Eu sei que de vez em quando a gente pega pesado com a religião aqui no blog. E por saber que é diferente discutir Deus e religião, é que evito escrever sobre Deus. Tenho dois motivos para isso:
Deus não existe.
Religião(ões) existe(m).
Bom, sobre o primeiro motivo, é o seguinte: a discussão sobre a existência ou não de Deus é desgastante e impossível. Provar a não-existência de Deus é tão impossível quanto provar a não-existência do chupa-cabras. E tentar provar a sua existência também é impossível. O problema, é que o fato de ser impossível que qualquer um dos lados vença a discussão não implica que a probabilidade da existência de Deus seja de 50%. De fato é bem menor que 50%. É zero. Isso não existe. Essa percepção, ao menos no meu caso pessoal, decorre da educação, da leitura, da cultura e da percepção de paradoxos intransponíveis na hipótese de um universo no qual essa criatura exista. Mas como essa discussão está acabada para mim, não vou me alongar nela. O motivo deste texto é outro: religião.
Nesta semana, o país ficou chocado com as declarações do arcebispo de Olinda e Recife, d. José Cardoso Sobrinho. Pra quem não sabe (bem-vindo a 2009), o cara excomungou uma equipe médica e a mãe de uma menina que foi estuprada pelo padastro dos 6 aos 9 anos de idade, quando acabou engravidando de gêmeos, gravidez esta considerada de alto risco dada a tenra idade da menina, e das consequências psicológicas do trauma de ter uma criança concebida por um ato de violência e covardia. O estuprador não foi excomungado, pois aos olhos da igreja católica, o “assassinato de duas pessoas inocentes” é mais grave que o estupro.
Quando li estes fatos (não sabia da não-excomunhão do padrasto), confesso que não dei muita bola. Abortos acontecem todos os dias – embora a maioria em condições muito precárias, infelizmente; e casos de estupro e atentado violento ao pudor associados à pedofilia também são uma triste realidade no nosso país (e em outros). Eu sei há muito tempo que quem compactua com aborto é excomungado, já fui inclusive avisado disso pessoalmente por um membro do clero. Sou um excomungado muito orgulhoso. Orgulhoso de não comungar com essa instituição medieval, perversa, racista, machista e corrupta. Sabendo de tudo isso, não dei muita bola quando soube da excomunhão dos médicos.
Agora...
Ao saber que o bispo declarou que o padastro não estava excomungado porque o estupro é menos grave que o aborto...caralho, o que é isso? Esse tipo de coisa nos mostra uma igreja tão, mas tão suja que é difícil entender como essa merda possa existir em pleno século XXI.
Pra deixar bem claro: excomunhão não importa, pelo motivo que já expus – nada disso existe. De qualquer forma, para algumas pessoas é importante, ainda que para os envolvidos seja melhor desejar a excomunhão mesmo. O problema é o sistema de valores empregados pelo bispo para “sentenciar” a excomunhão. A tempo: o arcebispo deixou muito claro que não é ele que excomunga...o indivíduo que compactua com o “assassinato” está automaticamente excomungada. Exatamente a mesma coisa que me foi dita há muitos anos atrás, quando relatei um caso semelhante que ocorreu aqui em Maringá com o d. Jaime Luiz Coelho.
Então, se o arcebispo não excomunga, se a excomunhão acontece automaticamente, pra que diabos ele precisa anunciar na mídia nacional a excomunhão de todos os envolvidos? Porque a necessidade desse bicho de tornar a situação em uma vexatória? É a santa inquisição...e há quem goste disso.
Que fique claro que o arcebispo tem o apoio da CNBB e do próprio Vaticano (obviamente).
Clicando neste link, vocês podem ler a carta de apoio do padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, presidente da pró-vida de Anápolis. Nada de especial nesse cara, só o fato de que foi a primeira defesa que eu achei online. Um trechinho para o deleite dos nossos estimados leitores:
“Em meu trabalho pró-vida, várias vezes deparei-me com casos de adolescentes ou crianças vítimas de estupro. Enquanto as feministas ofereciam aborto, nós, cristãos, oferecíamos acolhida, hospedagem, assistência espiritual e acompanhamento durante a gestação, parto e puerpério.”
“As crianças geradas em um estupro costumam ser alvo de um carinho especial de suas mães. Longe de perpetuar a lembrança da violência sofrida (como dizem alguns penalistas), o bebê serve de um doce remédio para o trauma do estupro.”
“Suponhamos que, de fato, o aborto pudesse "curar" alguém. Façamos de conta que, em alguma hipótese, o aborto seja "terapêutico". Estaríamos diante de um caso semelhante ao de uma mulher que, oprimida pela fome durante o cerco de Jerusalém (ano 70 d.C), matou e devorou o próprio filho recém-nascido.”
1 - Sim, a igreja sempre acolhe crianças concebidas de estupro e suas mães-meninas.
2 - Sim, bebês são doces remédios para o trauma do estupro, praticamente uma garantia de futura boa saúde mental.
3 - Minha nossa senhora!!!!!!
