Vamos embasar a discussão com cinco teses:
- A guerra contra as drogas foi perdida. O uso de drogas ocorre desde os primórdios da humanidade, e até mesmo entre animais um exemplo curioso disso pode ser visto aqui;
- O uso de drogas é problema de saúde pública, não de polícia. O abuso dessas substâncias pode levar a problemas de saúde - físicos e psiquiátricos. Esses usuários devem ser tratados, não presos;
- A proibição das drogas só beneficia os traficantes. A proibição faz de seu comércio um crime e do traficante um empresári com domínio total sobre uma indústria que movimenta bilhões de dólares e leva a outros crimes. Além disso, coloca o usuário em contato com criminosos.
- A proibição das drogas não inibe o seu consumo. Meio óbvio, uma vez que as pessoas usam drogas;
- Campanhas publicitárias e políticas públicas direcionadas podem reduzir o consumo de drogas. O melhor exemplo disso é a diminuição do consumo de tabaco - droga lícita.
Pois bem. FHC agora diz tudo isso em mais um pouco no documentário "Quebrando o tabu", do meio-irmão do Luciano Huck:
Bem, nada contra, aliás, acho ótimo que uma pessoa da relevância do nosso intelectual ex-presidente participe desse debate. Agora, não é estranho que FHC assuma essa postura agora?
Eu não cobraria dele que tivesse feito alguma coisa durante o seu mandato, uma vez que no Brasil os fins eleitorais aliados à covardia da nossa classe política impeçam mudanças desse tipo...o exemplo mais recente é o atraso na discussão do aborto provocado pela campanha de José Serra, mas isso são outros quinhentos...agora, voltemos a analisar a posição de FHC:
O ex-presidente diz que faz parte do grupo de "fumou, mas não tragou". E que a única droga que experimentou foi lança.
Sinceramente, eu acredito nele.
Agora, ao ser questionado sobre o porque de sua inação sobre o tema em sua presidência, a resposta me parece menos honesta: afirma que na época não tinha a mesma consciência sobre o tema - justificativa que aparece no trailer - aliás, não é estranho que Clinton e Dreifuss apareçam falando sobre o problema e FHC se justificando?
Ora, presidente...
É possível acreditar que FHC, o intelectual de Sorbonne tivesse opiniões formadas sobre tudo à época de seu governo mas não sobre a gravidade do problema do uso de drogas, especialmente tendo sido presidente durante a implantação do Plano Colômbia? Pergunto pelo seguinte: as cinco premissas apresentadas no início desse post não são novidade alguma. Desde quando se defende a legalização da maconha? Desde quando a Holanda permite o uso em Coffe Shops? Desde quando existem alunos de ciências humanas?
Finalmente: FHC não é um intelectual qualquer. É um intelectual uspiano. E não um uspiano qualquer: é um uspiano da FFLCH, o habitat natural do bicho-grilo.
Como foi colocado anteriormente, acredito que FHC nunca tenha experimentado maconha...nem todo mundo o fez. Agora, na condição de sociólogo, estudante e depois professor da USP, na FFLCH, creio ser impossível que ele não tenha tido contato com usuários de maconha e com a discussão da legalização. Logo...
Não pode ser verdade que durante sua presidência FHC não tivesse consciência das posições que adota agora.
Isso nos leva a uma questão: se FHC está assumindo uma postura corajosa, ao defender a descriminalização e regulamentação das drogas, porque não escolher uma resposta do seguinte tipo:
"No período de minha presidência, havia uma pressão muito forte do EUA pela repressão contra as drogas, culminando no plano Colômbia. O Brasil não estava em condições de se colocar contra essa política."
Vejo duas possibilidades:
1) Não cairia bem para FHC, afirmar que o Brasil não poderia bater de frente com os EUA nos fóruns internacionais num debate global sobre a política de repressão às drogas.
- na minha opinião, essa possibilidade é meio boba: de fato o Brasil não costumava peitar os EUA, mas ninguém jamais se envergonhou disso...o problema talvez seja a comparação com o governo de seu sucessor não-intelectual, seu sucesso junto à opinião pública e esquecimento dos avanços de seu governo.
