sábado, 30 de abril de 2011

Lavando a alma ou "Laerte strikes again"

Duas das tiras me chamaram (politicamente) a atenção nos últimos meses...

A primeira é uma resposta ao pseudodesmistificador (raça em franca proliferação) que escreveu o livro "Guia politicamente incorreto da história  do Brasil" -- que pra mim foi a reconfirmação de que, infelizmente, o "politicamente incorreto" se tornou uma bandeira de direita no Brasil, defendida principalmente pelos conservadores mudérninhos. (o próprio Laerte já o sabia, claro).
(Saudade do tempo em que "politicamente incorreto eram os Simpsons. Ainda bem que temos o Family Guy pra nos redimir de vez em quando).

A outra, bem... precisa comentar?

(Qualquer um que souber das posições "religiosas" do blog sabe que ninguém aqui acha burcas algo minimamente aceitável. Mas... tem coisa mais "politicamente correta" que o discurso furado de liberalização  do Sarkozy? 
"Ocidente: há quinhentos anos libertando pessoas. Mesmo que elas esperneiem".)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

I Can't believe

Eu tinha visto essa no blog do Scott McCloud. Uma variação das várias piadas com os produtos imitativos norte-americanos (a primeira que vi, That's not Yogurt,  foi o Marcelo que me mostrou).
O melhor da piada, obviamente, está no final.




quarta-feira, 20 de abril de 2011

"e assim começa"?

Até onde pude ver, começou aqui: Veja exercitando o "como usar wikileaks para seus próprios propósitos".



Sensacionalismo normal, mas numa direção que eu não tinha visto até então. Não sou lá muito informado, mas não sabia ainda de alguém declarar diretamente ligações entre terroristas islâmicos e o Brasil. (começo a me perguntar se os Americanos já não começaram a "instrumentalizar" o wikileaks e deixar "vazar" aquilo que lhes interessa...)

Mas pouco tempo depois, por muito acaso, aconteceu o massacre de Realengo.
Obra de um deslocado da sociedade, um homem perturbado e alucinado. Situação trágica e patética -- como, anos atrás, o caso do rapaz que entrou numa sala de cinema de Clube da Luta e saiu dando tiros (sem nem sequer ter visto o filme, apesar de Jabores da vida insistirem que o filme é que causou), ou do massacre de Columbine; ou de todos esses casos recorrentes de jovens que saem matando gente a esmo.

Só que... mais do que rápido, a globo e outras emissoras inseriram pequenos comentários ligando o assassino louco e "islamismo". (por exemplo: o SBT  ressalvando que a maneira que o rapaz quis ser enterrado descrita em sua carta suicida era inspirada na maneira islâmica, e que o rapaz já estivera "meditando sobre o 11 de setembro"). Não se retomou o assunto na hora; mas a menção, ainda que solta, foi feita.
E o que viu-se depois indica que não era algo inocente: começou uma reiteração, esparsa mas insistente, em invocar -- de maneira estúpida e forçada -- fundamentalismo islâmico a partir dessa tragédia.
O principal exemplo foi  n'O Globo:
"Segundo os agentes federais do Santer, embora Wellington não seja muçulmano e não tenha ligação direta com a religião, ele frequentou pelo menos duas vezes uma mesquita no Centro do Rio, atualmente fechada."
"Para tentar identificar possíveis membros de um suposto grupo frequentado pelo atirador, técnicos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), da Polícia Civil do Rio, estão usando um software desenvolvido pelo FBI, a Polícia Federal americana."

Acuma? Ir duas vezes a uma mesquita? Software do FBI? Esse povo da PF tá realmente acreditando no que faz ou só estão encantados pela possibilidade de estar na boca do povo? Ou essa ênfase é da reportagem mesmo (minha aposta)? Como o rapaz assassino parece ter freqüentado mais igrejas evangélicas e cristãs que qualquer outra coisa, parece que com essa ênfase a imprensa brasileira está reinventando a discriminação e intolerância religiosa.