Agora, mudando um pouco de assunto (mas só um pouco), tem outra questão: ontem, o jornal do Vaticano “L'Osservatore Romano” publicou em suas páginas que “a máquina de lavar fez mais pelas mulheres que a pílula”.
Bem...o que isso quer dizer?
Primeiro, que lugar de mulher é na cozinha, na área de serviço...não votando, trabalhando e pensando (ou ainda celebrando missas). E pra não me acusarem de tirar a frase de seu contexto original, explico: segundo o artigo, enquanto a máquina bate a roupa, as mulheres tem tempo para conversar com as amigas e tomar um cappuccino. Pra quem quiser ler, tá aqui.
Quer dizer ainda que as mulheres devem engravidar sempre que seus maridos tiverem vontade de fazer sexo. Ou seja: mulher serve pra cozinhar, lavar, passar, parir, criar os filhos e se tiverem tempo, conversar com as amigas – e hoje graças ao desenvolvimento tecnológico elas têm, graças às máquinas de lavar, fornos de microondas e empregadas domésticas - e depende ainda de saber se as amigas também dispôem dessas coisas todas.
Sem muito mais a falar do assunto, coloco algumas questões:
1 - Será que a igreja acha uma boa idéia que estupradores usem camisinha ao violentar menininhas?
2 - Será que a igreja pensa que um mundo muito mais populoso será melhor?
3 - Será vontade de Deus a gravidez de uma menina de 9 anos que é estuprada há 3 engravide e seja obrigada a abrir mão da infância e futuro?
4 - Que Deus é esse? Porque tamanha adoração a uma criatura tão malvada?
Essa história toda me fez lembrar o Paulo Maluf ao declarar o seu famoso “estupra mas não mata”. Pra quem não lembra ou não conhece esta história, taí um vídeo.
Pro bispo seria: “Estupra, mas sem camisinha...e vê se não mata”
Este post é um tanto virulento, admito. Mas não devo desculpas a ninguém, especialmente aos pouquíssimos apoiadores de verdade dessa instituição que é uma das maiores assassinas da humanidade. A igreja católica, se afasta cada vez mais da sociedade, por não ser hábil o suficiente para se inserir num mundo onde a tendência e o desejo geral é a paz e a tolerância. E na qual o paradigma, ainda que nem todos admitam, é o conhecimento filosófico-científico. Toda vez que a igreja exprime opiniões contrárias à lógica científica, acaba enfiando as patas traseiras pelas dianteiras.
E tudo isso, me leva a crer que tem razão mesmo é o Dawkins. A idéia de “Deus” não passa de uma muleta psicológica da qual já temos ccondições de nos livrar, trata-se de um resquício cultural de uma época dominada pelo obscurantismo e pela falta de divulgação do conhecimento científico (ou do próprio conhecimento).
Religião pode ser boa para algumas pessoas? Sim. Mas em sua essência representa a vontade política de dominação cultural e a necessidade de sobreviver de uns homenzinhos indecentes, decadentes e retrógrados.
Não quero isso para os meus filhos, não quero isso para a minha sobrinha, não quero isso para ninguém. Religião nenhuma tem autoridade moral para ditar a moral. Obviamente, com a situação posta e, entendendo o “espírito do tempo”, é perfeitamente compreensível que a geração atual ainda esteja muito impregnada dos dogmas religiosos, mas por sorte, o progresso sócio-econômico, universalização do ensino e da ciência provavelmente tratarão de, lentamente, levar a humanidade para uma nova época, mais racional e certamente mais humana.
Não precisamos de uma instituição que declare que mulheres são inferiores, que homossexualismo é uma doença (apesar de ser bastante leniente com os casos de pedofilia entre seus sacerdotes) e que meninas de 9 anos devam se sujeitar a uma gestação iniciada num estupro ou que queira dizer, baseada em merda nenhuma onde começa, onde termina a vida e o que devemos fazer dela.
Tá certo, existem religiões ainda piores...mas não justificam a escolha óbvia por uma outra que seja horrível nesse grau. A melhor opção, certamente, é o ateísmo. Pelo menos pra quem deseja paz de espírito e consciência tranquila.
4 comentários:
Olhando agora, com o post já publicado...o bispo até lembra um pouquinho o Maluf, né? Tem aquela qualidade de político no traço do Angeli.
Hehehe...o botãozinho de play do video do Maluf ficou em cima da boca dele...deviam pregar um mesmo.
Nossa. Essa história foi muuuito foda, Marcelo... é um daqueles momentos que merecem todas as suas críticas. Surreal.
Bom é o bônus do "estupra mas não mata", de que eu só havia ouvido falar... o Maluf é o cara!!
(se eu fosse filha do Maluf ficaria puta da vida de aparecer no programa justamente daquele jeito, hehehe)
Marcelo, eu estava relendo o seu texto, agora com mais atenção... e, com o perdão da auto-pagação-de-pau pro nosso blog, é muito bom.
A argumentação inicial, em especial, foi muito bem construída.
(Vais ser um senhor professor!hehehe)
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