segunda-feira, 9 de novembro de 2009

o ateísmo no mundo

Boas notícias!

2009 é o ano de Darwin. Comemoramos os 200 anos de seu nascimento e os 150 da publicação de "A origem das espécies", cujo título original é On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida).

Este livro é certamente uma das obras mais importantes da história, senão o mais importante. Pois bem estive em uma palestra, na semana da Biologia, do prof. Dr. Mario de Pinna, da USP. A palestra foi bastante interessante, ainda que claramente produzida para leigos - não era o caso da plateía, estudantes e professores de biologia ou meu, entusiasta do tema. Ainda assim, uma boa palestra de divulgação científica.

Obviamente, a contribuição de Darwin não se limita à Biologia. A Teoria da Evolução é, há bastante tempo, uma verdade científica, ainda que esteja sendo constantemente aperfeiçoada - exatamente como acontece com as ciências. Não é uma questão de opinião, mas de fatos.

Foi lançado neste ano, aqui no Brasil, um excelente livro de Richard Dawkins, intitulado "A Grande História da Evolução", onde o biólogo expõe, através de uma analogia com os "Contos da Cantuária", uma peregrinação dos homens em busca da origem da vida, passando, em cada capítulo, por um concestral, ou seja, no primeiro encontro juntam-se a nós os chimpanzés e bonobos, que tem o concestral (ancestral comum) mais próximo. Depois vem gorilas, orangotangos, gibões....................enfim, são 40 encontros e a redação de Dawkins é deliciosa. O livro não contém ataques explícitos à religião - e não precisa.

Bom, dito tudo isso (divaguei demais aqui), quero chegar no seguinte ponto: como anda o ateísmo pelo mundo.

No Brasil, não há dados oficiais a respeito do número de ateus. Sabemos que, no censo de 2000, havia 7% de pessoas sem religião declarada, o que na prática não diz muita coisa - muita gente não se identifica com qualquer doutrina religiosa, mas acredita em Deus ou "forças superiores".

Os dados mais próximos da realidade são aqueles das pesquisas de opinião (Ibopes e Datafolha da vida), e apontam para cerca de 1,5% de ateus. Muito pouco. Eu imagino que o país teria que ser muito diferente para atingir um número que eu pensava ser alto, como 10% da população, por exemplo - pra mim, uma quantidade altíssima.

Pois bem, na semana passada, me deparei com um trabalho, de um pesquisador inglês, que trabalha com dados de países nos quais o censo de fato contabiliza a quantidade de ateus. Os números me impressionaram. A coluna do IDH foi inclusão minha, a relação é meio capenga porque os traços culturais determinam muita coisa. Aqui vão:

País ateus/agnósticos sem religião IDH 2007
2005 (%) 2005 (%)
Japão 64 65 0,953
República Tcheca 54 61 0,891
Suécia 46 85 0,956
França 43 54 0,952
Dinamarca 43 80 0,949
Bélgica 42 43 0,946
Alemanha 41 49 0,935
Holanda 39 44 0,953
Eslovênia 35 38 0,917
Bulgária 34 40 0,824
Hungria 32 46 0,874
Noruega 31 72 0,968
Grã-Bretanha 31 44 0,946
Coréia do Sul 30 52 0,921
Finlândia 28 60 0,952
Austrália 24 25 0,962
Rússia 24 48 0,802
Nova Zelândia 20 22 0,943
Letônia 20 29 0,855
Canadá 19 30 0,961
Áustria 18 26 0,948
Suíça 17 27 0,955
Islândia 16 23 0,968
Espanha 15 24 0,949
Israel 15 37 0,932
Cazaquistão 11 12 0,794
Eslováquia 10 28 0,863
China 8 14 0,777
Itália 6 15 0,941
Portugal 4 9 0,897
Argentina 4 8 0,869
Estados Unidos 3 9 0,951


Na minha opinião, podemos desconsiderar o Japão. Muitas das religiões orientais não tem um deus específico, mas apresentam tradições essencialmente supersticiosas. Também descolfio dos países em que houve proibições aos cultos religiosos, caso dos países que foram membros da União Soviética ou tiveram regimes socialistas totalitários.

