quarta-feira, 20 de abril de 2011

"e assim começa"?

Até onde pude ver, começou aqui: Veja exercitando o "como usar wikileaks para seus próprios propósitos".



Sensacionalismo normal, mas numa direção que eu não tinha visto até então. Não sou lá muito informado, mas não sabia ainda de alguém declarar diretamente ligações entre terroristas islâmicos e o Brasil. (começo a me perguntar se os Americanos já não começaram a "instrumentalizar" o wikileaks e deixar "vazar" aquilo que lhes interessa...)

Mas pouco tempo depois, por muito acaso, aconteceu o massacre de Realengo.
Obra de um deslocado da sociedade, um homem perturbado e alucinado. Situação trágica e patética -- como, anos atrás, o caso do rapaz que entrou numa sala de cinema de Clube da Luta e saiu dando tiros (sem nem sequer ter visto o filme, apesar de Jabores da vida insistirem que o filme é que causou), ou do massacre de Columbine; ou de todos esses casos recorrentes de jovens que saem matando gente a esmo.

Só que... mais do que rápido, a globo e outras emissoras inseriram pequenos comentários ligando o assassino louco e "islamismo". (por exemplo: o SBT  ressalvando que a maneira que o rapaz quis ser enterrado descrita em sua carta suicida era inspirada na maneira islâmica, e que o rapaz já estivera "meditando sobre o 11 de setembro"). Não se retomou o assunto na hora; mas a menção, ainda que solta, foi feita.
E o que viu-se depois indica que não era algo inocente: começou uma reiteração, esparsa mas insistente, em invocar -- de maneira estúpida e forçada -- fundamentalismo islâmico a partir dessa tragédia.
O principal exemplo foi  n'O Globo:
"Segundo os agentes federais do Santer, embora Wellington não seja muçulmano e não tenha ligação direta com a religião, ele frequentou pelo menos duas vezes uma mesquita no Centro do Rio, atualmente fechada."
"Para tentar identificar possíveis membros de um suposto grupo frequentado pelo atirador, técnicos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), da Polícia Civil do Rio, estão usando um software desenvolvido pelo FBI, a Polícia Federal americana."

Acuma? Ir duas vezes a uma mesquita? Software do FBI? Esse povo da PF tá realmente acreditando no que faz ou só estão encantados pela possibilidade de estar na boca do povo? Ou essa ênfase é da reportagem mesmo (minha aposta)? Como o rapaz assassino parece ter freqüentado mais igrejas evangélicas e cristãs que qualquer outra coisa, parece que com essa ênfase a imprensa brasileira está reinventando a discriminação e intolerância religiosa.

Queria perguntar pra Veja qual a relevância, meu Zeus do céu, de se saber que o assassino "meditava sobre o 11 de setembro"?? (bem, eu até poderia dizer que quem tinha mais de 8 anos em 2001 e até hoje nunca "meditou" sobre o 11 de setembro ou estava em denial ou era uma besta).
Aí no fim, seguindo a manada, vem a Istoé com essa capa:


 O que diabos quer dizer com "o TERROR chega à escola"? As letras miúdas não mencionam fundamentalismo, células terroristas nem nada tão específico. Mas porque então falar de "terror"?... Será que só queriam usar o sentido "neutro" da palavra?... bem, acho que não.

A carta do rapaz louco mencionava Jesus Cristo e um monte de coisas, uma salada mostrando visivelmente o grau de perturbação e a busca por se ancorar em alguma revelação que o levou a freqüentar igrejas variadas. E, no entanto... o crime suscitou por parte a imprensa e dos politicocozinhos de sempre uma discussão sobre a falta de Lei anti-terrorismo no Brasil.

Acuma? O governo teve que vir a se justificar sobre por que o terrorismo não ser caracterizado como um crime em si no Brasil... por causa DESSE CASO? O que há de remotamente parecido entre a matança tresloucada dos adolescentes, sem nenhuma reivindicação ou bandeira política, e um "atentado terrorista"?

Eu estaria inclinado a colocar isso tudo na conta da "indústria do medo".  Nada vende jornal como "violência" e "terror", claro. E mais: quer coisa mais féshion que terroristas aqui no Brasil? É nóis finalmente incluídos na globalização do cagaço.
Eu também poderia colocar a conta dessa histeria um pouco na tendência geral  -- correlata à indústria do medo -- de se despolitizar o terrorismo, nivelar tudo ao nível da violência e da alucinação -- o que faz com que os "normais" sintam-se melhores consigo mesmos, mas não ajuda a entender em nada o que está ocorrendo no mundo neste momento.

MAS. Considerando o "momento inaugural" da capa da Veja sobre "Rede de Terror" e essa ênfase estranha sobre o episódio trágico...  eu me lembro da enorme quantidade de pessoas -- leitores de Veja e adjacências -- que soltam farpas ou falam descaradamente do passado guerrilheiro de Dilma como "terrorista". (seguindo a ressemantização do termo capitaneada pelos EUA pra incluir todo guerrilheiro inimigo)
Há um cheirinho sem-vergonha de zeitgeist aqui. Lembremos que o blocão da grande imprensa, quando quer convencer, opera menos por argumentação propriamente dita do que por "reiteração" superficial: se esforça em criar um certo "clima" por insistir em uma determinada pauta de assuntos e num determinado tom de manchetes e capas, mesmo que estas na verdade contrariem o conteúdo das reportagens (ou da verdade, by the way). O que interessa falar gora é o terrorismo, então vamos encaixar o Realengo nele.  Novamente, não consigo ver nada de inocente aqui; só nuances de sensacionalismo, puxa-saquismo -- indo na direção daqueles leitores para quem o máximo de realização é se pautar pela agenda ianque -- e mesmo de golpismo encruado. No máximo, de inocente há apenas a possível idéia de certos editores de que isso vá surtir real efeito político ou social para além de reiterar preconceitos e irreflexões de uma parcela particularmente babante e recalcada da sociedade brasileira.

Ou vai ver o ingênuo sou eu e o acúmulo essas tosquices ainda vai surtir efeito.
Resta saber se vai-se chegar a acionar os mariners ou se, como da última vez, esperam que seja apenas uma questão de inside job.

Mas se chegasse a isso, eu mesmo iria querer me tornar um "terrorista" e explodir a redação de alguns jornais aí...












...BAZZINGA.



(ai meu Zeus, ainda vão usar essa frase contra mim ainda. E aí vão descobrir que eu também meditei sobre o 11 de setembro. E vão descobrir que eu tenho um colega de trabalho muçulmano e já freqüentei a casa dele pelo menos duas vezes... socorro! )

Nenhum comentário: