domingo, 28 de março de 2010

considerações acerca do caso Isabella Nardoni

Eu não pretendia escrever nada a respeito, por considerar o assunto muito batido e já superexplorado pela imprensa e blogosfera.  Mas o Marcel escreveu um bom texto a respeito, que reproduzo aqui, com a permissão do autor, que por acaso é advogado criminalista.  Acho que esse tipo de opinião interessa, porque pra quem não fez direito (coisa que está se tornando rara...rsrsrs!!), a principiologia à qual o Marcel se refere pode até fazer sentido, mas não faz parte do "pensamnto automático".  Vamos lá:




O Juri da TV
Boa tarde!

Estava eu navegando na net nesta tarde tranqüila de prazos processuais, e vendo o juri dos Nardoni, como não podia deixar de fazer como brasileiro curioso pego na onda midiática fatal.

Amigos, o seguinte, é claro que por ser advogado acabo vendo a coisa pelo lado da defesa, principalmente por ter militado nos 3 primeiros anos de minha profissão na esfera criminal.
No entanto, uma das grandes sacadas do Estado Democrático de Direito, isto é , de um estado regido pelo princípio da legalidade (onde o estado só faz o que a lei determinar e o particular só deixa de fazer o que a lei proibe), é justamente o Princípio do Contraditório-ampla defesa-devido processo legal.

E esse circo que foi armado em relação ao caso nardoni desbalanceia todo um sistema principiológico formado pelos costumes, pelas correntes filosóficas e principalmente pela dialética. Quer dizer, este circo estabelece a ditadura, não das massas, pois a massa em geral é gado que vai pastar onde a grama está mais verde. E sim estabelece uma ditadura do 4º poder, qual seja, a midiatica. 

Diga-se de passagem a mídia tem todas as prerrogativas de um poder autônomo que rivaliza com o executivo, legislativo e judiciário, mas não tem nenhum regramento especial em contra prestação.

Obviamente o direito a informação também é um dos pressupostos basilares da democracia, mas até onde ele pode ser exercido sem prejudicar o próprio estado de direito vigente???

No caso nardoni, é tão veemente esta falta de regulação que a sentença já era certa antes da composição do conselho de sentença, dos jurados. O quê, por sinal, põe por terra outro princípio da democracia, que é o Princípio da Presunção de Inocência (ou o da "não culpa).

Não que eu não ache os Nardoni culpados, mas é exatamente isto que não importa, a minha opinião quanto a culpabilidade de ambos os teóricos homicidas. 

Inclusive, na época ditatorial, os Promotores de Justiça eram vistos como extensão do braço estatal e os advogados eram melhores quistos. 

Hoje, 25 anos após o fim da ditadura e apenas 20 anos da primeira eleição direta, os advogados são bichos maus e os promotores possuem a verdade suprema. É só ver no site do G1 da globo, desde onde anunciam que o promotor participou de 1.077 julgamentos e teve mais de mil vitórias, enquanto, o advogado fez 15 juris e ganhou 13. Ressalte-se, que julgamentos são diferentes de juris.

Não obstante, um jovem  (inocente ao que tudo indica), disse que o casal Nardoni estava sendo pré-julgado e o que aconteceu??? 
O óbvio, a policia teve de socorrer e conduzir o mesmo para dentro do fórum, pois os manifestantes que clamavam por justiça e paz, partiram pra cima do jovem.

Inclusive, só para constar, a força midiática por simplesmente aparecer na TV, é que existe uma boa porção de juris todos os dias no Brasil. Inclusive no Fórum da Barra Funda em Sampa. tem um bom volume deles e, salvo, raras exceções quase ninguém vai assistir. 

Agora, me pergunto, voltando ao caso do jovem citado retro, a incoerência e o paradoxo são dignos de filósofos, vez que os manifestantes clamam por "justiça" em um crime violento e atacam um jovem que pensa diferente com violência??!

Além de quê, a justiça não é só acusação e condenação certa e sim o julgamento sobre a balança, garantida pelo já citado princípio do contraditório, entre defesa e acusação, entre requerente e requerido (no caso civel).
Mas, parece, que mesmo os Srs. jornalistas, que em tese, deveriam estar acima da média popular, recaem no gosto de que justiça é condenação. Bem, me corrijam se estiver equivocado, mas pra mim, intuitivamente, parece ser mais próximo da vingança.

Abraço a todos!


Marcel


P.S: desculpem pelo texto, mas não posso expressar muito minhas opiniões com os amigos -  "Um vento forte levou os amigos para longe das conversas, dos cafés e dos abrigos" -  copiando a letra do Belchior.

