(por Marcelo, bicampeão paraibano de dominó estilo livre)
Me chamou a atenção, na semana da páscoa que a igreja - mais precisamente o Vaticano - se pôs numa postura defensiva que eu nunca havia presenciado antes. O motivo era a novidade de que o
irmão do papa poderia ter se omitido em vários casos de abuso de menores ocorridos contra os meninos do coral da catedral de Regensburgo, o mais antigo do mundo, dirigido por ele entre 1964 e 1994. Não pesam contra Georg Ratzinger acusações pessoais de abuso sexual, mas a omissão configura um crime (ou pecado) quase tão grave. À época dos escândalos, o atual papa comandava a "Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé", a equivalente moderna da "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício", o tribunal da Santa Inquisição Católica, que existiu entre 1542 e 1965. Joseph Ratzinger era, portanto, o chefe do órgão encarregado pelas investigações de delitos desse tipo.
Esse fato e as consequentes críticas geradas levaram Raniero Cantalamessa, o pregador de Bento XVI a comparar as acusações contra o papa ao holocausto. Foi tão infeliz que menos de uma semana depois dessa declaração se viu obrigado a pedir desculpas públicas.
Mais recentemente surgiram acusações de que o papa teria conhecimento dos fatos, mas resolveu não agir. Um indicativo disso é o fato de que em 1996 decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy, que confessou ter molestado mais de 200 jovens. Tal fato implica em suspeitas diretas contra o próprio papa.
Por fim (e estou omitindo boa parte da evolução da história pelo bem da economia textual), o Vaticano encontrou o vilão, ou melhor, os vilões da história toda: os homossexuais. E descartaram qualquer relação da prática do celibato com os fatos.
Bom, aqui termino com o relato dos fatos e passo à segunda parte do texto.
Gostaria de tratar, em primero lugar, da relação entre pedofilia e homossexualismo, vista como a causa disso tudo pelo Vaticano, e posteriormente, da relação entre celibato e pedofilia, hipótese rejeitada pela igreja.
Aparentemente, vários casos de pedofilia de fato envolvem relações homossexuais. Essa idéia é reforçada por alguns casos que de vez em quando surgem na mídia, o mais recente deles sendo a história do pedófilo que matou 6 jovens em Luiziânia, Goiás.
Para ativar a nossa memória de médio prazo, gostaria de lembrar aqui do penúltimo caso de pedofilia bastante explorado pela mídia no Brasil. Coincidentemente envolveu a igreja, mas em outras circunstâncias. Provável que nem todo mundo esteja lembrado, mas houve um caso de uma menininha que era sistematicamente estuprada pelo padastro dos seis aos nove anos, até que por fim engravidou. Esse caso se tornou notório por conta da excomunhão da mãe e dos médicos que posteriormente procederam com o aborto. Não vou me alongar no assunto porque já foi comentado
nesse post.
A relevância deste caso se justifica
nesse post do Gabriel: a idéia de que as leis dos homens, numa sociedade multicultural não devem ser seguidas, caso firam as "leis de Deus", estabelecidas pelos velhinhos do Vaticano. Tanto no caso da menininha estuprada, quanto nos recentes casos de padres não punidos pela igreja, percebemos que o "estupra mas não mata" é válido.
Voltando às relações entre pedofilia e homossexualismo, cabe ainda lembrar de um outro fato: talvez a forma mais comum de pedofilia da qual temos notícia sejam os casos de prostituição infantil, que acontecem aos montes, todos os dias nas cidades brasileiras. É um problema sério em vários lugares do Brasil, tanto em cidades pequenas, como Pontes e Lacerda, Mato Grosso, como já me foi relatado por um amigo muito próximo que trabalha, entre outros lugares, na vara da infância e adolescência, quanto nas grandes cidades turísticas, onde a demanda é, em muitos casos, de turistas europeus. Estranho que nesses casos geralmente os abusos ocorram por parte de homens contra meninas. Certamente ocorrem também casos envolvendo meninos, mas se levarmos em consideração os casos de prostituição infantil divulgados na mídia, não me lembro de nenhum.
A partir disso, acredito que podemos aferir que a grande maioria dos casos de pedofilia são praticados por HOMENS, e que aparentemente as meninas são vítimas mais constante que os meninos. Isso é exatamente o que poderíamos esperar de um cenário em que pedófilos podem ser igualmente hetero ou homossexuais, inseridos em populações onde os homossexuais são minoria. A propósito, alguém se lembra de algum caso famoso que envolvesse uma PEDÓFILA? E uma pedófila abusando de uma menininha? Mas deve ter, claro.
Quanto à relação entre o celibato e a pedofilia, a questão é um pouco mais nebulosa. Parto de algumas afirmações que me parecem claras, a análise é feita sobre algumas percepções que podem não serem verdadeiras, ainda que me pareçam ser condizentes com a realidade.
Partindo do princípio de que a pedofilia é uma patologia psiquiátrica que acomete muito mais os homens do que as mulheres (provavelmente por razões evolutivas), podemos deduzir que em um meio exclusivamente masculino, ela ocorra com uma frequência maior que na média da sociedade ou em meios exclusivamente femininos.