Queria perguntar pra Veja qual a relevância, meu Zeus do céu, de se saber que o assassino "meditava sobre o 11 de setembro"?? (bem, eu até poderia dizer que quem tinha mais de 8 anos em 2001 e até hoje nunca "meditou" sobre o 11 de setembro ou estava em denial ou era uma besta).
Aí no fim, seguindo a manada, vem a Istoé com essa capa:


 O que diabos quer dizer com "o TERROR chega à escola"? As letras miúdas não mencionam fundamentalismo, células terroristas nem nada tão específico. Mas porque então falar de "terror"?... Será que só queriam usar o sentido "neutro" da palavra?... bem, acho que não.

A carta do rapaz louco mencionava Jesus Cristo e um monte de coisas, uma salada mostrando visivelmente o grau de perturbação e a busca por se ancorar em alguma revelação que o levou a freqüentar igrejas variadas. E, no entanto... o crime suscitou por parte a imprensa e dos politicocozinhos de sempre uma discussão sobre a falta de Lei anti-terrorismo no Brasil.

Acuma? O governo teve que vir a se justificar sobre por que o terrorismo não ser caracterizado como um crime em si no Brasil... por causa DESSE CASO? O que há de remotamente parecido entre a matança tresloucada dos adolescentes, sem nenhuma reivindicação ou bandeira política, e um "atentado terrorista"?

Eu estaria inclinado a colocar isso tudo na conta da "indústria do medo".  Nada vende jornal como "violência" e "terror", claro. E mais: quer coisa mais féshion que terroristas aqui no Brasil? É nóis finalmente incluídos na globalização do cagaço.
Eu também poderia colocar a conta dessa histeria um pouco na tendência geral  -- correlata à indústria do medo -- de se despolitizar o terrorismo, nivelar tudo ao nível da violência e da alucinação -- o que faz com que os "normais" sintam-se melhores consigo mesmos, mas não ajuda a entender em nada o que está ocorrendo no mundo neste momento.

MAS. Considerando o "momento inaugural" da capa da Veja sobre "Rede de Terror" e essa ênfase estranha sobre o episódio trágico...  eu me lembro da enorme quantidade de pessoas -- leitores de Veja e adjacências -- que soltam farpas ou falam descaradamente do passado guerrilheiro de Dilma como "terrorista". (seguindo a ressemantização do termo capitaneada pelos EUA pra incluir todo guerrilheiro inimigo)
Há um cheirinho sem-vergonha de zeitgeist aqui. Lembremos que o blocão da grande imprensa, quando quer convencer, opera menos por argumentação propriamente dita do que por "reiteração" superficial: se esforça em criar um certo "clima" por insistir em uma determinada pauta de assuntos e num determinado tom de manchetes e capas, mesmo que estas na verdade contrariem o conteúdo das reportagens (ou da verdade, by the way). O que interessa falar gora é o terrorismo, então vamos encaixar o Realengo nele.  Novamente, não consigo ver nada de inocente aqui; só nuances de sensacionalismo, puxa-saquismo -- indo na direção daqueles leitores para quem o máximo de realização é se pautar pela agenda ianque -- e mesmo de golpismo encruado. No máximo, de inocente há apenas a possível idéia de certos editores de que isso vá surtir real efeito político ou social para além de reiterar preconceitos e irreflexões de uma parcela particularmente babante e recalcada da sociedade brasileira.

Ou vai ver o ingênuo sou eu e o acúmulo essas tosquices ainda vai surtir efeito.
Resta saber se vai-se chegar a acionar os mariners ou se, como da última vez, esperam que seja apenas uma questão de inside job.

Mas se chegasse a isso, eu mesmo iria querer me tornar um "terrorista" e explodir a redação de alguns jornais aí...












...BAZZINGA.



(ai meu Zeus, ainda vão usar essa frase contra mim ainda. E aí vão descobrir que eu também meditei sobre o 11 de setembro. E vão descobrir que eu tenho um colega de trabalho muçulmano e já freqüentei a casa dele pelo menos duas vezes... socorro! )

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O papel da oposição

A respeito de "o papel da oposição" recente artigo de FHC publicado na revista Interesse Nacional:

O trecho polêmico no qual FHC afirma que o PSDB deva desistir do povão é claramente um erro político - aliás, erro muito infantil...Lula provoca em FHC as reações mais viscerais, coisa muito gozada de se ver.

