Que felicidade tive de saber que ela voltou (mesmo que temporariamente). Aos poucos que lêem este nosso Wilbor aqui, recomendo: apareçam lá que a mulé é foda.
Coloco aqui um dos seus últimos textos, referentes à atual situação absolutamente escabrosa do atual segundo turno da eleição...
Não rifem mulheres por votos
por Marjorie Rodrigues
Eu sei que tá parecendo frescura, né. Cá estou eu reabrindo o blog de novo, porque alguma coisa me impele a escrever mais do que 140 caracteres. Mas essa eu não poderia, de jeito nenhum, deixar passar em branco. Porque, meus senhores, eu estou PUTA.
Devo começar dizendo que nunca uma eleição me deixou tão animada quanto essa. No domingo, acordei feliz da vida diante da possibilidade de elegermos nossa primeira presidenta. E já no primeiro turno! Ora, a eleição de uma mulher em primeiro turno, num país ainda extremamente machista (para ficarmos apenas em dois exemplos, lembremos que as brasileiras ganham cerca de 30% menos do que os homens para desempenhar o mesmo serviço e uma mulher é assassinada pelo ex-marido ou companheiro a cada duas horas) é algo dotado de carga simbólica importantíssima.
Mas mais do isso: estava feliz da vida porque, além de ser uma mulher, Dilma representa a continuidade de um governo que retirou milhões de pessoas da linha da pobreza, melhorou as universidades e tornou o Brasil um país com cacife no cenário internacional. Se esse governo tem erros? Ô. Melhor nem começar a listar o que me desagrada. É mesmo assunto à parte. Mas, para mim, não há dúvidas de que um projeto de governo baseado na idéia de inclusão seja anos-luz melhor do que o projeto sucateador do PSDB.
A vitória no primeiro turno, no entanto, não houve. Não há dúvidas de que isso foi um baque para muitos petistas. Eu, inclusive. Porque a gente estava muito confiante. O clima era mesmo de “já ganhou”. Então o que eu vi (nos outros e em mim, repito) foi uma sensação de medo de que as coisas não fossem dar certo. Ficamos assustados, acuados. O que raios causou essa tal de onda verde (que até então parecia somente uma marola… Será que fomos nós que, em cima do salto alto, não prestamos atenção?). E esses votos da Marina, héin, pra quem vão migrar?
E qual não foi minha surpresa ao ler por aí que um dos fatores (não é o único, óbvio) da tal onda verde foi uma reação religiosa contra a Dilma. Por conta daquestão do aborto. Na semana anterior à eleição, até eu recebi um spam. “Dilma desafia Jesus”, algo assim. Pastor não sei das quantas era o remetente. Sou das raras pessoas que têm a sorte de não receber spam de ninguém. E-mails do tipo corrente, powerpoint com crianças vestidas de repolho, não recebo nada disso. Porque eu sou chata mesmo e todo mundo que já me mandou essas coisas algum dia levou bordoada. As pessoas aprenderam que não gosto e me poupam. Mas veja só. Até eu, na semana anterior à eleição, recebi um spam desses. E não foi de parente nem de amigo, mas de um suposto pastor, completamente desconhecido. Ora, não tenho relação com nenhuma igreja, ninguém do meu círculo de amizades é religioso. Como raios descobriram meu e-mail? Mas, na hora, não dei muita importância a isso. Tratei mesmo como qualquer outro spam. Deletei sem ler e pronto. Sequer me passou pela cabeça que isso podia ser algo orquestrado, maior do que eu pensava.
Parece que até bilhetinho debaixo da porta as pessoas receberam. E veja só o conteúdo do bilhete. Que coisa horrorosa. Me deixa mesmo triste que o controle sobre a sexualidade das mulheres e dos homossexuais seja algo tão caro às pessoas, algo que desperte tanta ira, tanta raiva, a ponto delas guiarem seu voto primordialmente por isso. Me decepciona, me enoja, me desola que a minha liberdade e a liberdade de meus amigos e amigas homossexuais sejam tratadas por tanta gente como o fim do mundo. Com tantas questões importantes a considerar (moradia, saneamento, nutrição, educação…), é a patrulha sobre o corpo das mulheres a questão primordial para muita gente.