2) FHC faz parte de um grupo chamado "The Elders", algo como "Os Anciãos". Trata-se de um grupo de lideranças globais, todos membros da inteligentsia global - coisa certamente inalcançável para Lula, logo, porto-seguro para FHC. Entre os Anciãos (são apenas 11!!), estão Nelson Mandela, Jimmy Carter, Desdmond Tutu e Kofi Annan. O grupo tem uma clara inclinação liberal, e vários deles aparecem no documentário do filho do Mário de Andrade. Talvez ficasse mal se postar contra um posicionamento liberal do grupo...mas certamente não foi isso: melhor que agir passivamente, não se postando contra, que tal liderar os anciãos numa cruzada pró-maconha? Isso garantiria a FHC novamente o status de liderança global em um tema de grande relevância.
Bom, é isso. Certamente assistirei o documentário recordista de captação de recursos da Lei Rouanet, provavelmente concordarei com a discussão e tudo mais...mas é meio esquisito. Mas legal, valeu Fernandos!
5 comentários:
Simão é foda:
"E um amigo do Simão mandou um recado para o ex-presidente: `Avisa o FHC que a última vez que eu fumei maconha eu votei nele!´ Rarará!"
Ótimo texto, Marcelo! Já tava demorando pra ver de novo, hehehe.
Concordo com tudo. Só tem uma coisa, que na verdade não altera em nada suas conclusões: FHC é aposentado desde os tempos da ditadura. Ele foi professor da FFCL, e não da FFLCH. A época dele na USP foi quando a Faculdade de Filosofia ficava na Rua Maria Antônia, antes de ser passado para a Cidade Universitária -- passagem que até hoje muitos uspianos associam ao controle por parte da ditadura, e que se deu após um quebra-pau homérico com o CCC McKenzista no fim dos anos 60.
Mas tenho certeza que o povo já chapava o coco lá na Maria Antônia -- embora talvez de maneira bem mais discreta, uma vez que se estava lá no meio da cidade...
Pelo nome, creio que o tal diretor do documentário é meio-irmão do Huck por parte da mãe, Marta Dora Grostein -- que é professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Acho importante marcar, só pra não confundir os leitores, que o "Mário de Andrade" citado como pai não é o "Mário de Andrade" macunaímico, mas só um jornalista homônimo.
Muito bem lembrado Gabriel...desatenção minha esquecer da FFCL, aliás, da época de graduação do meu pai (1963-66). A história da guerra da maria Antônia é uma barbaridade, acho que mais adiante até escreverei alguma coisinha a respeito, num post sobre minhas impressões da FFLCH.
De qualquer forma, como você apontou, certamente se fumava muita maconha na FFCL.
Quanto ao Mário de Andrade, é bom deixar claro que não é só um jornalista homônimo do escritor: esse aí é um dos grandes da abril...esse fato foi destacado na reportagem da Folha para deixar claro que a vida do Fernando talvez tenha sido facilitada por conta de ser quem é.
Outra coisa: os líderes do PSDB estão preocupadíssimos com o filme.
Tenho um palpite de que FHC quer mais que eles se fodam mesmo, uma vez que em nenhuma das últimas 3 eleições foi feita uma defesa firme das conquistas de seu governo.
Mas creio que não podem ser postas todas as drogas em uma mesma sacola... Como diz a propaganda de cigarro, "não há consumo seguro desta substância" e de algumas não há mesmo...
Agora quanto ao tratamento como caso de saúde pública, isso sim, mas cara é tanta coisa que é e deveria ser e tanta coisa que não deveria ser de acordo com a racionalidade (não estou falando de corrente filosófica e sim no sentido corrente da palavra) que até desanima... O menor infrator, p.ex., também até se poderia aumentar o tempo de reclusão da medida socieducativa. Mas onde colocar tanta gente? E mesmo que fosse reduzida a maioridade penal para 16 anos, a pergunta continua a mesma onde colocar tanta gente?
O Brasil a anos vive uma crise estrutural que vem se agravando com o crescimento econômico e melhorias sociais.
A droga e o crescimento do consumo, nada mais faz do que agravar o problema de saúde pública e prisional...
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