quarta-feira, 1 de julho de 2015

O que é um casamento?

Há na vida posicionamentos que defendemos com diferentes graus de convicção.
Existem causas e posições complexas, multifacetadas; ações que envolvem múltiplas ramificações e consequências, boas ou ruins. Há coisas que defendemos sem, contudo, deixar de entender porque outras pessoas desconfiam ou desacreditam delas; sem deixar de compreender que há aspectos negativos que podem e devem ser levados em conta.

Posso, por exemplo, entender argumentos -- ou ao menos o princípio ou em ideais -- defendendo diminuição irrestrita do estado, liberalização econômica e etc.
Embora seja indubitavelmente "de esquerda", há muitos vícios de atitude e posicionamento esquerdistas que por vezes me incomodam; alguns desses vícios são constantemente apontados por aqueles de "direita", em diferentes graus.
(aliás, exercício de paciência: mesmo nos oponentes mais falaciosos, raivosos  ou ignorantes pode-se eventualmente encontrar algum grão de crítica válida com a qual melhorar a nós mesmos)

Há, enfim, posicionamentos políticos difíceis que necessitam constante revisão e revisitação.

O apoio ao "casamento gay" não é um deles.

Na verdade, é particulamente fácil aderir à "causa" neste caso: trata-se de uma medida pequena, clara e específica. Não é à toa que viu-se uma chuva de arco-íris nas redes sociais.

O que é um casamento, essencialmente, hoje?

É tomar uma pessoa de fora de sua própria família -- de seus próprios "laços de sangue" -- e declará-la mutuamente e de comum acordo como, a partir de então, sua nova família. Aquela pessoa passa, a partir de então, a ser tão ou mais importante LEGALMENTE falando que as demais pessoas com quem você divide consanguinidade efetiva.
Um casamento é, nesse sentido, semelhante a uma adoção  (em que você toma uma criança sem parentesco de sangue e faz dela seu filho); mas com um status completamente igualitário de deveres e direitos entre as partes
(pelo menos desde que as mulheres deixaram, graças a zeus, de serem oficialmente tratadas como mesinha de centro.)

Duas pessoas, no meio de todo o mundo, resolvem declarar legalmente ao resto do mundo que são mutuamente mais importantes um para o outro do que o resto do mundo.
Não há porque negar isso a pessoas homossexuais.

A posição contrária ao casamento igualitário é, para mim, límpida e claramente indefensável, por qualquer ângulo lógico. Não há, de nenhum ponto que eu tenha podido vislumbrar, alguma objeção à união homoafetiva que não seja fruto de ignorância, preconceito, estupidez ou mera hipocrisia.

Ignorância a respeito do que está em jogo nesse casamento, ou do que faz uma pessoa ser homossexual; preconceito a respeito  dos homossexuais como seres deficientes (na melhor das hipóteses) ou perversos e corrompidos (na pior delas); estupidez e hipocrisia pela incapacidade de ver neles o espelho de sua própria condição humana e achar -- vejam só! -- que seu próprio casamento está sendo desvalorizado ou ameaçado por eles.

(Na falta de motivos reais e racionais, a ignorância, o preconceito, a estupidez e a hipocrisia se travestem com frequência, desde a aurora dos tempos, de mero "respeito à tradição" ou de "fé".)

Conheço (e gosto) de muitas pessoas que provavelmente devem estar se opondo ou se horrorizando (silenciosamente ou não) ao casamento igualitário. E, independente de gostar delas em muitos aspectos, tenho a mais límpida e simples convicção que, neste ponto, elas estão moralmente, intelectualmente, humanamente erradas.


Um comentário:

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Belo texto Gabriel! Apenas um reparo sem qualquer importância para o texto: o critério de não-consanguinidade não serve para casamento ou adoção...tenho exemplos de ambas as coisas na minha família, um extremamente próximo de adoção, dentre vários desta modalidade...casamentos, ao longo da história dos Silveira Reis (fartamente documentados) são no mínimo uns dez...

Gozado que com isso a sociedade, igreja ou os legisladores nunca tiveram muito problema, né?