terça-feira, 28 de setembro de 2010

O desespero da Folha e a alegria do sentimento de dever cumprido

Uma aprendizado importante da relação que temos com nossos irmãos, na minha opinião, é o aprender a brigar.  Quando criança, briguei bastante com a Paula, minha irmã, algumas vezes fisicamente - embora ninguém jamais tenha batido na cara, afinal, todo poder tem limite.  Eu sou o primogênito, e essa condição me mpunha uma certa responsabilidade: medir a força aplicada.  Acho que apanhei mais do que bati, e certamente, me machuquei mais, já que a Paula podia usar unhas.  Outro aspecto desvantajoso de ser o mais velho é o fato de que o irmão mais novo pode se valer da "estratégia do escândalo desproporcional" para resolver os conflitos com a instância superior: os pais.  Quem tem irmão mais novo sabe como isso funciona: uma briga começa por qualquer motivo, você resolve dar um tapa, mas por erro ou consciência dá um tapa muito fraco, ou nem acerta.  O irmão mais novo vai correndo contar pros pais, mas arma um escândalo desproporcional: chora muito, com muitas lágrimas, rosto inchado e vermelho, chega a soluçar e gaguejar.  Trata-se de uma estratégia tão safada que a gente abandona isso quando cresce.

Bem, tudo isso para fazer um paralelo com a atual "crise" entre Imprensa e Presidente da República.  Dando nome aos bois: a Imprensa atua como caçula, o Presidente como primogênito e o Eleitorado como os pais.

A cobertura da Folha de São Paulo tem sido - como a gente espera - muito mais favorável à candidatura peessedebista que à governista.  Esse fato é claro, e a própria ombudsman da Folha já forneceu os números de um levantamento interno que quantifica a cobertura positiva e negativa à respeito de todas as candidaturas.

No último domingo, 26 de setembro, Suzana Singer, ombusman da Folha escreveu:

"Os críticos à Folha têm razão quando afirmam que o noticiário está mais negativo a Dilma do que a Serra - embora seja preciso considerar que ela é a favorita. Algumas denúncias surgiram com força e depois se perderam em um certo vazio, como o escândalo da quebra do sigilo fiscal. No afã de esmiuçar a biografia da candidata do governo, fatos sem importância ganharam destaque indevido."
 A Folha chegou a publicar fac-símiles dos boletins escolares de Dilma e seu histórico escolar de pós-graduação.  Suzana Singer aparentemente foi enquadrada pelo jornal, pois semanas antes havia denunciado esse desequilíbrio na cobertura - agora escreve que a diferença na cobertura se justifica pelo fato de Dilma figurar em primeiro lugar nas pesquisas de opinião pública.

Outras jogadas interessantes da Folha foram a publicação de uma entrevista com o probo Rubnei Quícoli, condenado por por receptação de carga roubada e uso de dinheiro falso (ficou 10 meses preso), na qual ele se diz "horrorizado de ter que pagar 5% pelo crédito do BNDES".  Um dia depois publicaram o seguinte: "Erenice planejava defender investigados por corrupção quando saísse do governo".  Nessa reportagem, há uma gravação de conversa telefônica entre a ex-ministra e o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeaus, onde num desabafo, Erenice diz que a situação política do Brasil chegou a um nível absurdo de denuncismo e que um dia ainda sairia e ganharia dinheiro com isso (atuando como advogada de defesa de gente que foi denunciada por oportunismo ou conveniência política).  A gravação está disponível no link, vale a pena escutar e julgar qual foi o espírito da declaração.

No meio de tudo isso, o irmão mais velho Lula começou a atirar contra a imprensa, acusando-a de se comportar como um partido político.  Falou sobre a necessidade da imprensa ter responsabilidade sobre o que publica, declarações que foram interpretadas como um ataque ao Sagrado Direito de Liberdade de Imprensa.  Esse tema dominou a cobertura da Folha nas duas últimas semanas, tirando de Serra a necessidade de bater em um presidente com 80% de aprovação.  Serra passou a se comportar de outra forma nos debates, abandonando os ataques e questionamentos diretos à Dilma.  A rejeição à Dilma cresceu a níveis recordes (27% segundo Datafolha de hoje), ampliando as possibilidades de um segundo turno.

Outra frente de atuação da Folha está em não noticiar devidamente a campanha ao governo de São Paulo, na qual Alckmin lidera absoluto.  Alguém acredita que se revirarmos os 16 anos de governos tucanos em SP não encontraremos nada?  Despolitiza-se de um lado e lançam mão do escândalo desproporcional do outro.  A última (acho que não definitiva) cartada foi um recurso inédito em coberturas políticas do jornal: o editorial de domingo, foi publicado na primeira página do jornal.  Trata-se de um texto que acusa o presedente de cerceamento à Liberdade de Imprensa, intitulado "Todo poder tem limite".  No texto o jornal reconhece os avanços sociais do governo Lula, para depois ameaçar:

"Fiquem ambos advertidos (Lula e Dilma), porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas -e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo."
 
