Ou The “É nóis!” delusion
Abaixo segue uma versão adaptada de um comentário enorme que mandei em 4 partes para uma discussão no blog do Nassif. Não sei se vão publicar, mas achei legal colocá-lo aqui.
O post que gerou a discussão falava a respeito da
reação humilhante de Diogo Mainardi diante do medo de ser enquadrado pela PF em sua ligação com Daniel Dantas. Mas não é isso que discuto aqui (embora isso valhesse uma postagem deliciada de minha parte). O que discuto é a seguinte afirmação, feita entre os comentários do post original, e que recebeu apoio de vários outros comentaristas:
“Se não existisse a internet eles teriam derrubado o governo Lula”
Apenas um comentarista habituê se dedicou a comentar o absurdo da frase. Ele, que atende pelo níqueneime de “Anaquista”, é alguém com quem raramente concordo (ainda que eu participe pouco do blog lá e nunca tenha com ele discutido), que volta e meia faz comentários anti-Lula e que possui um estilo “polemista” que acho um tanto irritante. Mas concordei plenamente com ele nesse caso, e resolvi declarar isso e explicar porquê. O texto vai aí abaixo.
Falar, como alguns colegas internautas, que Lula não caiu por causa da Internet, soa pra mim tão reducionista e irreal como se dissessem que "os caras-pintadas derrubaram Collor".
Embora possa não parecer a alguns, acredito que a discussão a esse respeito seja crucial.
Há que se dizer em primeiro lugar que, certamente, a Internet teve sim o seu papel, importante e sobretudo novo. Mas não acho que tenha exercido, por exemplo, uma "conscientização" de um público mais largo. E duvido também que haja um número mínimo de anti-lulas "genéticos" ou algum fã de Mainardi que tenha mudado sua opinião lendo a "imprensa livre" da internet.
Acredito que a internet teve seu papel, sim, na retroalimentação de informações críticas e na consolidação e comunicação de opiniões e de fontes diferentes. Isso se deu a partir de pessoas com senso crítico que desconfiam da "Grande" imprensa, mas é claro que também incluiu apoiadores pouco críticos de Lula e do PT.
De qualquer forma, isso ajudou a formar um "coro dos desconfiados" trocando informações e fazendo pressão, o que seria praticamente impossível há apenas uns 10 anos.
Mas é gritante para mim que atribuir à internet o "salvamento" do governo Lula de uma queda injusta é, na melhor das hipóteses, um exagero do calor do momento diante dos teclados. Na pior, é sinal de uma preocupante falta de autoconsciência e um desconhecimento grave do que é este país, do tamanho dele e de qual a realidade de sua população e de seus políticos.
Embora a internet possa parecer vasta e sem fronteiras, na verdade nós, seus usuários, ainda fazemos parte de uma contingente pequeno: a elite dos que têm acesso, meios e capital intelectual para a manipulação de informações.
Essa constatação parece elitista? Não é. É apenas factual. O que é elitista é querer atribuir a esse punhado estatístico de gente a estabilidade do governo de um país surrealmente vasto e de mais de 180 milhões de habitantes; pois reduz bruscamente a importância do posicionamento dos milhões e milhões de pessoas para quem o acesso à Internet não chega a ser nem mesmo um objetivo relevante, dada a lista imensa de coisas mais necessárias que ainda estão por receber.
Mas há aí na “impressão da Internet salvadora” um segundo erro, muito importante. Que é este: Lula nunca esteve perto de cair. Nós (a “information society”, se me permitirem a piada) só chegamos a acreditar nisso por causa da imprensa.
Eu percebi isso após a reeleição. Com o trabalho fantástico de anti-jornalismo que a imprensa estava fazendo (talvez só visto anteriormente nas eleições de 89), eu estava realmente preocupado com o retorno de um PSDBFL triunfante, ungido pela desmemória brasileira à condição de “Partido de Todos os Santos” (como já desenhou o genial Angeli).
Bem, aquela frase de que “o país votou contra a opinião pública” resume bem a coisa: o que tendemos a chamar de opinião pública -- leia-se: o que é publicado pela imprensa -- não é representativo da maioria da população do país.
Nessa ocasião se revelou pra mim a armadilha a qual nós, consumidores/produtores de informação, estamos inconscientemente submetidos: pautar-nos excessivamente pelas informações mediadas pela imprensa, e termos a impressão errada de que o que é falado e pensado para “nós” o seja para todo o Brasil. Ou seja: de esquecermos de que AINDA somos uma elitizinha minúscula num país vasto.
Eu acho que ter consciência disso tudo é importante pelo fato de que sempre há uma tendência velada a nos vermos como “a consciência” ou “a esperança” do país; e essa tendência, quando inconsciente e pouco refletida, é um flanco aberto através do qual os “formadores de opinião” menos escrupulosos – de quaisquer espectros políticos-- procuram nos seduzir. É uma estratégia que tem considerável sucesso, pois se baseia na sempre confiável massagem do ego alheio.
O sucesso descomunal da retórica neocon e de figuras como Mainardi e Azevedo têm entre suas bases a possibilidade de dar vazão a sentimentos de raiva e frustração disfarçados de “inteligência” e “consciência”. O que mais significa o horroroso
“indispensável para o país que queremos ser” da Veja, senão um apelo a essa auto-complacência de uma classe-média indignada e frustrada querendo se ver como elite-esperança-da-nação?
O meu ponto é: sem auto-crítica, não existe possibilidade crítica real.Vamos tomar cuidado de não nos deslumbrarmos excessivamente com as possibilidades da Internet a ponto de confundi-las com a realidade.