quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Racismo e Eleições

Vamos começar por uma "máxima". É velha na minha cabeça, e eu a guardava para ocasião talvez melhor; mas não tem como mantê-la guardado neste post.

É o seguinte: no Brasil, alguém que acredita que criminalidade não tem nada nada a ver com pobreza é necessariamente um racista.

Simples assim. Se a frase não for auto-explicativa, dedique um tempo a pensar nela. Dica: pense nela enquanto olha a cor predominante dentro dos presídios, ou entre os traficantes maltrapilhos em fuga no recente Tropa de Elite 3 ao vivo. Dica 2: pense no que implica achar que essa predominância não tem nada a ver com pobreza.

Passemos ao resto do post.

*  *  *

Se eu lesse, ficaria tentado a achar que se tratava de uma caricatura, de um exagero desonesto. Infelimente, sobrou pra você esse papel, leitor.
Começou num encontro de família, meses atrás, antes do segundo turno. Uma senhora de mais de 70 anos -- que, aliás, eu não conhecia, embora saiba que parentes dela me viram com uns 4 anos-- sentada a uma mesa, eu por coincidência em frente.

Ela começou: "não é que eu seja racista"...

... eu pensei logo: lá vem. E veio. Fui previdentemente informado que, num futuro próximo, não seria possível para um branco como nós andar em um metrô sem que os pretos se juntem à nossa volta e nos assaltem e matem.

Não os bandidos, os criminosos, os marginais, veja bem: OS PRETOS.

Quem me conhece sabe que tenho olhos muito pequenos, então devia fazer pouca diferença o fato deles estarem incredulamente arregalados. Me lembrei de como vivo num ambiente relativamente protegido, onde esse tipo de opinião soa tão tosca que parece mentira ou apenas ironia. É bom ser trazido à realidade. Quer dizer, bom não; é necessário.

Falei para essa senhora algo previsível: como a questão desses marginais hipotéticos não era serem negros, mas de serem criminosos crescidos na pobreza e na marginalidade. Disse a ela que aquela declaração era racista.

"mas não, eu não sou racista"

Me vi explicando -- como quem fala para uma criança -- que a posição que ela havia adotado era POR DEFINIÇÃO racista, pois colocava na RAÇA a conta dos problemas sociais.
Ela pareceu levemente sacudida com minha resposta; me pareceu que "fiz sentido" aos seus ouvidos (ou talvez tenha sido pelo abruto tom professoral que adotei, sei lá). O fato é que a conversa foi indo para aquela senda tristemente previsível (tristemente porque tem que ser repetida N vezes apesar de óbvia) da escravidão ser muito recente, da questão da pobreza e etc.

"Ah, mas um monte de gente progrediu e saiu da pobreza. Porque eles não progrediram?"

Aí fui pra questão da formação e educação, eu tentando explicar que o marginalidade era uma cadeia de pobreza e ausência de formação passando de geração a geração. Ela comenta que eles não educam os filhos, deixam aí tudo largado, e viram esses bandidos.

E eu: "E a senhora acha que 'eles' não educam seus próprios filhos por quê?"

"Não adianta, eles não fazem. Não é do instinto deles".

...Instinto.

(e isso dito com um tom, se não me engano, quase condescendente.)


E não: ela realmente NÃO se achava racista.

Ora, mas uma velhinha senil e carola -- que na mesma ocasião também disse coisas como "Michel Temer adora o diabo" e "Dilma é assassina, é lá das FARC" (sic) -- não precisa ser o exemplo necessário, é caricato demais. O casal de netos (acho) dessa senhora, um tanto mais "modernos" e de idade próxima à minha, se limitaram a dizer, em tom jocoso, mais ou menos que "só sei que hoje, pra ser favorecido no Brasil tem que ser preto, favelado ou bandido".

Hm. Não diga.



*  *  *

Agora, um depoimento indireto. Minha irmã me contou do comentário de uma pessoa que conheço: de família rica (ou talvez ex-rica seja mais preciso), tradicionalista e paulistana; curso superior, mais ou menos a minha idade, honesto (até onde sei), inteligente. Uma pessoa que eu já respeitei mais.

