

Prelúdio

Quando eu tinha uns nove, dez anos, estava na casa de meus avós com meu pai e, numa manhã ou tarde, peguei algumas das revistas de história em quadrinho dele pra olhar.

Eu fuçava as revistas de meu pai sempre que podia ou achava interessante. Meu contato com as “revistas” adultas foi assim. (Lembro até hoje de folhear o número 1 de Ronin dentro do Oggi de meu pai, e de ler Lobo Solitário pela primeira vez também na casa de meu avô). Muitas das coisas que eu lia eu não entendia, ou me deixavam chocado, ou constrangido — nesse caso, especificamente quando se referiam a sexo — mas nem por isso deixavam de me fascinar.

Então peguei uma revista que meu pai tinha comprado recentemente (talvez nem tivesse lido ainda). Essa HQ era uma das impressionantes. A capa era o close-up de um relógio coberto de sangue. Algumas das páginas mostravam centenas de mortos ensangüentados, uma criatura gigantesca e bizarra, uma mulher chorando e um homem azul cujo balão de fala era azul também. Então eu a li. Não li de cabo a rabo, li como fazia muito então e como faço até hoje: passando os olhos e parando onde parece interessante, pulando as partes lentas (isso parei de fazer). Acho que vem muito de coisas assim a minha habilidade atual de compreender e adivinhar “todos” a partir de fragmentos — gibis lidos ou séries de HQ vistas pela metade pela falta dos números completos.

Bem, o que vi na minha leitura: o cara que é o vilão era um cara que achavam ser bom, e que na verdade até que é bom mesmo (ou assim entendi) pois ele meio que salvou o mundo — só que matou metade de Nova York pra isso. Esse cara também agarrou em pleno ar uma bala que uma mulher (a que estava chorando) atirou nele.

No final um dos personagens, que sem máscara era um cara ruivo e muito feio e com lágrimas amarelas, é morto pelo homem azul — vira uma mancha de sangue na neve (fiquei bem impressionado com isso). Entendi que o homem azul era muuuuito poderoso, embora não soubesse exatamente o que ele podia fazer. Mas suspeitei que fosse “qualquer coisa”. Nessa mesma revista, lá pro meio, esse homem azul era desintegrado (outra cena chocante!) e depois reaparecia, gigantesco. Em nenhum momento me ocorreu chamá-lo de “super-herói”.

As falas da mulher, traumatizada com os milhões de mortos para um hesitante (e meio barrigudo) herói fantasiado ainda me impressionam:
“Aquelas pessoas não vão nunca mais brigar, amar ou gritar umas com as outras. Oh, é tão doce estar viva... tão horrivelmente doce.”
“Queiro que você me ame. Queiro que você me ame porque não estamos mortos. Quero tocar você, cheirar você, porque eu posso.”

E a conversa final do homem azul para o homem-loiro-vilão-bonzinho ficaram na minha cabeça:
- No final, estava correto, não? Tudo terminou bem, não?
- “No final”? Nada termina, Adrian. Nunca termina.


Vou parar por aqui. Quem já tiver lido a revista, já a reconheceu; para todos os outros, informo que esse é o último episódio de Watchmen.



Pois é, eu comecei pelo último. Vi as maiores revelações logo de cara. (posso dizer que Watchmen nunca teve mistérios pra mim). Obviamente, não entendi um monte de coisas, seja porque não tinha lido a imensa história que vinha antes, seja porque eu era criança. Mas eu soube que estava diante de algo denso e marcante.

E acho isso até hoje.

Eu sempre hesitei em falar sobre Watchmen. Primeiro, porque há MUITA coisa que se pode falar sobre essa HQ; segundo, porque é difícil de falar; terceiro, porque pouca gente que eu conhecia tinha lido.
Agora, com o filme, um MONTE de gente vai conhecer algo da história.
(Engraçado e triste precisar sair um filme pra eu finalmente falar algo a respeito. Acho que a “maçonaria” das HQs sente-se um tanto incomodada quando os não-iniciados têm acesso “indireto” ao seus ídolos...)

E, em uma série de textos a vir em um futuro próximo (espero), pretendo opor filme e HQ. Como já fiz em Sin City e em V de Vingança, o objetivo é, principalmente, discutir o que se perdeu na transposição e por quê.