Embora 1 em cada cinco mulheres já tenha feito um aborto ilegal na vida e as complicações decorrentes de abortos clandestinos sejam a principal causa de morte materna, o pessoal prefere continuar condenando as mulheres. Privilegiando os direitos de uma vida cujo começo não pode ser definido (e cujo desenvolvimento depende do corpo de uma mulher) aos direitos da própria mulher, crescida, consciente, cidadã. Nada me diz mais que somos cidadãs de segunda classe do que essa inferiorização das mulheres em relação ao feto. Qualquer coisa é mais importante do que a gente, nossos corpos, nossas vidas, nossos sonhos. Qualquer vida, por menor e mais rudimentar que seja, é mais importante do que a nossa. Que a gente sofra criando filhos indesejados ou sendo obrigadas a dá-los para a adoção. Que a gente morra. Mas o feto é sagrado. A vida dele é sagrada. A nossa, não. Somos uma sociedade que assassina mulheres em prol do direito sagrado à vida. Coerência? Não trabalhamos.
Depois que fiquei sabendo disso, comecei a pensar que até que não é má idéia haver um segundo turno. Se Dilma fosse eleita já no primeiro, talvez nós, feministas, ficássemos otimistas demais. Um segundo turno que veio em grande parte por conta de um movimento conservador contra o aborto é algo que diz muito. É algo que nos lembra que, apesar de presidentas, apesar das conquistas, temos ainda um batalhão de coisas a derrubar. Um batalhão de preconceitos e tabus. Acredito que a eleição da primeira presidenta se torna, inclusive, mais rica com essas tensões tornadas assim, mais claras. PRa gente ter a exata noção do tamanho do passinho de formiga que a gente tá dando.
Que o brasileiro médio é conservador (e acredito que é conservador porque ignorante. Carece de uma discussão aprofundada, com informações corretas, livre de moralismos) e que os grupos religiosos têm força política enorme, eu já sabia. É preciso mesmo lidar com eles, se você quer ser eleito. Fazer política é ter jogo de cintura. É ceder aqui e ali, dar uma de sabonete acolá. Infelizmente, estamos longe de ter um Estado laico de fato. Por isso, o discurso de Dilma sobre o aborto deu uma boa amarelada ao longo da campanha: no começo, ela dizia ser a favor da descriminalização. Lá pra maio, mais ou menos, começou a afirmar que era pessoalmente contra o aborto — mas que era uma questão de saúde pública e nenhuma mulher o fazia obrigada. Agora, nos últimos meses, disse com todas as letras que é contra quaisquer mudanças na legislação atual. É claro que isso me decepciona. É claro que eu gostaria que ela não precisasse fazer isso. Mas vou engolindo, pensando “temos de ser práticos, primeiro a gente se elege, depois a gente luta”, e por aí vai.
Pois bem. Eis que essa manhã, André Vargas, atual secretário de comunicação do PT, twittou que o PT retirará a defesa da descriminalização do aborto de seu programa. Tá aqui a notícia ó, na Folha. Vargas ainda disse o seguinte: “Agora é hora de envolver mais dirigentes na campanha.Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas. Eu e outros fomos contra”. E pior: começou a retwittar mensagens de gente que dizia que não ia votar em Serra porque ele introduziu a pílula do dia seguinte! “O Brasil verdadeiramente cristão não votará em quem introduziu a PILULA DO DIA SEGUINTE que na pratica estimula milhões de abortos.SERRA”.
Ora, faça-me o favor! Até a pílula seguinte, uma das maiores conquistas das brasileiras nos últimos anos, ele quer retirar? Não me importa se André é uma voz isolada dentro do partido. Só sei que eu não aceito, não posso aceitar, que os direitos das mulheres sejam a primeira coisa a ser rifada em troca de votos. Não aceito, não posso aceitar, que os direitos humanos das mulheres sejam a primeira coisa a ser abandonada (as mulheres que se fodam. As mulheres que esperem mais um pouco). Que tudo seja prioridade, menos a gente. Não aceito, não posso aceitar, que o voto dos retrógrados, dos preconceituosos, daqueles de visão limitada, seja sobreposto ao nosso. Não aceito, não posso aceitar, uma guinada religiosa ferrenha como maneira de conquistar os votos que foram para Marina. Não é assim que a gente vai ganhar do Serra. Não podemos ganhar assim de Serra. Se é pra Dilma ser eleita, que seja mostrando que os 8 anos de governo Lula foram infinitamente melhores porque geraram emprego e renda. Que a gente tem uma alternativa melhor de país. Não assim.