A abstinência sexual voluntária não é um comportamento "normal" não só entre os homens, mas entre os animais.
Se na igreja os casos de pedofilia tem ocorrido com uma frequência maior que na média da sociedade (como será demonstrado mais à frente), sendo a pedofilia um desvio de ordem sexual, e tendo a igreja a norma do celibato como única diferenciação de ordem sexual entre seus sacerdotes e a população "comum"...bom, parece existir alguma relação sim.
Porque então, nos casos de pedofilia cometidos por sacerdotes há, aparentemente, um número maior de abusos contra meninos do que contra meninas?
Aqui vem uma hipótese meramente especulativa, conforme alertamos antes:
Será que um meio exclusivamente masculino, composto por homens comprometidos com um comportamento sexual anormal (o da abstinência) atrai uma proporção de homossexuais maior que a média encontrada na população? Talvez porque homossexuais sejam mais reprimidos sexualmente? Se isso for verdade, talvez justifique um número maior de abusos contra crianças maior contra meninos que contra meninas, em relação ao que é esperado na média da sociedade.
Por fim, será que o simples compromisso com um comportamento sexual antinatural não atraia pessoas com uma relação estranha com a sexualidade, hetero ou homossexuais? Acho que dá pra perceber onde quero chegar com isso.
Passo agora a tratar de um outro assunto, que de alguma forma está relacionado ao tema que trato aqui. Recentemente, e por coincidência, tive acesso a dois sites de grupos extremistas católicos. O primeiro foi descoberto acidentalmente pelo Gabriel, pois foi anunciado no nosso blog através do Google Adsense, essa ferramenta que coloca propagandas no canto superior do site. Aparentemente o Google "pensa" que este espaço é bom para divulgar propagandas de grupos religiosos, já que tratamos de assuntos relacionados ao tema com alguma frequência...não foi o primeiro caso. Agora, só falta o Google aprender a interpretar o que "lê", pois acho que os anunciantes não estariam de acordo com o conteúdo publicado aqui.
O Gabriel,
nesse post, chamou atenção para o site do
"Instituto Plinio Correia de Oliveira", que além de acusar o Plano Nacional de Direitos Humanos de um plano de perseguição religiosa contra o catolicismo promovido pelo "Fundamentalismo Ateu", revela em sua primeira página que "estão ferindo a dignidade do papa para atacar a santa igreja".
Na mesma linha, só que com um site maior e mais absurdo, está a
"Montfort Associação Cultural", que me foi apresentada pelo Marcel. O site também dedica um grande espaço à defesa do papa e também acusa o laicismo pela decadência da sociedade moderna. Duas coisas me saltaram aos olhos nesse site. Primeiro, um artigo intitulado
"A alegria de um papa sofrendo", em que depois de ressaltar a impressionante serenidade com a qual o papa vem lidando com toda essa balbúrdia, sendo capaz, apesar de tudo, de "sorrir com alegria sobrenatural".
Bento XVI: sorriso com alegria sobrenatural
A segunda coisa que me impressionou nesse site, foi o seguinte artigo:
"Teoria da Evolução: uma mentira sesquicentenária", escrito por um tal Fabio Vanini, um débil mental portador de um diploma de biologia, autorizado, portanto, a "confirmar" que a teoria da evolução não passa de um monte de mentiras e hipóteses não-comprovadas. Achei curioso, porque até então eu pensava que esse tipo de bizarrice fosse exclusiva dos protestantes fundamentalistas. Até hoje, todos os padres que conheci afirmavam que o Gênesis era uma coisa simbólica...vejo agora que esses grupos católicos não só acreditam de fato no criacionismo como morrem de raiva do Concílio Vaticano II, na opinião deles um marco da abrandamento das posições católicas que contaminou a igreja. Ratzinger é uma espécie de "salvador da pátria" pra esse pessoal.
E pra quem acha que Ratzinger é um retrocesso em relação a seu antecessor, é bom lembrarmos que esse bicho era o homem de confiança de João Paulo II. Aliás, é a pior consequência do polonês ter vivido tanto tempo. Com o tempo que ficou no pontificado, João Paulo II foi capaz de "renovar" boa parte do colégio de cardeais, que por fim, é responsável por eleger o papa. Ou seja: Ratzinger é exatamente o papa que Wojtila queria. Sem por nem tirar.
Outra pérola do grupo Monfort é o artigo
"Pedófilos, quem?",de onde extraí a seguinte citação:
"Na Alemanha foi comprovado que houve, desde 1995, 210 mil denúncias de abusos a menores. Dessas 210 mil, 300 envolveram de alguma forma padres católicos. Ou seja, menos de 0,2%. Isso significa que, por serem poucos, esses casos devem ser minimizados? Longe disso. Já disse e repito: um único caso que seja de pedofilia é sempre vergonhoso e imperdoável.
O problema é que se está procurando partir de casos isolados para engrossar uma campanha de descrédito e de infâmia contra a Igreja Católica e seus dignitários, tornando mais profundo o difuso anti-catolicismo ocidental que já vai se tornando um dos inexplicáveis fenômenos do nosso tempo."