Bem, disse ele que realmente acreditava que no fundo os homens negros seriam em geral intelectualmente inferiores por natureza aos brancos.


A bem da veracidade, devo alertar que como não o vi dizer isso pessoalmente, não vi as entonações possíveis da declaração. No relato, minha irmã pareceu imitá-lo com um ar reflexivo, de quem realmente acreditava no que dizia. A bem das especulações, sou capaz de imaginá-lo falando a frase com um certo ar de "dura verdade que precisa ser dita e que os de coração mole, hipócritas e 'politicamente corretos' têm que encarar".

Continuando com a especulação: não seria absurdo imaginar que, quando questionado do porque achar isso, ele  responderia que as "evidências" estariam aí. Afinal, porque os negros não progrediram e continuam pobres depois desse tempo todo? Ora, vamos! Porque vemos tantos que insistiriam na preguiça, no vício, no crime, limitados a trabalhos subalternos?..."porque são menos capazes!"

E a velha senhora de antes concordaria. E não se sentiria racista ao fazê-lo: afinal, ela compreenderia que "não está no instinto deles"...




Não, senhor Ali Kamel, não somos racistas. Eu é que sou sensível demais!



*  *  *

Agora, o que isso tem a ver com as eleições?
Acontece que os personagens todos têm em comum serem brancos, paulistas e votarem em... preciso dizer?

É CLARO que ser tucano não é ser racista, nem conservador, nem carola, pelo amor de deus. Mas se você tem dúvida de em quem os racistas de ambos os tipos descritos acima votaram... ou se não souber em quem votaram os carolas espalhadores de panfleto mentirosos, ou os anti-nordestino, ou os senhores distintos apoiadores e -- porque não também? -- os participantes de nossa ditabranda militar... bem, ou você é muito ideologicamente comprometido ou muito, muito obtuso.

Ao meu ver, deixar todo esse pessoal puto da vida, se mordendo e contorcendo de desgosto, já seria per se um motivo pra se votar na Dilma. Não o único, e certamente não o melhor; um motivo com aspectos até mesquinhos, meio sádicos e levianos. Mas foi um motivo relevante pra mim.


E votei.
*  *  *

A todos vocês, senhores que despertam meu asco e que certamente não me lerão aqui, eu digo: vão tomar nos vossos cus. Em particular ao senhor, senhor Ali "não somos racistas" Kamel: no seu também.

10 comentários:

Pedro Caluzni disse...

Gabriel, boas observações! Posso imaginar alguns dos "personagens" descritos em seu texto, e felizmente ou infelizmente, gosto desta parte da sociedade "resmungando" e ao menos tendo uma "reflexão" sobre essas facetas tão importantes na historia do Brasil, mesmo sendo de maneira jocosa, preconceituosa, mesquinha e superfícial como é de costume desta "elite, branca, paulistana, heterosexual". Assim como você, vos deixo meus sinceros "vão tomar nos vossos cus." especialmente para Ali Kamel, Bolsonaro, José "Cerra" e "Elite, branca, heterosexual, paulistana", "o inferno são os outros" como já dises Sartre.

Grande Abraço!

Pedro Caluzni Girnos

Carlos Felipe disse...

Não quero defender nenhum dos lados, mas vc foi preconceituoso ao atacar a "elite branca paulistana" e rotulá-la como um grupo racista.

Não o culpo. Todos temos nosso preconceitos. Isto sim é instintivo. Instinto que nos torna mais ágeis para reagir em situação de perigo.
Se vc escuta um tiro no meio da rua à noite, vai esperar para ver do que se trata ou vai procurar se esconder antes?
É instinto. Poderia bem ser um ruido semelhante ou apenas um idiota que disparou por acidente uma arma, mas na dúvida vc se esconde.