Resposta, alertando a todos que essa conversa toda rolou por e-mail:

Boa noite pessoal,


Hoje, por motivos de força maior (atmosféricos) passei a tarde toda em casa.  Este fato permitiu que eu me atualizasse com as notícias do Brasil e do mundo - pelo menos era o que eu pretendia fazer.  Acabei ficando muito inteirado a respeito do julgamento do caso Nardoni.  Não sei relatar quantos especialistas passaram hoje pelos estúdios da Globonews, mas foram vários.  No momento em que escrevo estas palavras, há um desembargador, um procurador de justiça e um advogado criminalista explicando os procedimentos do tribunal do júri e analisando o caso.  Todos muito bem vestidos, adorndo estar na TV e muito informados sobre o caso.

Não pretendo acrescentar mais nada em relação àquilo que o Marcel explicou tão bem.  Não é o caso do grupo escolhido para ler o texto, mas via de regra, os princípios aos quais o Marcel se referiu são óbvios - no sentido de serem lógicos - mas raramente fazem parte do pensamento da maioria das pessoas.  De fato, na cabeça do homo medius, a justiça se traduz na condenação.

Quero só acrescentar um outro aspecto à discussão: Isabella Nardoni tem se mostrado, desde a sua prematura morte, uma das mais eficazes distrações da história recente do país, no seguinte sentido:

Quando Isabella foi assassinada, em março de 2008, o país vivia uma das piores epidemias de dengue dos últimos anos.  A morte da garota imediatamente colocou a doença em segundo, terceiro, décimo plano.  Difícil afirmar, mas pelo que me lembro, a discussão da dengue não foiu retomada com a mesma intensidade, mesmo porque epidemias de dengue são sazonais.

Coincidência ou não, 2008 também era ano eleitoral e, a mídia não dá ponto sem nó.  Acho que todos nós já paramos pra pensar nos motivos que tornam o caso Nardoni tão especial, especialmente quando sabemos que todos os dias são cometidos crimes iguais ou piores por todo o país.  Eu, particularmente não consigo encontrar qualquer elemento que me interesse mais nesse caso do que em qualquer outro.  Minha "teoria da conspiração" é a de que Isabella caiu como uma luva para desviar a atenção da população em 2008, e isso acontece novamente agora.

Claro que já assistimos a outros casos que tiveram grande repercussão na mídia, mas esse tá demais.  Lembram do caso do menino João Hélio?  Dos caras que queimaram o índio?  Já foram julgados e esquecidos, mas eu não me recordo de programação especial da Globonews, do acompanhamento dos fatos de todos os dias do julgamento...de repente os casos foram julgados e as coisas voltaram ao normal.

Não sei exatamente o que se pretende com a superexposição desse caso, mas estamos chegando perto do dia em que os principais candidatos às eleições presidenciais se desvinculam dos cargos atuais.  Depois disso, só podem começar as campanhas de fato em julho.  Até lá, os candidatos farão de tudo para se manter na mídia, apesar de não poderem participar de novas inaugurações.  Essa semana me parece mais importante para o Serra do que para o Lula, e a exemplo do que aconteceu em 2006 e no final da campanha de 2002, Globo e Folha de São Paulo começam, aos poucos, a amansar com o Governo Federal...sei lá se as coisas tem relação, mas me parece ser ingenuidade pensar que todo esse auê com um julgamento completamente ordinário seja obra do acaso ou da falta de assuntos ou de outros crimes mais interessantes e/ou mais relevantes.

A discussão do caso foi retomada umas duas semanas antes do início do julgamento.  Só pra termos noção das coisas que deixaram de ser discutidas, ou que foram mal discutidas nesse período, resolvi citar aqui uma notícia de capa da Folha de dez dias pra cá:

17/03: Federais não completam vagas via Enem 18/03: Favela "nasce" na região da avenida Paulista 19/03: Discurso pró-Dilma faz TSE multar Lula por propaganda20/03: Serra elogia Lula e admite candidatura à Presidência21/03: Após inaugurações, obras de Lula voltam a ser canteiros
22/03:
Congresso aprova a reforma da saúde e dá a Obama maior vitória
23/03:
Metrô de SP atrasa e ameaça expansão
24/03:
Tesouro se opõe à reativação da Telebrás
25/03:
Conta de US$ 13 mi de filho de Sarney é bloqueada na Suíça
26/03:
Papa barrou julgamento de padre pedófilo
E a gente achando que não tinha nada mais importante pra discutir...

5 comentários:

Anônimo disse...

sabia que vc encontraria uma volta para nao culpar a massa burra e sim a midia maligna do capeta!

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

A "massa burra" não foi responsável pela superexposição de um caso completamente ordinário - simplesmente engoliu o que lhe foi apresentado pela "mídia maligna do capeta". Podia ter sido qualquer outro caso, ou ainda, podia não ter sido caso nenhum nesse momento.

Marcel disse...