Eu escrevi este texto (longuinho) de agora pra esclarecer uma coisa. Eu já li , pensei e analisei muitas vezes e coisas de Watchmen como adulto e amante de HQs; mas minha ligação com essa HQ é muito maior: ela faz parte de meu repertório básico, faz parte das coisas que li entrando na adolescência ainda. Para muitos watchmen abalou o mundo dos superheróis e da forma de se ver HQ, mas a mim ela foi uma das HQs que moldaram minha própria forma de ver essa mídia e suas possibilidades. Tenho uma relação completamente emocional, e conheço e me deleito de cabo a rabo com essa obra. E é a partir desse amor que escreverei, assim que tiver algum tempo.


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Navio negreiro

Uma coisa boa de conscientemente não ser cristão é evitar a pulsão inconsciente de glorificar o martírio. Não me entendam mal: o auto-sacrifício é essencial ao heroísmo verdadeiro, e o melhor professor da vida é o sofrimento. Meu problema aqui é com a vitimização.

O coitadismo é, em qualquer lado e manifestação, um equívoco. Porque ele é a tendência de se perdoar indevidamente faltas daqueles que sofreram faltas. Duas coisas:

1. existe sofrimento inútil;
2. Sofrimento por si só não lava a maldade de ninguém.
(Jesus não morreu pelos nossos pecados. Ele CONTINUA morrendo, sendo eternamente sacrificado e renascido – como toda boa divindade solar – enquanto continuamos ímpios, porque continuamos ímpios. Na condição de ser mitológico, ele continuará na cruz e no sacrifício eternamente, se a sociedade continuar adorando-o e eternamente usando-o para justificar-se. Ou seja: if you love him, let him go...)

Devemos respeitar o sofrimento, e ao mesmo tempo tomar cuidado ao usá-lo como atenuante. Isso vale para a vitimização de qualquer um: negros, mulheres, pobres, judeus, palestinos e por aí vai.

Agora, há duas outras “coisas” que eu acrescentaria aqui:
1. Alguns sofrem mais do que outros.
2. Essa assimetria de sofrimento não é só individual, mas freqüentemente definida por diferenças coletivas. Se os "ímpios os há de todos os lados, sexos, etnias e contas, porque uns grupos sofrem mais que outros?

A MORAL tende a falar de "ressarcimento de dívidas"; (e é nessa moral que se vai a abrigar, por exemplo, parte da retórica dos movimentos negros). POLÍTICA, por outro lado, é perguntar quem sofre mais agora, e, principalmnete, por quê.

Há um tipo peculiar de hipocrisia.Ele é muito visível, por exemplo, em qualquer um dos muitos que gostam de dizer que bandido têm que morrer e pobreza não justifica nada, mas que defendem tudo o que Israel faz sob a base de se fazer justiça ao sofrimento do povo judeu. Ou, voltando a outro assunto em pauta atualmente, é uma hipocrisia visível em quem está mais preocupado com o sofrimento de um feto indesejado fruto de estupro do que com o sofrimento de uma criança violentada. Mas toda vitimização é seletiva: se você está escolhendo entre lados de um conflito, não pode vitimizar os dois.

Mas não é da palestina ou da Igreja que eu vim falar (embora possa parecer). Este texto, fundamentalmente é sobre a mulher, aproveitando a (já não) recente passagem de Seu dia (post atrasado por problemas pessoais, sorry).

Por que? Ora, há uma vitimização. E há mulheres que se aproveitam disso, obviamente, como sempre há quem se aproveite de toda e qualquer oportunidade não importanto esta ser honesta ou não. Ademais, há que se tomar cuidado em vitimizar a mulher, porque:

- ela geralmente é mais inteligente e tenaz que sua contraparte mais peluda;

- a vitimização dá espaço às pessoas aproveitadoras;

- a vitimização é condescendente e ajuda muito pouco, em especial as pessoas "fracas" que em princípio deviam ser "protegidas".

MAS.... a questão a levantar aqui, como os outros dois pontos que já coloquei é que: mesmo depois da conquista de liberdades, mesmo depois de se firmarem, e mesmo sabendo-se que “não são santas” (que frase escrota, aliás), é fato que as mulheres em média sofrem mais que os homens –- e sofrem com os homens e por serem mulheres.

Pessoalmente, tenho a sorte de conviver com pessoas extremamente bem-educadas e civilizadas, e sou feliz de não testemunhar barbaridades em meu cotidiano afora daquelas às quais a mídia me traz. Mas é só bobear um pouco e prestar atenção no que há só um pouco além da minha rodinha -- ou talvez no fundo dela... -- e tomo contato com uma quantidade impressionante de tratamentos vulgares, brincadeiras estúpidas e tratamentos infiéis tidos como “normais”. O que me leva a pensar que o problema é real e está longe de ser resolvido e que esse sofrimento é sim assunto político.