Acho que fez bem ao explicar à tal senhora, porque da afirmativa dela estar errada. Provavelmente o vexame de ter sido corrigida em público por alguém mais jovem a faça pensar melhor antes de proferir frases do gênero, ou os demais presentes.

Só não venha levantar a bandeira de que votar em fulano ou beltrano é ser contra todo o mal. Não seja tão obtuso e maniqueista como a tal senhora.

Isto digo eu, alguém que até hoje não encontrou um político sequer que mereça voto, pois não crê algum deles possua o mínimo de honestidade e/ou competência.

Proponho inclusive um desafio. Me aponte um único político brasileiro (que tenha ocupado cargo) dos últimos 20 anos e eu lhe mostro, com fatos, porque não confiar nele.

Gabriel G; disse...

Olá, Carlos Felipe. Valeu por escrever. Vamos à resposta.

1. Ninguém mencionou "elite branca paulistana". O meu conhecido poderia até se encaixar nesse grupo; a outra era uma senhora do interior, sem absolutamente nada de "elite", só velha e conservadora mesmo. Já me bastam as generalizações que fiz declaradamente (como na minha "máxima"); não é preciso me atribuir outras.

2. O ser humano realmente é preconceituoso (entre outras coisas). Mas se civilizar tem a ver em grande parte a aprender a ver e agir além dos instintos.

3.Ninguém levantou "bandeira" alguma. A eleição já passou, não tentei catequizar ninguém. Nem falei que votei em bons e confiáveis. Pelo contrário, citei um aspecto leviano do meu voto -- emputecer as pessoas que desprezo. Não porque este governo fará alguma coisa contra elas -- não vai fazer (infelizmente?) -- mas elas em seu preconceito acham que vai.
Aliás, esse é meu maior consolo dúbio quando penso nas merdas que fazem estes últimos governos: os racistas de carteirinha em geral votaram contra eles. É um prazer fugaz, claro, porque justamente o que se vê depois é eles botando as asinhas de fora.

O inimigo de meu inimigo NÃO É meu amigo. Não tenho ilusões e nem saberia citar algum político confiável. Acredito que existam várias pessoas competentes na política, aliás; só não boto minha mão no fogo por nenhum em particular, até porque não acompanho suas carreiras com o afinco necessário para isso.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Pegando carona na resposta do Gabriel:

"se civilizar tem a ver em grande parte a aprender a ver e agir além dos instintos."

Sim. E o grande motor desse processo civilizatório é a educação, de forma que não é difícil compreender porque o meio acadêmico é, via de regra, menos conservador que a média da sociedade.

Agora, discordo do Carlos Felipe quando diz que preconceitos são comportamentos instintivos. Instintivo é ter medo de altura, ou de andar no escuro...ninguém, instintivamente, tem medo de pobre, de preto, de puta, de traveco. Esses medos são colocados pelas mamães e papais nas cabeças das criancinhas, e nesse caso, faz muita diferença ser ou não parte de uma "elite paulistana", ou de uma "elite rural paranaense", ou "elite coronelista alagoana", todas elas mais ou menos brancas.

Utilizo outra máxima para explicar esse fenômeno: "quem tem cu, tem medo"; ou seja, quem anda de mercedes tem mais motivos para se procupar com assaltos do que quem anda de trem.

Eu moro numa rua conhecida por ser ponto de travestis. Elas ficam por aqui o dia todo, manhã, tarde e noite. Como essa avenida é caminho pra USP, pro Jockey e pro estádio do Morumbi, de vez em quando há fluxos mais elitizados, e a gente vê nas ruas gente preocupada com os travestis.

Essa semana mesmo, vi uma senhora com uma criança, que ao passar por aqui colocou a criança no colo e passou a andar olhando pro chão. É uma cena meio comum, e é uma forma de transmissão de preconceitos. As famílias que moram no meu prédio, em geral das classes B e C, não parecem se incomodar com a situação - como não se preocupam com, isso a maioria das pessoas que transitam na Vital Brasil.