O trecho polêmico diz o seguinte:

Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade. É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral. As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental. Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias. 

 Lula aproveitou, óbvio, para responder:

"Sinceramente não sei como alguém estuda tanto e depois quer esquecer o povão. O povão é a razão de ser do Brasil. E do povão fazem parte a classe média, a classe rica, os mais pobres, porque todos são brasileiros."

Frase bobinha e demagógica, mas adequada para o fato político.  Agora, a melhor coisa que vi sobre o assunto é a seguinte charge do Angeli:


Genial, não?

sábado, 9 de abril de 2011

Perdendo o respeito (ou "desventuras da idade")

(Wilbor, como sempre, postando atrasado sobre polêmicas velhas...)

Em um post de anos atrás, prestei minhas homenagens ao Ziraldo, pela importância de seus livros na minha formação.Desde então já li  e ouvi coisas terríveis sobre ele, já fiquei meio de saco cheio da "canonização em vida" que ele e várias outras personalidades (Chico, Caetano, Niemeyer e por aí vai) receberam, e das merdas que começaram a falar e fazer.
(tenho comigo que consagração excessiva não faz bem à produção de ninguém).

Mas também acho que muito é culpa da velhice. Se pensarmos, ela mistura fatores compreensíveis:
a) menor disposição e energia pra ver o que se passa e repensar suas posições
b) mais segurança e apego às próprias convicções
c) Menos respeito pelos que são mais jovens (afinal, eles "sabem menos")
d) Menos vergonha e menos necessidade de auto-afirmação pela aprovação alheia, sentindo-se a pessoa então mais livre para dizer o que der na telha
e) Menos disposição e paciência para receber críticas (devido aos motivos acima).

Não, não vou criticar a questão do milhão recebido por ele de idenização pela censura e prisão na época da ditadura. De todos os motivos pra se criticar, considero esse um dos mais babacas. O governo militar fodeu com ele. Fodeu muito mais com outros, que até hoje esperam justiça e que mereciam compensação muito mais que o Ziraldo. Mas isso não faz sua idenização injusta. PONTO.
Embora possa ser convencido do contrário, neste momento eu acho sinceramente que quem reclama do que ele recebeu se encaixa em pelo menos uma das alternativas:
a) não pensou muito no assunto;
e) não vai com a cara do Ziraldo (talvez até por bons motivos)
b) caiu no impulso sedutor de criticar "figuras consagradas" (o que tende a ser confundido como sinal de "independência intelectual" per se)
c) está com inveja;
d) tem ódio de figuras "de esquerda" em geral.


Não. O que eu pretendo criticar aqui é esta babaquice abaixo.


Cartaz do Ziraldo para o bloco de carnaval "Que merda é essa", que protesta contra a "sanitarização" da cultura infantil pelo "politicamente correto".
O gatilho pra tudo isso, segundo o que entendi, foi a polêmica em torno do fato do MEC desaconselhar a adoção de certos livros infantis de Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho incluso) do rol de livros obrigatórios no ensino público devido ao conteúdo racista de alguns trechos.
(de novo: desaconselhar a adoção como leitura obrigatória. Se você ouviu algum defensor de ocasião da liberdade de expressão dizendo histericamente que queriam proibir Monteiro Lobato, saiba que foi só isso mesmo: histeria.)

No desenho, Ziraldo tenta implicar que essa babaquice não cola aqui, que na verdade, no Brasil é tudo amor: no desenho estão juntos o cravo e a rosa (aqueles velhos cantiga fighters, lembra?); o gato e o pau (referência àquela velha tentativa de assassinato cantada que termina num berrô mi-áu); e Lobato e... a "mulata" que ele supostamente desprezava
(o carnaval une tudo: democracia racial pra ninguém botar defeito).