Resolvi fazer aqui uma estranha “homenagem ao sofrimento” (parece contraditório com o início deste texto?), com uma música.

Tom Zé fez um disco inteiro sobre o que a mulher há séculos agüenta por parte do homem. Não é o melhor dele, mas tem momentos muito bonitos e outros muito fortes e interessantes. Um que me impressionou particularmente é esta música.


Mulher Navio Negreiro

Tom Zé

Mulher – Divino Luxo – Navio Negreiro

O macho pela vida
Se valida
A molestar a mulher
Se diverte.

Apavorada,
Ela, que se péla,
Pouco pára de pé,
E padece.

Quando ele pia, pia, pia,
Pra inibir na mulher o animal,
Talvez eu ria, ria, ria,
Vendo ele transar uma boneca de pau,
Com seu incubado,
Calado, colado, pirado pavor
Do segredo sagrado.

Por isto existe no mundo
Um escravo chamado

Mulher – Divino Luxo – Navio Negreiro
Graal – Puro Cristal – Desespero
Rosa-robô – Cachorrinho – Tesouro,
Ninguém suspeita dor neste ideal,
A dor ninguém suspeita imperial.

Eucaristia – Ascensão – Desgraça,
Filé-mignon – Púbis, Traseiro – Alcatra,
Banca de Revista – Açougue Informal – Plena Praça,
Ninguém suspeita dor neste ideal,
A dor ninguém suspeita imperial.

Por isto existe no mundo
Um escravo chamado mulher


Anos atrás, eu tinha lido uma frase forte em Do Inferno, de Alan Moore, a respeito da força dos símbolos ocultos sobre a vida das pessoas aparentemente tão racionais e civilizadas: "...levar metade da humanidade à escravidão".
Me impressionei quando li essa frase porque estava lá, e foi onde vi pela primeira vez, que o "“problema das mulheres" era, MUITO obviamente, o problema da metade da humanidade; e, mais forte, pela primeira vez eu, homem recém-saído da adolescência, vi com clareza inegável aquilo que já era dito há muito: que se tratou historicamente de um problema de escravidão.

É por isso que, pra mim, a metáfora do “navio negreiro” de Tom Zé foi tão marcante.

O sexo é o primeiro e principal corte. A mulher é o “outro” social-coletivo primordial do homem e vice-e-versa. Talvez seja essa a alteridade fundamental --posto que não só são diferentes, mas que NECESSITAM um do outro -- , a diferença fundamental com a qual deve-se conviver e aprender se temos alguma esperança de lidar bem com outras "diferenças".

O fato é: com ou sem vitimização, briga, discussão, rancor, autoafirmação e etc, a mulher continua sendo pensada e tratada como objeto, ou melhor, ser que o é para os outros por homens, outras mulheres e por si mesma. Eu fico sinceramente enojado quando vejo algum anúncio de cerveja ou de pefume que, de diferentes maneiras, reforça isso. Fico enervado e enojado com qualquer clip gigolístico dos atuais hip-hops de butique americanos, que pra mim são a epítome do que há de mais tosco.
Fico sinceramente indignado quando a base de defesa das pessoas para essas coisas é a de "as pessoas são assim mesmo" ou que as mulheres lá "fazem isso porque querem" ou "não machuca ninguém".
E não tenho palavras mais eloqüentes para dizera respeito do que falar que isso é perverso, maldoso, tosco e, infelizmente, humano.

Mas não me confundam com algum "libertarian" ou um conservador sempre pronto a falar de peito cheio da "natureza humana"; quando eu falo do que é humano, não quero nunca dizer que não é superável.


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quarta-feira, 15 de abril de 2009

TORA! TORA! TORA!



Japão busca estímulo econômico em HQs e cultura pop

TÓQUIO (Reuters) - O primeiro-ministro do Japão e fã de mangás, Taro Aso, sempre alardeou a importância de conteúdos "soft power" como as histórias em quadrinhos e animes para fortalecer o status diplomático global do seu país.

Agora ele está de olho também no potencial econômico da cultura pop. Um gigantesco pacote de estímulo econômico que ele divulgou nesta sexta-feira estipula como meta aumentar as vendas de "conteúdo" para o exterior dos atuais 2 por cento para 18 por cento do total das exportações.




...

... caralho.

E olha que, sem apoio do governo, já tínhamos a "Mônica Jovem estilo mangá" e a merda das Powerpuff girls "Z".
Agora os animes vão dominar o mundo MESMO. É o Pearl Harbour cultural!!!