Fora isso:

Suécia com 85% das pessoas sem religião, dentre estas, 46% de atues. JAMAIS, repito, JAMAIS pensei que houvesse no mundo porcentagens dessa ordem na quantidade de ateus. França, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Alemanha, Noruega e Grã-Bretanha todos com mais de 30% de ateus. O menor IDH desse grupo todo é o da Alemanha (0,935 - 41% de ateus).

A quantidade de pessoas sem religião indica também alguma coisa: descompromisso coma igreja, e por consequência, com líderes religiosos e orientações oficiais. Aí, utilizando os mesmos critérios de exclusão de alguns dados (Japão e República Tcheca), temos a seguinte ordem:

Suécia (85%), Dinamarca (80%), Noruega (72%), Finlândia (60%), França (54%). Coincidentemente (ou não), os 4 países nórdicos ocupam as quatro primeiras posições desse ranking.

Na minha opinião, isso talvez implique em pensar que esses países terão populações quase que completamente atéias em poucas gerações, uma vez que não estarão educando suas crianças seguindo crença em deuses, monstros, fantasmas ou quaisquer outras criaturas místicas.

Mais do que qualquer coisa, é uma felicidade constatar o óbvio: ninguém precisa de qualquer Deus para ser bom. É só verificar que os países nórdicos são, possivelmente os mais prósperos do mundo: educação super valorizada, excelentes sistemas de serviços sociais, avessos às guerras...enfim, os famosos well-fare states.

Me parece que há, de fato, uma relação direta entre progresso social/educação e a ausência de religiosidade/ateísmo. E nesse fato, a esperança de um mundo melhor, menos intolerante e mais racional. E que, ao contrário do que se prega por aqui, uma sociedade de fato laica e atéia não levará ninguém a ser "menos bom" - possívelmente o que ocorre, quando pensamos na escala de grandes populações, é exatamente o contrário que ocorre.

Impressionante.


P.S. Outras curiosidades:

1) EUA são a maior distprção desses dados todos. O IDH elevadíssimo reflete simplesmente a pujança econômica (apesar da crise) e o baixo índice de analfabetismo (lembrem-se dos perigos da semi-educação);

2) Israel: 15% de ateus (!!!); 37% de pessoas sem religião (!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!)

Fonte dos dados: Zuckerman, Phil. Atheism: Contemporary Rates and Patterns, capítulo no "The Cambridge Companion to Atheism", ed. by Michael Martin, Cambridge University Press: Cambridge, Inglaterra (2005).


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6 comentários:

Eduardo Pinha disse...

Acredito no seguinte: o ateísmo é inversamente proporcional a "segurança econômica". Em países que tem uma seguridade social confiável as pessoas não precisam de deus. E com o passar das gerações vão se esquecendo dele, desde que economia não piore. Talvez por isso nos Estados Unidos ainda existam tantas pessoas religiosas, lá se pessoa perder o emprego e não tiver uma poupança, vai literalmente pra sarjeta. Além disso foram colonizados por protestantes "ortodoxos", que recusavam a igreja anglicana.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Olá Eduardo,

Obrigado pelo comentário.

Acho que possivelmente exista uma relação sim, mas não sei se isso se aplica como regra. Acho que talvez a relação esteja mais relacionada ao fato de que os países que tem uma situação de maior seguridade social são justamente aqueles que também apresentam os melhores sistemas educacionais. Penso assim porque no Brasil, a elite econômica é religiosa e reza por muita coisa...

E, de qualquer forma, dinheiro não é o único motivo para rezar, talvez doenças de familiares próximos sejam motivos mais fortes, e a seguridade social não impede que as pessoas continuem adoecendo e morrendo (ainda que talvez adoeçam menos).

Na minha opinião, o ateísmo está ligado ao livre pensamento, coisa mais fácil em países menos obscuros que o nosso.

Abraço!

Gabriel G; disse...

Marcelo, que dados interessantíssimos você trouxe aí!!
Eu também jamais imaginaria que o ateísmo e o agnosticismo estariam tão avançados mundo afora... me parecia que seriam muito menores ainda.

