quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Territórios Estéticos"

Como a recente lentidão apresentada por este blog pode atestar, este tem sido um ano muito louco para mim e para o Marcelo. Um exemplo é este post mesmo: se refere na verdade a fatos que, ainda que caracterizando-se como "Wilbor material" e de suma importância na minha vida, são de mais de um mês atrás e só tive disposição de relatar agora. (Essa lentidão também atesta o quanto plataformas como o facebook e o google+ tem substituído completamente blogs no que se refere a simples links e comentários cotidianos, mas isso é outro assunto).

De minha parte, posso dizer que 2011 provavelmente foi o ano mais ocupado de minha vida até agora, principalmente no primeiro semestre. (O Marcelo pode contar as histórias dele depois, se o interessar :) )
Aquilo que talvez mais tenha me enlouquecido neste ano não foi, como geralmente pensam, fazer o doutorado sem um afastamento de meu trabalho; foi fazer essas duas coisas juntamente com a revisão,  produção e finalização de meu primeiro livro (acadêmico), que teve seu primeiro lançamento no começo de outubro (na Livraria da Vila, em São Paulo) e seu segundo em novembro (na Livraria Blooks, Rio de Janeiro). 

(a capa é minha mesmo, a partir da foto original de Eduardo Londres Pinha)

"Territórios Estéticos: a experiência do Projeto Arte/Cidade em São Paulo", publicado pela editora Annablume,  é o fruto de minha dissertação de mestrado feita na USP em 2006, sobre o Projeto Arte/Cidade. Boa parte do texto -- e aí precisamente está a origem dos cabelos brancos que ganhei a mais no primeiro semestre deste ano -- foi praticamente reescrita para um conjunto mais enxuto e adequado ao formato público de livro. (Se funcionou, os leitores que julguem.)

Hoje eu penso: esse livro, esse estudo e esse assunto como um todo tomou tanto tempo da minha vida... e, ainda assim, nunca foi discutido aqui no blog. Acho que isso se deve, em primeiro lugar, à restrição natural ao próprio assunto, que é muito "para iniciados". Por outro lado... "acessibilidade" de conteúdo raramente orientou a pauta deste blog, como podem atestar as (literalmente) centenas de posts obscuros que já colocamos aqui. Assim, concluo que a questão se refere mais à "seriedade" pronunciada do assunto e do tom com o qual o tratei... e, em especial, um pouco  da minha necessidade, nos anos após o término de meu mestrado, de me afastar, "exorcizar" aquele tema e assunto da minha vida.

Mas bem, é ora de fazer um pouco de justiça e dedicar um espacinho ao assunto. Pra começar, segue a orelha do livro:
Na última década do século XX, observou-se a retomada do interesse pelas atividades de intervenção artística em espaço urbano e sua crescente legitimação junto à mídia e instituições. O Projeto Arte/Cidade é o exemplo por excelência desse momento no Brasil, marcando época pela proposta de novos formatos de mega-evento e grandes equipes multidisciplinares, constituindo ponto exemplar de confluência entre tendências da arte e do urbanismo. Tendo em vista a particularidade e influência dessa experiência, o livro de Gabriel Girnos procura abarcar a complexidade de Arte/Cidade, presente não apenas na variedade de locais e formas de seus eventos, mas também nas mutáveis circunstâncias em que se deram. Seguindo as 4 edições do projeto em São Paulo, o livro enfoca propostas, conquistas e impasses por ele inaugurados, transitando assim por dimensões como o discurso curatorial, as motivações artísticas contemporâneas, os meandros organizacionais da produção cultural e os interesses materiais em torno do espaço da capital paulista. Considerando o contexto de protagonismo dos grandes centros urbanos na globalização e a crescente instrumentalização mercadológica da cidade e da cultura no fim do século, o estudo toma o Projeto Arte/Cidade para pensar possibilidades e limites das práticas artísticas recentes como forma de reflexão sobre a cidade.