Orai e vigiai.


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supernerd


Um tributo à Star Wars e ao maior compositor de hits épicos cinematográficos desde a década de 70, possibilitado pela tecnologia.

Com vocês, 'John Williams Is The Man' .

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Caricatura

Embora desenhar seja uma atividade completamente natural para mim, caricaturizar não é.

Eu sei bem desenhar "cartuns"; adoro desde sempre desenhar pessoas e expressões. Desde o fim da adolescência passei a gostar de retratar pessoas. Atividade que antes me revoltava -- eu não copiava nada na infância, fazia questão de inventar tudo o que eu desenhava -- o desenho de observação de pessoas foi muito importante para mim durante a faculdade.

Mas a caricatura exige um tipo de sensibilidade específica que eu desenvolvi muito pouco. É um exercício de compreensão e, principalmente, abstração. Conheço pessoas com menor habilidade no desenho que têm facilidade bem maior em caricatura.

Ainda assim: já experimentei. E gostei de alguns resultados.
Um deles está aí abaixo: a caricatura do arquiteto, professor e pesquisador italiano Vittorio Lampugnani, que ofereceu um ciclo de palestras na USP de São Carlos lá por 2002.





Esse esboço foi deito durante a palestra mesmo, com o "personagem" em movimento. Se bem que, convenhamos, o material original não era lá desafiador em termos de caricaturização...


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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Tortura, verdade e democracia


"Os últimos oito anos em que a coalizão de ultradireita que governou os EUA assumiu a prática da tortura como política estatal só aumentaram a importância de se dirimir alguns mitos acerca do tema. Um desses mitos é a crença – disseminada amplamente entre setores da esquerda – de que a prática da tortura seria uma espécie de negação da essência da democracia, ou que a democracia seria algo como um antídoto contra a tortura, ou que esta, no fundo, negaria os valores democráticos, de racionalidade e liberdades individuais. O fato histórico concreto, no entanto, é o oposto: no momento em que “democracia”, “verdade”, “racionalidade” estavam sendo inventadas, a prática da tortura foi componente fundamental no processo em que esses ideais se faziam. Ali, na origem mesma da democracia, a tortura já era um de seus elementos chave."


Este é um excerto do texto "Tortura, verdade e democracia", publicado na Revista Forum deste mês e de autoria do Idelber, do O Biscoito Fino e a Massa.

Vale a pena. O texto completo está aqui.


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sexta-feira, 3 de abril de 2009

Luto

Estou há algum tempo sem colocar nada no blog. Tinha alguns assuntos engatilhados, mas não os postava porque havia algo que eu queria fazer antes – algo que era trabalhoso e doloroso, e por isso eu continuava evitando.
Mas percebi que, não importa se são uma semana ou dois meses, não vou conseguir escrever algo à altura do que queria. E, enquanto eu não escrever isto, não vou conseguir escrever mais nada.



Nunca fui num funeral na minha vida até sábado passado. Essa “lacuna” em minha experiência, por sua vez, deu-se na pior circunstância possível: na morte de um ente querido.

Meu avô faleceu na última sexta-feira, 27 de março.

Edvard Elias de Souza, o meu Vô Vadinho, foi uma das pessoas mais extraordinárias que já conheci, e certamente uma das principais referências da minha vida.

Após pensar muito — ou melhor, pensar o quanto eu me permiti pensar, porque admito que desde que seu caixão foi para baixo da terra eu tenho evitado pensar nele — percebi que o que quer que eu pudesse falar do meu avô nesse momento seria insuficiente. Mas mesmo antes eu tinha idéia de fazer um livro sobre meu avô, e pretendo fazê-lo. Todavia, descobri algo previsível — que pensar sobre ele era mais fácil quando eu sabia que podia conversar com ele, mesmo que eu não fosse efetivamente lá falar com ele.

Irei falar então algumas pequeninas coisas a respeito de meu querido avô. Não são nem de longe as necessárias para se saber quem ele era, ou para se fazer uma real homenagem.
Não. Estas são algumas das minhas impressões de neto; algumas das coisas de meu vô que me tocaram na qualidade de neto e que ainda tocam a criança envolvida pelas várias camadas de idade, experiência e cinismo.




Meu avô era ao mesmo tempo agitado e reservado. Nunca conheci alguém que fosse tão excêntrico e, ao mesmo tempo, tão sólido e responsável.

