terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Desculpas ao Luis

*Pré-Scriptum: o post é meio longo, quem não tiver saco pule para o texto em azul lá embaixo, que vale a pena.


Engraçado eu nunca ter mencionado o Luis Fernando Veríssimo por aqui. Gosto muito.

Comprei meu primeiro LFV num aeroporto, indo ou voltando de Fortaleza, há muitos e muitos anos...e comprei o último vindo pra cá, novamente Fortaleza - mais por nostalgia e lembrança da primeira experiência, que foi ótima - do que por uma desejo louco de ler o Veríssimo.

Embora eu jamais tenha lido ou escutado qualquer coisa que o desabonasse, por algum motivo sempre senti que o cara não era tão bem quisto no mundinho intelectual. Ontem, depois de terminar o último livro do cara me pus a pensar no porque disso.

Em primeiro lugar, acho que um dos motivos é que LFV escreve muito fácil. Isso não significa que seus textos sejam desprovidos de alguma profundidade ou relevância. O cara é de uma capacidade criativa impressionante: escreve uma crônica todo santo dia. Penso que assim como o mundo dos quadrinhos, o mundo dos cronistas é tido como uma literatura de segundo escalão.

Essa coisa de escrever fácil, pode pegar mal porque nos tempos recentes os autores nacionais (e internacionais) que fizeram sucesso escrevendo fácil não tinham lá muito o que dizer: Paulo Coelho e o gordo metido da Globo, por exemplo.

Eu mesmo já recomendei muito o LFV justamente para aquelas pessoas que dizem que tem dificuldade em começar um hábito de leitura, sempre pensando que o Veríssimo pode ser uma porta fácil para o mundo das letras sem a terrível idiotização do leitor. Certo, ler um livrinho de crônicas não prepara ninguém para Um Guimarães Rosa, mas serve direitinho para mostrar que leitura pode ser um passatempo divertido, e daí pra conseguir ler um "Cem anos de solidão" é um pulinho. Tenho a impressão de que muita gente recomenda uma coisinha ou outra do Veríssimo, de sorte que algumas de suas crônicas mais famosas se tornaram realmente famosas - enovamente, estamos acostumados com o paradigma de que tudo que faz muito sucesso no Brasil não presta (Jorge Amado é outro que padece do mesmo mal).

Outra coisa que talvez atrapalhe é o fato do rapaz ser filho do Érico Veríssimo, este sim um monstro consagradíssimo das letras brasileiras. Quem não leu "Incidente em Antares" não sabe o que está perdendo...fora "O tempo e o vento", que eu ainda não li e me prometi que leria há muitos anos atrás, logo que terminei o primeiro citado...isso ainda no meu segundo grau, lá em 1994 ou 95. De qualquer forma, essa análise genética dos Veríssimo é uma grande bobagem...ninguém fala mal dos Caymmi porque o pai era muito bom...o mesmo vale para o Chico Buarque. O Luisinho tem a sua própria identidade literária, certamente não tem nada de cópia mal-feita do pai.

Por fim, o cara é uma figura muito simpática - avesso à badalação, tímido, gosta muito de comer e beber (bem), toca sax num sexteto de jazz, e tem uma visão política interessante - os editorias da "Bundas" eram excelentes.

Passando agora para um segundo momento, falemos do último livro. Chama-se "O mundo é Bárbaro - e e o que nós temos a ver com isso".

Como sempre, uma coletânea de crônicas, todas muito recentes - chegam até a campanha do Obama. São todos textículos de duas páginas, que versam do crescimento da potência chinesa, ao declínio da hegemonmia norte-americana, passando pelas peripécias brasileiras na era do "Lulo-petismo" (pra tomar emprestado o termo do neo-reaça Clóvis Rossi, cujo equivalente oposto seria o "Demo-tucanato" - ótimo).

Enfim, o livro não é "gargalhante" como o "Comédias da Vida Privada", mas é daqueles que a gente lê sorrindo...LFV é de uma sagacidade impressionante.

Como sei que o rapaz não vai achar ruim - e nem nunca ficará sabendo - transcrevo aqui uma das crônicas do livro. Não é a melhor, ou a mais engraçada ou a mais profunda...são muitas e é difícil dizer, mas vai lá:


Pense na China
Sugestão para um dia em que você não tiver nada com o que se preocupar e estiver até convencido de que o mundo pode melhorar, deve melhorar, tem que melhorar. Finja que é agora. Simule otimismo. Imite alguém acreditando no futuro com toda a força. Faça cara de quem não tem dúvidas de que tudo vai dar certo. Convença-se de que tudo vai dar certo. Pronto? Agora pense na China. Desanimou, certo? É impossível pensar na China e continuar, mesmo em fingimento, despreocupado. Dentro de muito pouco tempo vai acontecer o seguinte: a China vai tornar o resto do mundo supérfluo. Não vai ser preciso existir mais ninguém, de tanto que vai existir a China. O nosso destino é, enquanto a China cresce, irmos ficando cada vez mais desnecessários. Em o quê? Vinte anos? A China terá o maior parque industrial, com a mão-de-obra mais abundante e, portanto, mais barata da Terra, e produzirá de tudo para o maior mercado consumidor da Terra, que será qual? O dos chineses, mesmo ganhando pouco. A China concentrará toda a atividade econômica do planeta entre as suas fronteiras. A China se bastará. Mas não pense que vamos ficar assistindo ao espetáculo da auto-suficiência chinesa da cerca, esperando alguma sobra. Antes de se tornar definitivamente autocapaz, a China terá que garantir as fontes de sua energia. O seu inevitável choque com aquele outro sorvedouro de combustível fóssil, os Estados Unidos, pelas últimas reservas de petróleo do mundo pode literalmente nos arrasar. Sugestão para reflexão antes de dormir esta noite, se você conseguir dormir: o petróleo do Oriente Médio escasseando, dois monstros sedentos cuja sobrevivência depende do petróleo se enfrentando - e nós no meio. Ganhará o confronto final, nuclear ou não, quem tiver mais gente. A China tem muito mais gente que os Estados Unidos. Enquanto isso, a Índia... Mas chega. Reanime-se. A vida é boa, há borboletas e os pêssegos estão ótimos. Eu, na verdade, não tenho com o que me preocupar mesmo. Estou a caminho da fase pré-fóssil e não estarei aqui quando tudo isto acontecer. Mas só queria avisar.


Bom, a tônica do livro é meio pessimista mesmo...começando pela capa: o LFV sentado, atrás do computador, atrás do mundo pegando fogo. A linha clara é que, para ele, o Oriente ganha a guerra óbvia com o Ocidente, por mais que a gente torça pelo contrário - ou pela improvável paz mundial.

Tem várias outras legais, recomendo o livro. E que o LFV, depois desse post me perdoe por ter esquecido de recomendá-lo pra quem sabe ler por tanto tempo.


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3 comentários:

Gabriel G; disse...

... um texto muito apropriado para se ler próximo às festas de ano novo...

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

E não é mesmo? Haviam outros, ainda mais apropriados - sobre o futuro do Brasil, por exemplo.

rsrsrs!!!

super disse...

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