Fiquei lisonjeado em ver meu e-mail publicado aqui no wilbor. Foi um texto rápido e escrito às pressas entre uma petição e outra.
Quanto, a questão da “massa burra” levantada pelo Sr. Anônimo supra (apesar de achar que foi mais para o blog do que para meu texto), não posso deixar de dizer que no e-mail comparei a massa a “gado”. Contudo, acredito ter sido injusto, pois nós mesmos estamos inseridos nessa massa assemelhada a gado.
Além, da massa, de forma geral, ser vítima deste meio paternalista e patrimonialista, onde as diretrizes do quotidiano são, indigitadamente, postas, ou impostas, todos os dias. Isso fica luminescente para quem uma vez na vida leu “O Homem Cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. E por uma série de circunstâncias históricas-sociais-politicas, acabamos por ter essa massa, instrumento de poder e de certa forma carrasca e vitima do mecanismo histórico-social.
De qualquer forma, a mídia, seja por interesses escusos ou por simples interesse no índice de audiência, sabe do gosto dessa famigerada massa burra e fez superexposição do caso nardoni.
Muitos penalistas e constitucionalistas, acabam por apontar que há uma “luta” perene entre o poderio absolutista do Estado e a liberdade individual. Da mesma maneira, em que em que há uma dominação entre os grandes conglomerados privados que também acabam por tolher o individuo.
Então, estamos sempre entre um poder do Estado e um poder do conglomerado privado. Isto não é um poder consciente, como um gênio cruel no poder, pelo menos não necessariamente, mas sim um fim de se obter mais poder. Quer dizer, o poder acaba sendo o objetivo do próprio poder.
E quando, um poder se sobressai em razão do beneplácito do outro, como vejo que foi o caso dos nardoni, temos uma ditadura, que não é necessariamente uma ditadura golpista, mas uma ditadura que lança suas garras sobre o livre pensamento (este também um dos princípios em que se embasa o Estado Democrático de Direito).
Para impedir, este totalitarismo dos poderes é que existem os Princípios Constitucionais e as mais diversas Leis, estas aprovadas por um legislativo eleito pelo próprio povo, sendo a expressão máxima da democracia representativa.
Esses princípios e garantias constitucionais funcionam como estanques do poder, para que se impeça ingerências do poder na esfera exclusivamente privada, do individuo.
E fazendo a mídia esta superexposição no caso nardoni, somente alardeou um circo de péssimo gosto, utilizando-se de seu poderio e rompendo outro estanque do poder, qual seja, a ética e os demais princípios já alhures citados no texto originário.
Se não fosse a superexposição da mídia, qual o motivo que levaria uma massa desinformada ao fórum para ficar torcendo, como em jogos de futebol pela condenação do casal Nardonil??!
Ademais, a mídia faz parte, talvez, do maior poder privado, tendo contornos reais de um 4º poder. Só que esta, investiga julga, condena e escracha sem os freios e contra pesos de Montesquieu.
E esta força privada, é a que deveria ter maior cuidado e ética, vez que, em tese, possui mentes críticas e bem educadas, desvinculadas do pensamento padrão. Mas, ao fim, acaba por repetir velhas fórmulas permanecendo em um stabelishment cultural e acrítico, que faz repetir nas massas as mesmas fórmulas e stabelishment cultural e de raciocino que se reproduz indefinidamente.
Dessa feita, sim, a mídia tem culpa sim, no mínimo, da exploração de um povo sofrido e condenado historicamente a um paternalismo apontador de diretrizes pré-ordenadas em longínquo e duradouro esquema de manutenção do poder.
Não é a única culpada, mas é também.

Gabriel G; disse...

Muito bom o texto, Marcel.

Ligando um pouco este post com o meu sobre a Veja e o Glauco: a capa da Veja da última semana sobre a condenação dos Nardoni (horrorosa estética e eticamente) mostra o tipo de pensamento do homo medius... "agora ela já pode descansar"?!
Minha nossa.


Cometendo o pecado inafiançável de citar Caetano Veloso:

"A mais triste nação
Na época mais podre
Compõe-se de possíveis
Grupos de linchadores"

Marcel disse...

Só para retomar uma discussão já esquecida... Eu disse no e-mail que a sentença já era certa antes do fim do julgamento na tarde do julgamento final ou no dia anterior não me recordo. O que se confirmou...
O caso acabou e nenhum outro juri tomou tamanha proporção.... O que ocorreu Senhores???? Onde estão outros casos??? Achei que talvez o Tribunal do Juri caísse no gosto popular... Mas nada....
No balanço disso tudo... Suponho que aumentaram as idas a juris e inscrições nas listas fornecidas por instituições e posso arriscar que todos estão loucos para condenar como se todos fossem o caso nardoni que se tornou a nova fórmula cultural do momento...
Mas, posso estar errado... Aliás oxalá, esteja equivocado.