Da mesma forma que a imprensa espera que os políticos aceitem as críticas como parte do jogo democrático, ainda que esteja claro que boa parte do que é veiculado seja claramente manipulado, deveria aceitar ser criticada.  Não vejo nenhum ataque à Liberdade de Imprensa nas declarações de Lula, que atua no direito de se defender e colocar a sua leitura dos fatos: veja e Folha tentam se vender como plurais e apartidárias quando são, claramente, defensoras ferrenhas do tucanato.  Melhor papel faz o Estadão, que vai na mesma linha de denuncismo mas, pelo menos, deixa claro em editorial seu apoio ao PSDB.  Fica aqui o paralelo da estratégia do escândalo desproporcional do irmão mais novo.  A Folha apelou para um recurso extremo - denunciou, às lágrimas, para o eleitorado as agressões que tem sofrido do irmãozão Lula.  Com editorial na primeira página...oooohhhh!!!

A mesma estratégia malandra foi utilizada pela Folha no ano passado, quando o jornal insistia que Lula e o PT armavam uma estratégia visando o terceiro mandato.  Que fique claro que, se quisesse, Lula teria conseguido.

4 comentários:

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

É bom que se diga ainda que PT quebrando sigilos fiscais do vice presidente do PSDB é um negócio estranho...me parece muita burice depois do que aconteceu em 2006, quando um caso exatamente igual levou a eleição para o segundo turno. É bom que se apure mesmo.

Minha teoria da conspiração:

Será possível que alguém do PSDB conheça gente dentro da Receita Federa, Banco do Brasil?

Será possível que um tucano não honesto (se é que existe isso) tenha pedido a quebra de sigilo de um personagem sem nada a esconder? Essa idéia poderia passar pela cabeça de algum político brasileiro?

Essa quebra de sigilo seria necessária para a candidatura de Dilma, surfando tão bem na popularidade de Lula?

Gabriel G; disse...

Caralho, Marcelo, que sincronia! Eu ACABEI de ler um texto sobre isso, e em seguida venho aqui e você postou essa!
(Acho que esse texto faria o maior sucesso no blog do nassif... a analogia dos irmãos brigando é ótima, inédita e pertinente!)

Estamos assistindo à Venezuelização da imprensa brasileira. Achei que a gente fosse mais esperto que isso, mas talvez fosse só preconceito meu contra nossos vizinhos latinos.
Este texto aqui do Observatório da Imprensa é muito sintético e bom sobre o que está ocorrendo: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/blogs.asp?id_blog=2

Gabriel G; disse...

... aliás: "27% de rejeição à Dilma" é muito bom, hahahahaha!!

Marcel disse...

Muito boa a analogia Marcelo.
Esse negócio de ameaça a Liberdade de Impressa não quer dizer que se possa publicar o que se bem quiser. Todos devem sofre um controle social sob pena de um Direito minimizar outro como a Ampla Defesa p.ex. E a impressa poderia observar a ética, o que já seria um grande ponto.
Acho que já afirmei aqui no Blog mesmo, que sou a favor de um Órgão de Classe para os jornalistas, como por exemplo, ocorre comigo na OAB e com vocês no CREA, constituídos pelos próprios jornalistas de áreas diferenciadas e normatizada por um Estatuto do Jornalista e um Código de Ética, e um tribunal ético-disciplinar constituído por jornalistas também.
Nesses termos, não consigo ver afronta a liberdade de imprensa. Aliás, o Lula chegou a tentar levantar o debate de algo semelhante a um tempo atrás e também foi achincalhado e acusado de ofender o Princípio da Liberdade de Imprensa.
Aliás, o cancelamento integral da Lei de Impressa no STF gerou (acho que também disse algo em outro comentário) um vácuo normativo na proteção do Cidadão Comum ante as mazelas da imprensa, que até o momento não foi preenchido.
E não pense que qualquer um de nós não possa ser denegrido pela imprensa marrom, por uma tolice qualquer que podemos sim, principalmente em uma cidade menor como Maringá, onde um programa como o Pinga Fogo é assistido por uma boa parte da população na hora do almoço. E mesmo que tenhamos força intelectiva crítica, se algo nos pega desprevenidos em dado momento acabamos tomando aquela informação como fonte fidedigna, o que pode acontecer quando você está dando uma garfada em um tutu por exemplo...