Bom, quanto aos casos de pedofilia na igreja serem fenômenos isolados que a imprensa insiste em procurar, fiz uma rápida pesquisa e cheguei num dado muito interessante: segundo dados oficiais do
anuário católico divulgado pela Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social), órgão da CNBB; na Alemanha há um padre para cada 4.500 habitantes, o que representa 0,02% da população. Dessa forma, se os dados utilizados pelo grupo Monfort estiverem certos, de que "apenas" 0,2% dos crimes de pedofilia são cometidos por padres, podemos concluir que um padre, na Alemanha tem uma chance 10 vezes maior de abusar sexualmente de uma criança que a média da população.
Bom, até esse ponto, me restringi a relatar os casos e traçar algumas relações. Agora passo a opinar mais diretamente.
A pedofilia é um fenômeno amplificado na igreja católica (pelo menos na igreja alemã, mas não parece ser uma exclusividade germânica). Isso agora parece estar claro, e se estamos certos ou errados acerca das causas disso é outro papo. Provavelmente tal coisa ocorre há muito tempo na igreja, e provavelmente sempre foi muito bem escondido, provavelmente através de ameaças psicológicas por parte dos padres e também pelo acobertamento da igreja, que obviamente não se beneficia com esse tipo de exposição.
Se agora chegou-se ao ponto de haver um papa envolvido nesse tipo de escândalo, é de se questionar qual será a reação do restante da igreja. Até agora, estão se defendendo e defendendo Ratzinger, mas imaginem se for provado que o papa de fato soube dos casos e resolveu não agir?
Os padres, além do voto de castidade fazem também os votos de pobreza e de obediência. Acreditam também na santidade do papa e na sua infalibilidade. E acreditam que o colégio de cardeais ao escolher o novo papa, o fazem sob influência do próprio Espírito Santo.
Em caso de comprovação das denúncias, penso que a renúncia ou expulsão de Ratzinger do pontificado seria necessária, caso essa igreja ainda pense em resguardar algum fiapo de moral - digo nos tempos atuais, a história da igreja católica é grotesca e imperdoável. Conheço padres inteligentes e bem intencionados...esses ficam numa posição muito, mas muito desconfortável ao se submeterem à liderança de um homem que acobertou inúmeras denúncias de pedofilia. Como proceder?
Duvido que isso aconteça (a queda de Ratzinger), mas não custa especular...primeiro que ele provavelmente não seria preso, caso fosse julgado e condenado desses crimes, pois tem status de Chefe de Estado.
Pra quem não é católico, como eu, não tem tanta importância, mas imagino que uma renúncia ou exoneração do papa traria, no mínimo, uma série de questões teológicas inéditas e de difícil solução: os cardeais que escolheram Ratzinger são mais ou menos os que estão aí...como ficaria a infalibilidade deles para escolher um outro papa? E como ficaria a infalibilidade do próprio papa? E além disso tudo: como ficam os milhões de fiéis pelo mundo todo tendo um bandido acobertador de estupradores de crianças como líder espiritual?
Já adianto: ao que parece, ainda tem muita água pra rolar...a cada dia surgem novos fatos, e pelo menos o cso do padre Lawrence Murphy (tinha que ser Murphy!!!), parece associar diretamente Ratzinger a um caso real de omissão. Se for verdade, as consequências serão devastadoras e a igreja católica se verá atingida como nunca antes. Se não for verdade, o fato é que esse tipo de crime tem acontecido com uma frequência muito grande na igreja católica, e isso não pode ficar por isso mesmo.
Essa igreja é particularmente nojenta.
P.S. Uma notícia que acabo de ver: no
site oficial do Vaticano tem um link, logo na página de abertura, chamado "Abuso de menores: a resposta da igreja". Aparentemente ontem incluíram uma recomendação nova: casos de abusos sexuais contra menores cometidos por sacerdotes devem ser encaminhados à polícia.
Esse link tem cara daqueles selos: "como estou dirigindo?"
Trecho inserido posteriormente:
Em relação ao que eu escrevi, a respeito de uma possível prisão e julgamento do papa, acabou de sair no site da Folha uma
matéria interessante. Richard Dawkins (biólogo) e Christopher Hitchens (filósofo e cientista político), ambos professores da Universidade de Oxford, estão movendo na justiça inglesa e na Corte Penal Internacional uma ação contra o papa, em que pedem a prisão do pontífice por crimes contra a humanidade.
A argumentação vai exatamente no sentido do que escrevi, pois os dois questionam justamente o fato de que o papa não é um chefe de Estado reconhecido pela ONU. Obviamente uma condenação aqui é muito improvável, como reconhece o advogado que move a causa, mas caso viesse a ocorrer, a prisão poderia ocorrer na visita de Raztinger á Inglaterra, agendada para o mês de setembro.
Nessa matéria consta ainda um fato que eu não conhecia: uma carta de 1985, quando o então cardeal Joseph Ratzinger se nega a destituir o padre norte-americano Stephen Kiesle de suas funções, para preservar o "bem da igreja universal".