quarta-feira, 8 de abril de 2009

Tortura, verdade e democracia


"Os últimos oito anos em que a coalizão de ultradireita que governou os EUA assumiu a prática da tortura como política estatal só aumentaram a importância de se dirimir alguns mitos acerca do tema. Um desses mitos é a crença – disseminada amplamente entre setores da esquerda – de que a prática da tortura seria uma espécie de negação da essência da democracia, ou que a democracia seria algo como um antídoto contra a tortura, ou que esta, no fundo, negaria os valores democráticos, de racionalidade e liberdades individuais. O fato histórico concreto, no entanto, é o oposto: no momento em que “democracia”, “verdade”, “racionalidade” estavam sendo inventadas, a prática da tortura foi componente fundamental no processo em que esses ideais se faziam. Ali, na origem mesma da democracia, a tortura já era um de seus elementos chave."


Este é um excerto do texto "Tortura, verdade e democracia", publicado na Revista Forum deste mês e de autoria do Idelber, do O Biscoito Fino e a Massa.

Vale a pena. O texto completo está aqui.


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2 comentários:

Marcel disse...

E ai Gabriel, bom, aconteceu muitas coisas ultimamente em minha vida e algumas foram decepcionantes, mas enfim... Só pra constar (e faz um bom tempo que não encho a paciência de vocês) a democracia para Aristóteles era uma forma degenerada de governo, se equiparando o que chamaríamos hoje de demagogia...
De qualquer forma, a democracia só poderia eliminar a tortura sobre a égide do império da Lei e esta Lei seria legitimada por um complexo processo político-jurídico em que se levaria em conta, para se manter legitimidade da Lei, e por conseqüência do poder vigente, o fato-valor-norma, ou seja, um fato relevante, valorado por uma cultura e pessoas do povo, com um processo formalmente delimitado e pré estabelecido (tudo para abstratizar o poder e não concentrar na mão de um soberano)...
Todavia, ocorre que, de acordo com Rosseau, esta Lei, em seu primórdio de formação, nada mais é que a manutenção da força (substitui a força física, mas é força). Tanto é assim, que o próprio símbolo do direito contém a espada, representativo da força, junto com a balança.
Ademais, um autor chamado Zaffaroni, que trabalha com o chamado realismo marginal, traz a lume, interessante pensamento ao dizer que o Estado para sobreviver precisa de doses homeopática de violência, pois para manter um Estado, onde temos que nos submeter a ordens externas aos nossos "clãs", há necessidade de um certo temor pairando no ar, do tipo: "nossa se está assim com Estado imagine sem" (claro que ninguém pensa literalmente assim, mas é quase um postulado pensar que é melhor viver organizadamente que estar sujeito ao meio natural)... Enfim, o Zaffafaroni, acaba dizendo que a violência autolegitima o Estado que acaba utilizando de uma violência institucional, para combater a violência que o autolegitima, e isto desemboca no Estado ter mais poder. Assim, quando a violência aumenta e consequentemente o Estado usa mais violência tem mais poder, o que pode recair em uma Ditadura...
A democracia só faz sentido em um Estado Democrático de Direito, mas o Direito tem que ser regido por uma cultura mais democrática, pois o Direito varia entre uma Ciência Social (onde obviamente o corpo social e o momento histórico tem total influência) e entre uma “Ciência Cultural” (postada, por vezes, ao lado das artes, como literatura, pois tem grande criação cultural-imaginária), quero dizer, se a cultura e a disposição histórica social for mais ditatorial em razão do medo, por exemplo, como foram os Atos Patrióticos feitos pelo antigo governo norte-americano, a tendência será de uma democracia mais ditatorial, assim por se dizer. Por isso, também se discute um Direito superior, que teria sua máxima expressão em uma rede,de intrincada principiologia, fundada em pensamentos filosóficos mais metafísicos, como é o casa do Princípio da Fragmentariedade do Direito, que quer dizer que a Leis funcionam como comportas para reter o poder estatal, mas as leis só retém certo poder estatal, por isso diz-se o Direito ser fragmentário.
Enfim, tanto a violência individual, quanto a institucional, existem e continuaram existindo, as agências criminalizadoras e carrascas necessitam disso para sua auto sobrevivência, e não importa se esquerda, direita, ou social democracia estiverem no poder, pois é relacionado a própria existência do Estado, isso sem levar em linha de conta considerações fenomenológicas sobre a própria natureza humana, ou sobre qualquer outra área do conhecimento humano...
Esses problema é tão difícil de discutir, pois sua multidiciplinariedade é tão alta que até áreas do conhecimento que aparentemente não têm nada haver com a discussão têm grande importância, como é o caso da Arquitetura, onde hoje se discute até como os formatos da urbanização podem influenciar o crime...

Marcel disse...

Só para esclarecer o que comentei acima e concordando com o texto na integra (que aliás é muito bom mesmo), Zaffaroni não defende esta idéia de Estado ter a necessidade de violência para existir, ele só denúncia se aproximando um pouco mais de uma teoria crítica com bases no materialismo-histórico, com doses notórias de fenomenologia... O que quis dizer anteriormente, é que no momento em que Zaffaroni esmiuça a lógica do Estado e da relação de poder com a necessidade de violência, ele faz como fez Maquiavel no Principe (e como faz Focould, mencionado, inclusive, no texto), isto é, ele diz o que é e não diz que tem quer ser assim, o que se coaduna com o que o autor escreve no ótimo texto indicado pelo Gabriel, ao dizer que comparar o que ocorre com o liberalismo e um pensamento material-histórico, neste último onde se tem uma visão crítica dos fatos e teorias...