segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ciência para crianças - respondendo perguntas imbecis

Não custa citar Carl Sagan mais uma vez: "não existem perguntas imbecis."

Quem me conhece pessoalmente já me ouviu dizer que esse é um capítulo que penso ser fundamental na obra prima do astrofísico americano.  Será leitura obrigatória nas minhas futuras e imaginárias aulas, provavelmente na abertura do semestre.

Esse texto é uma reflexão sobre o analfabetismo científico norte-americano - nós estamos em situação pior, garanto.  Independentemente das políticas educacionais e da quantidade de recursos investidos na educação, Sagan identifica um problema que parece estar na raiz do analfabetismo científico, seja aqui, seja lá, seja em qualquer lugar: em algum momento de nossas vidas, somos reprimidos em nossa vontade de fazer perguntas.  Pior ainda: somos reprimidos nas perguntas mais fundamentais: os "porquês".

Normalmente a repressão à pergunta mais importante de todas, tem início na ignorância dos pais - uso o termo "ignorância" em seu sentido mais literal, o do não conhecimento.  Quando a ignorância se alia à impaciência, temos um resultado desastroso.

Exemplos de perguntas "imbecis":

- Por que as coisas caem pra baixo?
- Por que o céu é azul?
- Por que a gente não ouve com a boca?
- Cachorro pensa?

A maioria dos adultos provavelmente não têm respostas para essas perguntas, ou, ao menos, não têm respostas satisfatórias.  Não há qualquer problema em desconhecer as respostas dessas perguntas, desde que se assuma o papel de auxiliar a criança a buscar as respostas, ou pelo menos, que a reação não seja no sentido da censura.  Não é incomum ouvir um adulto dando uma bronca numa criança após o terceiro "porquê" ou simplesmente dando a bronca "pare de perguntar bobagens" ou qualquer coisa parecida.  Vejam bem, provavelmente esses adultos também tiveram suas perguntas censuradas, e em algum ponto da vida, passaram a achar que certas perguntas não devem ser feitas porque são "muito bobas".  Respostas piores ainda são as seguintes:

- Porque sim.
- Porque eu tô dizendo.
- Porque Deus quis.

A criança teria, em tese, uma segunda chance de ter suas perguntas respondidas: a escola.  Porém, o ambiente escolar pode ser, muitas vezes, ainda mais repressor.  Além da possibilidade de alguns professores não serem capazes de responder perguntas básicas sobre ciência - normalmente professores do ensino fundamental têm formação científica muito fraca - os colegas sabem identificar, quase que imediatamente, as "perguntas imbecis".

A não ser quando percebemos esse ciclo vicioso, essa censura às perguntas mais fundamentais nos acompanha para o resto da vida.  Não é raro que estudantes universitários deixem de fazer perguntas básicas por vergonha de serem considerados burros.  Não consigo me lembrar, no momento, de nenhum exemplo recente, mas estou certo de que alguns colegas da graduação em Geografia não compreendiam conceitos básicos, como "bacia hidrográfica", "orogênese" ou "território"...certamente alguns quiseram perguntar o significado disso tudo e acharam melhor não o fazer.  Algumas dessas pessoas serão professores de Geografia, e certamente se um dia forem questionados sobre coisas básicas, não saberão responder de forma clara; terão como saídas a esquiva, a reprimenda ou a enrolação.  Não que eu pense que ninguém pode ser honesto e dizer que não sabe como definir o que é "rio", mas estou assumindo que a vasta maioria dos geógrafos que não foram capazes de perguntar durante a graduação não estarão dispostos a assumir, numa sala cheia de estudantes do ensino fundamental, que não sabe explicar porque rios existem.

Hoje fiquei sabendo, através de um artigo de Hélio Schwartsman, que Richard Dawkins lançou um livro de ciência para crianças:



O título, em inglês é: "The magic of Reality: How we know what´s really true".  O livro ainda não foi lançado no Brasil, mas muito provavelmente será traduzido, e o título ficaria assim, em tradução literal: "A magia da realidade: como sabemos o que é realmente verdade".

As ilustrações parecem ser muito bonitas, e a versão para iPad tem animações e joguinhos...devem ser extras fantásticos, mas acho que a versão em papel já será suficiente e de grande valia pra muita gente.

Segundo o pouco que li, a abordagem de Dawkins consiste em mostrar o quão elegantes são as explicações científicas para as perguntas propostas, e certamente como essas respostas são mais satisfatórias que os mitos que foram criados para explicar os mesmos fenômenos (que também são apresentados).  Dawkins é capaz de explicar a biologia com uma habilidade rara, o quadro da evolução pintado por ele é uma obra de beleza ímpar.  Posso dizer o mesmo do Cosmos de Sagan e Hawking e da mente de Nicolelis.

Morando em São Paulo pude acompanhar visitas escolares guiadas a muitos museus, e testemunhei muitas vezes o encantamento das crianças quando recebem respostas precisas e informações bem dadas sobre as coisas que vêem.  Muitas vezes resolvi parar a minha própria visita para acompanhar as visitas das crianças, ouvir suas perguntas e as respostas dos guias dos museus paulistanos - normalmente excelentes.  Tem sido uma experiência gratificante e creio que vai me ajudar a entender quais são as perguntas que ficam entaladas nas gargantas dos adultos e nunca são feitas.  Me faz entender melhor a razão pela qual os bons professores não deixam de repetir as coisas bobas e óbvias muitas vezes antes de mergulhar nas coisas mais complexas.

Mesmo sem ter lido (comprarei com certeza), sei que esse livro de Dawkins constitui uma obra fundamental para a alfabetização científica - não só infantil, mas também de adultos.  Praquelas pessoas que sentem que não há mais clima para perguntar a razão pela qual as coisas não caem pra cima, certamente vale a pena ler junto com seus filhos.

Bacana né?


P.S. Vai ter gente achando (de novo) que o Dawkins é abusado e arrogante...que essas pessoas fiquem falando sozinhas ou entre si, que eu já não levo mais a sério gente que acha que evolução ou deriva continental sejam "só idéias".  Vão acusar Dawkins de tentar doutrinar crianças...pra deixar claro: "doutrinar" crianças com fatos científicos tem nome: educação.  Moralmente questionável seria ensinar mitos e histórias não comprovadas como se verdade fossem, não é mesmo?  Há quem faça isso.

2 comentários:

Gabriel G; disse...

Ilustrado pelo DAVE MCKEAN????

Vou comprar esse livro, com certeza.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Bom ter parceiro quadrinhófilo...não fazia a menor idéia de quem fosse o Dave McKean, aí vi que ele ilustrou o Coraline.

Sendo assim, talvez valha a pena comprar a versão britânica...vai que na brasileira amontoam aquele monte de páginas coloridas no meio (embora isso pareça improvável em livro voltado para um público infanto-juvenil). Agora, se for um livrão (tem umas 200 páginas) colorido e grande, vai custar caro por aqui. Nos EUA tá US$16,00.