Escrevo esse post, então, para anunciar que, embora eu queira muito, mas muito mesmo, ver a primeira mulher na presidência da república, O PT PERDERÁ O MEU VOTO DEPENDENDO DA GUINADA RELIGIOSA QUE TOMAR. Quero uma mulher, mas não quero uma mulher cuja campanha rife os meus direitos*. Vocês podem até tentar conquistar os religiosos. É compreensível e legítimo. Mas saibam que, dependendo de como o fizerem, estarão perdendo votos na outra ponta. Inclusive o meu — alguém que ao longo deste ano tem defendido ferovosamente** a eleição de Dilma.
Chega de servir cafezinho. Chega da questão feminina ser considerada uma questão menor, menos importante. Não podemos deixar que os nosso direitos sejam rifados. Nosso dever, neste segundo turno, é chiar. É nos fazer ouvir. É mandar o recado de que, “opa, não é por aí não, meu filho”. E é isso que estou fazendo aqui. Chiando. Espero que vocês chiem também.
*Não votei nem jamais votaria em Marina Silva justamente por causa disso — porque direitos humanos não podem ser rifados. Direitos humanos não são “pebliscitáveis”.
**oi, Dilmão é até a figura de fundo do meu twitter, hahaha
(Falta link para caralho nesse post, principalmente sobre os dados, né. Uma em cada cinco mulheres já abortou, uma mulher morre a cada 2 horas, blabla. Mas vai por mim. É tudo do meu TCC isso).
2 comentários:
Excelente texto, mas o estrago está feito.
A maior sacanagem do Serra ter trazido à tona o tema do aborto à campanha eleitoral, buscando os votos dos setores conservadores-religiosos da sociedade engessa qualquer possibilidade da eliminação da descriminalização do aborto no Brasil.
A discussão não permite posições simples do tipo "contra" ou "a favor" do aborto. Ninguém em sã consciência é "a favor" do aborto, mas contra a criminalização. Agora, como o objetivo maior é a eleição, as mulheres serão sim, rifadas mais uma vez.
Outra coisa na qual ninguém em sã consciência consegue acreditar é que o Serra seja contra a descriminalização do aborto, mas já deixou sua posição oficial muito clara.
O Hélio Schwartsman escreveu ontem, na Folha, o seguinte:
"As dificuldades surgem quando a religião se torna a justificativa para posições inegociáveis. Ao pautar a política por uma lógica espiritual, que opera com conceitos como o de pecado, o discurso religioso introduz absolutos morais em questões que não podem ser tratadas de forma dogmática ou maniqueísta sem negar a própria política.
Enquanto uma lei positiva se justifica por sua racionalidade, comporta gradações e pode ser objeto de negociação, o pecado, por ter sido definido por uma autoridade incontestável, vem na forma de pacotes inegociáveis. A própria lei de aborto, de 1940, é um exemplo. Ela veda o procedimento, mas prevê exceções (risco de vida para a mãe e estupro) que não são admissíveis na lógica puramente religiosa.
Utilizar absolutos na política -religiosos ou ideológicos- é ruim porque eles a descaracterizam como instância de mediação de conflitos. O remédio contra isso, como já intuíram no século 18 os "philosophes" do Iluminismo francês e os "founding fathers" dos EUA, é a separação Estado-igreja. É essa linha que fica meio borrada com a introdução da fé na corrida eleitoral."
Concordo.
É a volta do padroado... Por isso estou dizendo, como a autora do texto diz, também não acho bonito, apesar de justificável, a questão de negociar debates sobre a evolução de nossa legislação no que toca ao aborto, aos direitos humanos da mulher.
Mas querer o que, de pessoas que acabam temendo a Dilma por ter sido guerrilheira quando é isso que é exatamente o admirável.
Aliás, votar no Serra, independente de projetos e escandalos, simbólicamente é o retorno do conservadorismo. É a afirmação de que o povo é ignorante e pela dominação de massas ganhou mais uma vez em uma espécie de curralismo das informações, haja vista as duas últimas capas da Veja por exemplo...
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