Meu vô tinha uma xícara e um prato que eram só dele, e eram diferentes dos de todos que sentavam à mesa. Sempre era o último a sentar e o primeiro a sair da mesa; sempre se sentava no mesmo lugar; sempre comia as mesmas coisas, e muito pouco. Beliscava comidinhas e docinhos o dia todo.

Meu vô tinha cumprimentos especiais para seus netos quando éramos crianças, e chamava minha avó com um assovio particular que até hoje consigo imitar.

Meu avô colecionava ferro-velho, metódica e obsessivamente. Ele raramente dava algum uso àquilo; só via coisas interessantes e as levava, e ia acumulando na casa. Algumas coisas ele estudava, recuperava ou usava. A maioria não. Mas não jogava nada fora. E sim, as casas começavam a não ter mais espaço para as pessoas.
O que eu quero dizer com ferro-velho? Bem TUDO o que se pode achar num ferro-velho – desde livros a quilo até carcaças de carro, ou seja, tudo o que se joga fora sem se jogar no lixo.
Eu poderia escrever um livro sobre as coisas que encontrei nas casas dele durante minha vida. Provavelmente vou escrever. (a título de exemplo: na área lateral da antiga casa dele havia, entre outros carros, 2 romisetas e uma estranha caminhonetezinha de 3 rodas, para um só pessoa. Até hoje não sei que veículo era aquele).

Meu vô tinha pouquíssimo senso estético no que se refere a arrumar as coisas; ele simplesmente as acumulava. Mas tinha um senso funcional fantástico. Era um exímio faça-você-mesmo, um inventor nato. Consertava, encaixava, montava, acoplava, traquitanava, enfim: inventava e improvisava.

Quando eu tinha uns 7 anos, ele fez uma espada Jedi para mim com um pedaço de cabo de vassoura (devidamente polido para ter um formato mais ergonômico para a mão) e uma antena de carro embutida neste.

Quando começou a se interessar por computadores, ele comprou várias carcaças de modelos diferentes, as quais ficava desmontando e observando. Queria “entender como funcionava” ao invés de só ficar usando.

O primeiro videogame que joguei (e no qual viciei), ainda aos 5, 6 anos, foi um Odyssey comprado pelo meu avô. Meu jogo preferido era “Didi na Mina de Ouro”. Meu avô também jogava, e era um craque nesse jogo. Falava que eu era o Rei desse joguinho, mas que ele era o Papa.

Às vezes, mu avô assistia desenhos e afins com os netos. Gostava de Dragon Ball Z e do desenho do Jackie Chan. Era possível conversar com ele sobre Majin-boo, Vegeta e Goku (não que eu tenha feito isso; nessa época eu mesmo era velho demais para abertamente ficar mostrando conhecimento sobre uma animação tão vagabunda). Foi meu avô que me chamou a atenção, quando eu tinha uns 9 ou 10 anos, para o fato de que a trilha sonora de Jaspion tinha um bom naipe de metais. Até então eu nem sabia o que era um naipe de metais.

A maior parte de meu repertório de quadrinhos de super-heróis veio dos montes de revistas que meu vô comprava de uma vizinha, as quais eram refugos das bancas cujas capas são enviadas de volta às editoras para controle. Até hoje acho estranho o fato de revistas formatinho terem capas.

Meu avô tinha centenas de manias e nenhuma frescura.

Meu vô era assustador quando ficava bravo, sem precisar chegar a bater ou insultar.

Meu avô gostava de brincadeiras e trocadilhos. Assim como a inteligência e a melancolia do tipo deixem-me-no-meu-canto, o senso de humor terrivelmente infame é uma de suas heranças.

Meu avô cursou direito, sociologia e odontologia. Sabia pilotar avião, trabalhou como dentista e se aposentou como fiscal da Receita federal.

Meu avô andava de moto até poucos anos atrás. Não há a mínima, menor, ínfima possibilidade de eu olhar e pensar em uma moto ou em uma lambreta sem me lembrar dele.

Meu vô era um homem ativo, inquieto, e também atlético. Eu o via como um homem muito forte e saudável e tinha orgulho de ter um avô assim. Por outro lado, a decadência física dos últimos anos talvez fosse para ele um peso grande, justamente por ser fisicamente muito ativo. Acho que era um peso bem maior do que seria, por exemplo, para mim.
Ou assim quero pensar. Mas sei que o enfraquecimento dele era meio doloroso para mim.
E sempre achei que ele viveria bem mais que setenta e sete anos.

Eu amava meu avô e nunca disse isso pra ele.



Mas ele também nunca disse que me amava, e isso nunca me impediu de ter a mais absoluta convicção de que isso era um fato.


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