Acho que dá pra falar, sem medo de errar, que as elites são sim, mais preconceituosas, por uma série de razões. E a relação que o Gabriel fez, entre como votaram os membros da elite, é um fato, apontado por todas as pesquisas eleitorais e também pelo resultado das eleições, quando se analisa como votou cada distrito de São Paulo - Serra venceu nas regiões centrais e Dilma nas periferias - como acontece há muito tempo nessas eleições polarizadas entre PT e PSDB. A distribuição de votos nacional segue a mesma tendência.

Isso não implica, necessariamente, em dizer que se fulano votou no Serra, deve ser racista, homofóbico e carola. Mas o fato de que o homem agregou os setores mais conservadores da sociedade é inquestionável.

Uma coisa curiosa da política brasileira é o fato de que as pessoas não gostam de assumir seu conservadorismo. Nos EUA, por exemplo, tem muita gente (quase metade da população) que se considera conservadora, e fala isso de boca cheia. Talvez seja reflexo da polarização pós-diretas, em que a direita se constituía, basicamente, dos defensores de um regime que matava e torturava, mas isso merece mais reflexão.

E só pra não perder a piada, encerro com uma outra máxima:

"Quem tem cu, tem rego".

Gabriel G; disse...

... na categoria "anais do cagaço paulista":

Faltou colocar no meu texto uma referência a este vídeo aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=STtk7esW1HQ&feature=player_embedded

"Dilma declara guerra a São Paulo e, usando sua maioria no congresso, consegue vetar o envio de recursos ao estado"

"estudantes protestam; o planalto provoca o MST para contra-atacar! O conflito é iminente"

HAHAHAHAHA!!!

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Pois é, esse video é de um blog linkado no site da campanha do Serra.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

A do MST é ótima mesmo! E a calorosa recepção de Serra também - por Lula e FHC.

Pedro Caluzni disse...

Interessante esse ponto coloca pelo Marcílio, no Brasil, ninguem tem coragem de assumir-se "conservador".

hahahahhahahahhahahahahahhahhahaha!

É inacreditável este vídeo "Dilma 2012 - Uma visão do futuro", esse vai para os "anais do cagaço paulista"!!!

Lembrei de um que também está nos "anais do cagaço paulista (ignorante)"

Protesto contra Lula e Che Guevara

http://www.youtube.com/watch?v=alfkjitDbMg

Gabriel G; disse...

Uau. Esse vídeo é foda também.

Gabriel G; disse...

...opa, opa. Tava acompanhando um post lá no blog do Idelber, e na discussão apareceu esta pérola ilustrativa.

"Ver as coisas como elas são, no que diz respeito as características de cada raça, não significa ser racista. Numericamente, cerca de 14% da população americana é negra, assim como um pouco mais de 90% de seus presidiários também o são. Baseado nestes valores poderia dizer q nos EUA os indíviduos q compõem a raça negra apresentam um comportamento muito maior do q os de outras raças p cometer um crime ou delito, caso contrário não estariam presos. Seguindo o mesmo raciocínio lógico, científico, naquele país grande parte da produção científica é desenvolvida por mentes intelectualizadas caucasianas. Porém, independente de estarmos nos EUA ou no brasil ou em qq lugar do mundo, o comportamento das raças segue sendo o mesmo. Eh da natureza de cada uma delas agir daquela maneira, está no fator genético de cada uma delas. Foi por tentar explicar e provar isto q James Watson foi mandado embora. Mesmo depois de ter apresentado ao mundo a nova descoberta, o DNA. Foi mandado embora porque a política America do politicamente correto não permite uma análise deste nível. Eh melhor ser hipócrita ao ver a realidade nua e crua.Quando Ziraldo descreve o menino marrom ele está generalizando uma característica comum de vários meninos brasileiros. Não é preconceito. Agora, esta mania feia de brasileiro de copiar tudo de americano nem sempre é uma política correta."

carol em fevereiro 18, 2011 6:20 PM


C.Q.D.

Post original: =http://www.idelberavelar.com/archives/2011/02/carta_aberta_ao_ziraldo_por_ana_maria_goncalves.php#comments