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Nunca fui afeito às classificações
winner-loser dos gringos, mas ao menos as compreendo um pouco melhor hoje que antes.
Como me foi apontado recentemente: o loser americano não é apenas o cara que não consegue chegar lá. O loser é, acima de tudo, o cara que desistiu.
É horrível pensar que ser pobre pode ser confortável. E não me refiro simplesmente à pobreza monetária, vejam bem.
Mas é o que nos exemplifica a vida de Harvey Pekar, excelente autor underground de quadrinhos. Pekar é conhecido e faz muito sucesso há décadas. Mas em uma entrevista, disse que nem telefona para R. Crumb (gênio quadrinhista, amigo e parceiro básico de Pekar) porque não tem dinheiro para pagar o interurbano.
Ele não viaja porque não tem dinheiro. Não vê pessoas nem conhece países (falou que adoraria vir ao Brasil) porque falta grana.
De fato, ele não pára de falar da FALTA de dinheiro em momento algum da entrevista. Só não explica porque não consegue ganhar mais dinheiro, ou mantê-lo.
Hervey Pekar, criativíssimo, é um cara que desistiu. Ou nunca quis. É quase um loser militante – isto é, se os real losers tivessem culhões suficientes para serem militantes.
A pobreza é seu escudo.
Tendo em vista a mentalidade extremamente neurótica, metódica e obsessiva do autor, não é difícil entender sua criatividade e seu apego a seus problemas (como os hipocondríacos), e nem é exagerado supor uma fortíssima aversão à mudança. Pekar não ganha dinheiro porque, na verdade, não quer encarar o desconforto de ter que mudar sua forma de viver para gastar esse dinheiro.
A julgar pelo que se vê, a vida de Pekar não seria apenas “comum”. Seria pobre com “p” maiúsculo (ou minúsculo?). Não porque vive sem dinheiro e entre pessoas monetariamente pobres, mas porque não aspirou a quase nada que já não seja. Sua criatividade e sua forma de transformá-la em narrativa são riquíssimas. Mas, por outro lado, prenderam-no ainda mais a si próprio.
Então, leio um texto de Contardo Caligaris (num jornal molhado da goteira da casa de meu pai, um que eu tinha tudo pra não ler) que fala que os jovens de hoje sonham pequeno. Não deixo de concordar imediatamente e de ver um eco em mim mesmo.
Me lembrando de Pekar: quantas vezes não usei (e não uso) minha pobreza (entre outro vários obstáculos) como escudo? De uma forma confortável de me manter com minhas manias e não ter de pensar mais à frente?
E vejam bem, não falo de “sucesso” ou “ficar rico”, mas de ansiar e procurar uma vida extraordinária, difícil, heróica, uma vida fodona mesmo.
A academia pode ser um cemitério para um “artista”? Não por ser burocrática mas justamente por ser criativa? Uma prisão com conforto e com alguma liberdade é a mais eficiente de todas.
A primeira vez que alguém me chamou de comodista foi aos 15 anos de idade. Fiquei sinceramente ofendido, como poucas vezes.
Porque era verdade.
Aos 19 anos de idade, uma amiga me chamou de covarde. Em matéria de ofensa, nada nunca mais doeu tanto quanto aquilo.
Porque era verdade.
(Pelo menos passei a ter alguma consciência do problema)
Pode a “maturidade” se tornar uma prisão?
Pode o “sucesso” se tornar uma prisão?
Pode o “fracasso” ser confortável?
O caso de Pekar diz que sim.