Igualar a questão do racismo do Lobato ao caso do "atirei o pau no gato" censurado é foda. Porquê?
Realmente, eu nunca quis atirar pau em gato algum só por causa dessa música. É, sim, "politicamente correta", boba, a alteração pra "não atire o pau no gato-tô". MAS: a comparação com Lobato aqui só seria realmente pertinente num mundo em  que gatos fossem sencientes e freqüentassem escolas... e que lá tivessem que aprender a cantar essa música. Substitua a letra por "a-tirei o pau no criou-lô-lô" e você talvez vá ter uma idéia do que quero dizer.

Pior ainda é fazer isso colocando a imagem de uma típica e desfrutável "mulata de carnaval".
Mas bem, sou suspeito de falar. Eu ODEIO o carnaval. Desde sempre. Ou, pelo menos, odeio a babaquice televisiva-merchandising-celebridade-machismo-pornografia que se faz passar por carnaval. (O resto, as festas e bailes e blocos de gente fantasiada e bêbada, eu só não curto, mas não me causam nenhuma indignação.)
A coisa é que Ziraldo, provavelmente sem querer, acertou: ESSA é verdadeira "democracia racial brasileira" que interessa -- democracia do branco na mulata gostosa.

A questão interessante é que Lobato era mesmo literalmente (e literariamente) racista.  Tinha desprezo declarado por mestiços: achava a mestiçagem uma degeneração racial, o fim da civilização, coisa que só gerava gente feia e burra. Mesmo.

Quem não acredita que Lobato tenha sido racista nunca leu muito a respeito dele -- ou não leu Sítio do Pica-Pau amarelo com muita atenção.
Eu li mais da metade da coleção entre os 09 e 11 anos. Gostava bastante. Algumas coisas eram meio antiquadas demais, mas ok, eu sacava isso. Mas havia alguns laivos racistas que, mesmo com 10, 11 anos, eu não pude deixar de perceber: alguns insultos raciais pontuais, simplemente grosseiros e gratuitos, geralmente destinados à Tia Anastácia, e geralmente proferidos pela boneca Emília. Minha impressão às vezes é que eles meio que visavam traçar uma linha, separando os "pretos" do resto. Suporte-os, faça-os personagem, até goste deles (em sua subalternidade); mas não se misture. É claro que isso não era a tônica dos livros, e havia muitas ambigüidades de afeto e desprezo. Mas os laivos racistas estão lá. São reais e sérios -- principalmente quando você pensa em obrigar crianças negras a lê-los.

Claro que Lobato estava longe de ser o único. Quem estudou só um pouco história das ciências sociais no Brasil vai saber do embate entre teorias racialistas que ocorreu no país entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Lobato é um exemplo delas, sem dúvida; haviam muitos como ele, homens letrados defensores da eugenia, para os quais a raça era uma questão crucial, de primeira necessidade, no desenvolvimento de uma nação e povo.

Mas ainda assim: pra mim, "politicamente correto" mesmo é dizer que Lobato era "simplesmente um homem de seu tempo". Ah, vá. Lobato era racista, PONTO. O Brasil inteiro era na época, verdade; mas Lobato, como se diz no Maranhão, era dicunforça. Elogiar a KuKluxKlan, mesmo que em carta íntima,  não é pra qualquer um.

A maneira leviana e chauvinista com que Ziraldo se comportou a respeito é de lascar. E ainda lascou essa em sua defesa: "racismo sem ódio não é racismo".O pior dessa é que, além de errada na aplicação (pois Lobato desprezava sim) é errada no princípio:  racismo não tem a ver com ódio, tem a ver com  poder.

E pior: ISSO vem de alguém que famoso e de referência por ser "de esquerda", meu deus.
Quer fazer piada, tem que ter graça, pelo menos.

Enfim, é o tipo de caso que faz você ir perdendo o respeito por figuras admiradas. O que é sempre triste, mas faz parte do crescimento.


... Se alguém quer saber mais sobre o caso e sobre o racismo monteirolobático, recomendo a Carta Aberta a Ziraldo, de Ana Maria Gonçalves: o mais completo, visceral e definitivo que já li sobre essa polêmica, e de onde tirei algumas informações.