Olhando esses dados, a estratégia de Ratzinger faz até mais sentido... chegaram à conclusão que deixar as coisas "loose" só favoreciam, ao longo prazo, ao abandono da Sta. Mde. Igreja, e resolveram endurecer o discurso para manter ao menos um bom número de fiéis "cativos"...

(... aliás, que é exatamente o que a grande mídia brasileira tem feito nesses tempos de crise política e profissional em que se encontra.)

Gabriel G; disse...

Sobre Israel, por incrível que pareça, não me impresionei muito... até onde eu sei, os Judeus são um "grupo étnico" de grande porcentagem de ateus... até porque:

1.estão relativamente entre os grupos mais bem instruídos;

2. Têm uma religião que, a despeito das muitas tradições e bizarrias ortodoxas, prima pela extrema abstração da idéia divina, por ser muito pouco mágica, e pelo questionamento da própria fé (ainda que circular, sem nunca afetar o "núcleo duro" de Deus em si).

GILSON - PR disse...

Ótimos esses dados Wilbor,

a razão humana quando bem aplicada vai criando indivíduos mais conscientes e autônomos.

Seria importante realizar uma pesquisa dessa forma com relação a violência.

Minhas percepções impíricas demostram que os países onde a religião acaba agindo com mais força sobre os indivíduos os índices de violências são maiores. Conforme a influência religiosa vai caíndo a violência vai diminuíndo.

Issa informação seria importante pois ela combate os críticas aos ateístas que dizem que os ateus são seres malvados, corruptos. Que a religião é importante na formação moral das crianças, que na verdade age ao contrário.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Olá Gilson,

Obrigado pelo comentário.

Eu acho que não seria difícil agregar esses dados aqui: basta escoher um parâmetro - indíce de homicídios por 100.000 habitantes, por exemplo; e adicionar em uma coluna ao lado. Tenho um palpite sobre o possível resultado:

Os países de maior IDH apresentarão índices menores, com a distorção dos EUA, que apresentarão índices maiores que os países de IDH semelhante.

Agora, eu acredito que tanto a baixa religiosidade quanto a baixa criminalidade decorrem da situação social dos países. A relação criminalidade x religiosidade pode ser tentadora, mas eu não me arrisco a dizer que seja tão clara assim, apesar da desconfiar que seja verdadeira: o Dawkins apresenta dados de um estudo que mostra que ateus são subrepresentados na população carcerária norte-americana - o problema nisso é que a população com nível superior também ocorre em proporções menores nas cadeias que na sociedade...como ateus tendem a aparecer em maiores proporções entre a população mais educada, acho que a baixa criminalidade entre ateus decorre de seu nível de instrução.

Penso ser mais lógico atribuir ao desenvolvimento social os menores índices de religiosidade e criminalidade, pois parece ser a explicação mais simples. Deduzir que baixa religiosidade implica em menor criminalidade exige manobras intelectuais maiores, e pelo princípio da navalha de Occam, seria, a priori, a hipótese menos provável.

Quanto às acusação dos teístas contra os ateus, há muitas maneiras de demonstrar que são absurdas...

Podemos falar nas guerras lutadas em nome de religiões e deuses, nos genocídios praticados pela religião, nos absurdos contidos na bíblia (mesmo no novo testamento), no absurdo da condenação do planejamento familiar pela igreja católica, através da condenação da pílula e da camisinha, no fato de que padres tem uma chance 10 vezes maior de ser um pedófilo que a média das pessoas - pelo menos na Alemanha isso é verdade: http://wrevolta.blogspot.com/2010/04/igreja-catolica-e-pedofilia.html

Isso pra ficar só nos cristãos e não falar em mutilação de genitálias, apedrejamentos e auto-flagelamento.

Enfim, no fim das contas, eu acho que existem criminosos religiosos e ateus. O Dawkins dá um dado interessante: a população de ateus entre os presos nos EUA é menor que a proporção de ateus na população. Mas a população carcerária com nível superior também é menor.

Melhor ficar com o dado concreto: proporções maiores de ateus numa sociedade são sintoma de bons sistemas educacionais e desenvolvimento social. Acho que deveria bastar.

Apareça!