Raramente transcrevo textos completos. Mas andam pipocando por aí análises bem interessantes sobre a relação entre o
ressentimento da classe média e a escalada de uma retórica neocon (muito da sem-vergonha, devo acrescentar) na imprensa e na internet brasileira.
O “popneocon” de Luís Nassif foi o primeiro texto simples e mais esclarecedor que li sobre a virada à direita da mídia e o sucesso de uma retórica agressiva que se interessa em manter a confusão entre escrotidão verbal e“liberdade” e ousadia intelectuais que impera em boa parte de nossa classe média semi-educada e em várias pessoas de nível cultural até mais alto.
Este texto abaixo é bem generalizante, mas vai direto ao ponto. E me surpreendeu por sair na Folha de São Paulo...
A direita e o lulismo
Por Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - A chegada de Lula ao poder seguida da ruína moral do petismo serviu de trampolim para impulsionar uma nova direita no país. É um fenômeno de expressão midiática, mais do que propriamente político. Está disseminado em jornais, sites, blogs, na revista. E deve sua difusão aos falcões do colunismo que se orgulha de parecer assim, estupidamente reacionário.
Mesmo que a autopropaganda seja enganosa e oculte que até ontem o conservador empedernido de hoje comia no prato da esquerda, que é só um "parvenu", um espertalhão adaptado aos tempos -ainda assim, temos aqui uma novidade.
Essa direita emergente já formou patota. Citam uns aos outros, promovem entrevistas entre si, trocam elogios despudorados. Praticam o mais desabrido compadrio, mas proclamam a meritocracia e as virtudes da impessoalidade; são boçais, mas adoram arrotar cultura.
É uma direita ruidosa e cínica, festiva e catastrofista. Serve para entreter e consolar uma elite que se diz "classe média" e vê o país como estorvo à realização de seu infinito potencial. Seus privilégios estão sempre sob ameaça e agora a clientela de Lula veio azedar de vez suas fantasias de exclusivismo social.
Invertemos a fórmula de Umberto Eco: enquanto a direita anuncia o apocalipse, os integrados, sob as asas do lulismo, são testemunhas vivas do fiasco do pensamento de esquerda neste país. Não me lembro de ter visto antes a mídia estampar com tanta clareza os passos da regressão social de que participa.
Do lado oficial, há um ambiente paragetulista de cooptação e intimidação difusas, se não avesso, certamente hostil às liberdades de expressão e de informação.
Na outra ponta, um articulismo de oposição francamente antinordestino e preconceituoso, coalhado de racismo e misoginia, que faz do insulto seu método e tem na truculência verbal sua marca. Deve-se a ele o retorno da cultura da sarjeta e do lixo retórico, vício da imprensa nativa que remonta ao Império, mas que havia caído em desuso.
À luz deste texto e de outros, acho sintomático pensar agora como tomei contato com essa retórica através de alguém que brandia o pendão acusador da INVEJA. A inveja dos esquerdistas, a inveja dos pobres e etc. Pequenos-empresários incapazes de enxergar seu próprio ressentimento (esse sentimento-raiz da moral judaico-cristã para Nietzsche e retomado em outra chave por Adorno para falar sobre – não por acaso -- o Nazismo e o antisemitismo), embora a virulência descomum de seus textos falasse por si mesma a esse respeito.
Bom mesmo foi ler ESTE trecho, de uma entrevista dada por Luís Nassif:
“A Abril não é uma editora ideológica. Quando você pega a Abril, a Folha, o Globo, eles cavalgam movimentos da opinião pública. Se a opinião pública quer um pouco mais à esquerda, eles vão, faz parte do conceito da grande mídia em relação ao ambiente de mercado.
Depois das Diretas-Já tinha uma onda mais à esquerda, eles foram. Depois tem uma onda um pouco mais à direita. Tem um conjunto de fenômenos aí que ajuda a explicar essa questão de mais pra direita. Tem de um lado uma classe média que foi massacrada quinze anos; aí tem uma insegurança, porque financeiramente ela começa a cair. É uma classe média ameaçada. De repente você tem uma ascensão da classe D. Isso cria uma dupla insegurança pra classe média, que é a insegurança financeira e insegurança de status. Daí o Lula é eleito. Você tem o deslumbramento inicial do pessoal que chega ao governo, o que vai acentuando a resistência da classe média.
Tudo isso dentro de um ambiente em que mundialmente há essa tendência à direitização. E a grande imprensa sempre refletiu esses movimentos lá de fora, sempre foi cópia malfeita desses movimentos. Então já havia uma tendência de ocupar esse espaço mais à direita. Os jornais fazem isso. Daí surge o escândalo do mensalão, eles têm a chance de refletir o que eles acham que era o sentimento de seus leitores contra o governo e derrubar o governo.
Nada de conspiração, estamos falando de mercado.”
Aí eu lembro daquela frase fantástica, quando houve a reeleição, de que "o Brasil votou contra a opinião pública"(prepotência e umbiguismo parecem não ter limites!) ... e lembro em especial daquele estudo também fantástico que tentava -- e de maneira visivelmente canhestra para qualquer um que já não concordasse com aquilo de sáida -- atribuir a vitória de Lula aos analfabetos nordestinos. De novo, a imprensa surfando no senso comum -- que é um senso comum que é sectário, racista e provinciano, mesmo que subrepticiamente. E que, fundamentalmente, é um senso comum de uma classezinha surpreendentemente pequena e que, à maneira de um Big
Bother Brasil, desconhece qualquer coisa além de si mesma.
Me lembro aí da entrevista do diretor de Cama de Gato, falando como a atual juventude de classe média alta é de longe a que teve maior acesso a informação da história do país, mas que não faz idéia de como lidar com essa informação... mas estou me desviando.
Quem sabe, com inspiração e tempo, possa escrever algo mais "definitivo" (ou meramente pretensioso) a respeito.
Esse assunto ainda vai render. Nome aos bois sempre rende. Isso é uma das benesses do bom jornalismo.