sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Consumidores de Informação"

Semanas atrás, fui num sarau aqui no Rio -- um dos sarais promovidos pela comunidade do Luís Nassif
Foi uma experiência muito interessante, conversei muito algumas pessoas antes desconhecidas -- por acaso, todas muito mais velhas que eu -- e todos eram muito animados e até deslumbrados com as possibilidades de debate e difusão de informações na internet, bem como extremamente críticos da grande imprensa brasileira. 
Nassif era, sem exagero, um verdadeiro herói para vários dos presentes lá (o que me deixa um pouco desconfortável às vezes, mas isso é assunto pra outro post).


Eu já acompanho há uns anos o blog do Nassif. Nunca tinha me filiado, apenas comentava muito esporadicamente alguns posts. Mas vi a gradativa onda gigantesca de pessoas se somando a ele, tonando-o um espaço de direcionamento cada vez mais coletivo. (e que, por exclusão em relação à grande imprensa, cada vez mais diretamente pró-Lula, o que é assunto para aquele outro post)
Pra quem não sabe, o Nassif publica textos e comentários dos freqüentadores do seu site e dos ligados à sua comunidade, quando estes lhe parecem pertinentes. Eu falei isso pra alguém lá no Sarau e concordaram comigo: Nassif é hoje um editor de jornal virtual. Um jornal que, por sua vez, não é uma empresa, mais uma montagem de livres contribuições e debates coletivos. 


Mas bem. Indo ao assunto mais específico. Um ou dois dias depois do Sarau,  Nassif escreveu um post sobre a contínua guinada à direita do discurso da grande imprensa e a apelação na discussão de política externa, se valendo da retórica "neo-con" (um assunto antigo do Nassif), e dizendo que era um lento suicídio, que os exageros a que eles chegavam  eram algo que só tinha repercussão "na extrema direita e nas viúvas de Sierra Maestra". Eu fiz um comentário ao post; nada muito elaborado ou longo, e não possuía título algum.

E, pra minha surpresa, pela primeira vez um comentário meu foi publicado no blog. (eu só fiquei sabendo pela Marininha, que me scrapou no facebook). O que saiu no Nassif foi mais ou menos isso:



Consenso Frio e os consumidores de Informação
por Gabriel Girnos

Nassif,


Infelizmente pra mim, acho que esse discurso falacioso tem um alcance muito maior do que o que você dá a entender.
Tem uma coisa que eu ando chamando de "consenso frio".É um consenso mais ou menos inconsciente, que toma aspectos de senso comum e que pode ser mudado facilmente, porque é sobre aquelas questões que as pessoas sabem pouco -- como por exemplo, política externa. Porém, assim como pode ser mudado facilmente, esse consenso frio pode ser mantido facilmente, bastando a repetição da mesma lenga-lenga todo santo dia.
Exite uma classe especialmente suscetível a esse consenso: a classe dos consumidores de informação, aqueles que (para si mesmos) se distinguem do "povão" por ler jornais e estarem "informados", mas que ao mesmo tempo não chegam a ser críticos e analíticos a respeito do que estão lendo. É dessa classe informada, bem mais ampla do que apenas uma extrema direita encarnecida, que surge o grande número de pessoas dispostas a acreditar em tudo de ruim que se fala sobre um "ignorante" como o Lula, ou sobre os "radicais" da Bolívia.  É para essa classe que a Veja fala, e infelizmente eu acho que ainda surte bastante efeito.
Digo isto como professor universitário: estou cansado de ver como tudo que aparece na grande imprensa repercute nas falas coloquiais de meus colegas, pessoas que fazem parte das parcelas mais instruídas da população e não se vêem absolutamente como "de direita".


Acho que nunca fui tão lido na minha vida. Fiquei feliz da vida de ver bastante gente concordando, comentando, discutindo. Anunciei no Twitter e etc.
Repito: eu não era filiado à comunidade. Pode ser que a minha presença lá no Sarau tenha feito com que achassem que eu era um participante constante (há muitos), e portanto alguém "publicável" lá... talvez. Não sei. Mas coincidência ou não, foi logo após aparecer lá que fui publicado.
(ah, pra esclarecer: todos sabiam o nome de todos lá no Sarau, porque foi pedido que usássemos crachás com os nomes "internéticos". A coisa faz sentido, se você pensar que muitos já se conhecem via web mas nunca se viram pessoalmente)

Aí, semana passada o site do Nassif se transferiu para outro endereço, mudou o sistema de idexação.... e adivinhem: o post do meu comentário simplesmente desapareceu. Os links que eu coloquei para o post dão todos n'água.

Não sei se alguma hora ele vai reaparecer; mas resolvi colocar aqui alguns links e provas de que esse post (criador de meus "primeiros 15 minutos de fama" na internet) ao menos existiu.  Um está neste blog aqui, de um Roberto que eu não conhecia: http://beto-bob.blogspot.com/2010/05/os-consumidores-de-informacao.html


Na esteira da discussão subseqüente ao post no site de Nassif,  apareceram algumas questões e apontamentos interessantes.  Roberto (do link que coloquei acima) lembrou de uma propaganda escabrosa da Veja que ilustra bem a idéia de "consumidores de informação"... ou, melhor ainda, aquilo que o Marcelo costuma chamar "população semi-educada" do Brasil. 


Enjoy:




Pra finalizar. 
Outro comentarista, o "Jotavê", ressaltou algo muito importante: o quanto esse comportamento de "consumidor de informação" não de modo algum é exclusividade da "direita", coisa com a qual eu concordei totalmente. Inclusive, a posição de reprodução de idéias prontas e clichezões de esquerda -- na política, na imprensa, na academia e na militância estudantil -- é algo que me incomoda muito o tempo todo, e que me deixa constrangido (o Marcelo sabe muito bem do que falo). Fiz o seguinte comentário em meio à discussão do post:


- Jotavê, eu concordo plenamente com você. Já cansei de ver também preconceitos e falácias repetidas entre pessoas de esquerda às quais me sentiria, a princípio, mais próximo. A questão é mais de atitude que de conteúdo. Digo mais: quando eu falo de "consumidores de informação" eu incluo a todos nós internautas e comentaristas também. Todo "produtor" de informação é também um "consumidor".

Acho que esse um dos pontos principais do problema é o uso do conhecimento como "distinção" -- como instrumento para se sobressair perante outras pessoas. Digo isso porque se trata de um vício ao qual TODAS as pessoas instruídas estão suscetíveis. A "nossa" tentação aqui, por exemplo, seria a de, subrepticiamente, nos julgarmos o máximo perto dos "simples e alienados consumidores de informação", e aí começarmos a incorrer em auto-elogios. 

Temos que nos policiar contra esse sentimento (que é tão humano). Cultura e conhecimento não podem se limitar a um smartass contest.




E foi isso. Seria legal de ser "publicado" de novo numa plataforma tão lida, mas não vou contar muito com essa possibilidade.

Um comentário:

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Que porra ter esse post perdido...de qualquer forma, parabéns, sempre legal se ver publicado em um veículo de grande acesso.

abraço!