Para uma idéia mais precisa do que faço no livro, segue um recorte da introdução.
O estudo que deu origem a este livro surgiu de um duplo sentimento de fascínio e inquietação. Fascínio pela especificidade da metrópole contemporânea e as percepções que se constituem nela e pelas relações entre estética e política nas artes e linguagens; inquietação pelo lugar que esses fatores ocupariam na virada deste milênio — um momento histórico em que a cidade e a cultura teriam se tornado protagonistas de uma primazia crescente de lógicas de mercado e consumo sobre as atividades humanas. Esse sentimento duplo, por sua vez, convergia para um questionamento sobre as possibilidades da linguagem tanto de desvendar e criticar quanto de confundir e reificar a cidade. Na busca por explorar esta questão, direcionou-se o olhar para um caso que oferecia uma sobreposição rara de aspectos e aporias envolvendo cultura, política e cidade na contemporaneidade: os eventos do Projeto Arte/Cidade na cidade de São Paulo.
Iniciativa cultural coordenada pelo curador e filósofo Nelson Brissac Peixoto desde 1993, Arte/Cidade permanece até hoje a mais ampla e ambiciosa experiência de intervenção artística em espaço urbano realizado no Brasil. Com quatro grandes exposições na capital paulista entre 1994 e 2002 — Cidade sem Janelas (1994), A Cidade e seus Fluxos (1994), A Cidade e suas Histórias (1997) e Arte/Cidade Zona Leste (2002) — o projeto caracterizou-se em geral pela ocupação de espaços abandonados, degradados ou problemáticos com intervenções temporárias de artistas de múltiplas áreas e linguagens. Também incluiu sempre um amplo conjunto de atividades relacionadas a essas mostras (workshops, ciclos de debates, exposições secundárias, publicações e documentários), mobilizou a colaboração de diferentes profissionais (filósofos, cientistas sociais, historiadores, jornalistas, engenheiros, músicos, fotógrafos, videomakers, arquitetos e artistas plásticos) e recebeu grande atenção por parte da imprensa cultural e do meio intelectual.
O interesse e relevância de Arte/Cidade já seriam visíveis em sua amplitude e multiplicidade, condensando e entrecruzando discussões nacionais e internacionais de campos como as artes visuais, a filosofia e o urbanismo. Mais que trazer obras ao espaço urbano, afinal, as edições do projeto em São Paulo se caracterizaram como eventos tanto na cidade quanto sobre a cidade, recortando-a como objeto de percepção e assunto a ser discutido e elaborado — inserindo-se diretamente, portanto, no campo dos discursos e reflexões sobre o espaço urbano. Além disso, porém, há uma ambivalência que faz do projeto um objeto particularmente instigante para se pensar relações entre estética, política e cidade: como uma iniciativa de curadores — idealizada a partir do uma perspectiva organizacional e institucional — a história de Arte/Cidade em São Paulo inclui necessariamente dimensões tanto de experiência artística quanto de política cultural. Por um lado, uma multiplicidade de comentários e elaborações estéticas e intelectuais sobre o espaço urbano; por outro, um megaevento artístico que precisou construir-se e viabilizar-se num contexto particular de políticas urbanas e culturais.
(...)
Conforme o estudo se desenrolou, tornou-se cada vez mais evidente tanto a complexidade do conjunto Arte/Cidade quanto a especificidade de cada um de seus eventos. Tornou-se especialmente clara a ocorrência de mudanças substantivas na sucessão de suas edições — de abordagem, de práticas e de discurso — que precisavam ser compreendidas. Mais que simplesmente trocar de local, tema e participantes, cada evento superou o anterior em escala de intervenção e amplitude de questões tratadas; embora tenha surgido em uma instituição governamental — a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo — as últimas e maiores edições de Arte/Cidade foram organizadas por uma associação independente, o Grupo de Intervenção Urbana; e, embora iniciado como um evento orientado essencialmente para questões artísticas, ele rumou aos poucos para discussões de urbanismo e política urbana. Tal percurso, por sua vez, implicou em mudanças tanto organizacionais como de horizonte a respeito da cidade e da arte, tornando a história do projeto ainda mais interessante do ponto de vista das relações entre estética, política e cidade.
(...)
O desenvolvimento do Projeto Arte/Cidade é examinado aqui, enfim, principalmente em sua face de intervenção discursiva na cidade e sobre a cidade num determinado contexto de debates e ações em torno da cultura e do espaço urbano. Ele é interrogado politicamente como um grande evento que ocasionou uma série de enunciados urbanos, de recodificações temporárias de espaços metropolitanos e de intervenções numa esfera de debate e visibilidade pública. A escolha por uma ênfase política, por sua vez, implica em procurar ter em vista sempre as condições conceituais, pragmáticas e ideológicas em relação às quais sua experiência se constituiu; e também significa privilegiar a identificação e discussão de aspectos por vezes ambíguos, contraditórios ou dissonantes contidos na mesma.

Distribuição dos locais ocupados pelos eventos em São Paulo. (É, foi beeem grande.)

Acho que qualquer pessoa não familiarizada com esse tipo de assunto iria perguntar, pelo menos: "Ok, mas o que quer dizer 'intervenções artísticas em espaço urbano'? Que tipo de ´intervenções´ seriam essas, afinal?"
Pra dar uma leve idéia: obras como os lambe-lambes de Arnaldo Antunes,  Periscópio de Guto lacaz (no que hoje é o edifício do Shopping Light, no Vale do Anhangabaú), o Detetor de Ausências de Rubens Mano (no Viaduto do Chá, no mesmo Vale), as torres acobertadas de vermelho no abandonado prédio do Moinho Central, os vagões suspensos de Zé Resende (junto à Radial Leste), ou o espaço de convivência para moradores de rua, sugerido pelo americano Vito Acconci... entre uma imensa variedade de outras.
Lambe-Lambe (Quero)
Periscópio
Detetor de ausências

Equipamento para moradores de rua.
Vagões


Pra concluir, acho importante lembrar que os anos que me embrenhei em estudar tudo isso marcaram um afastamento em relação à arquitetura propriamente dita; mas, por outro lado, também marcou uma aproximação em relação ao pensamento sobre a cidade e, mais especificamente, a metrópole.
É interessante ter isso em perspectiva, vendo-se minha reaproximação recente à arquitetura e as coisas que farei e estudarei daqui para frente... (sobre isso, falaremos mais no futuro)


P.S.:
Acho importante frisar dois locais-alvos antigos dos eventos de Arte/Cidade que bem recentemente encontraram (ou talvez encontrem) seu fim: o Edifício São Vito, demolido em 2010; e o terreno do abandonado Moinho Central, no qual se estabeleceu a Favela do Moinho, que -- muito convenientemente para alguns, deve-se acrescentar -- ardeu em chamas na semana passada.

Moinho Central, já com sua favela, em 2001...
São Vito em 2002... ainda o famoso cortição "Treme-treme".

P.S.2: Para quem se interessar mesmo em saber mais do assunto, recomendo consultar o site do projeto, e coloco aqui os vídeos que encontrei disponíveis na internet.

- As 4 partes do documentário da Rede 21 sobre o terceiro Arte/Cidade, em 1997:













- O Vídeo de Renata Marquez sobre o quarto Arte/Cidade, de 2002.

Arte/Cidade Zona Leste from Renata Marquez on Vimeo.

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