quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

ALÔ?


— Alô?
Talvez a voz soasse um pouco alta para quem quer que estivesse do outro lado. De cá, amigos e outras mesas em conversas animadas, pratos, talheres, copos e garrafas. Falar alto no ruído é ato-reflexo. Podia ser pior — haver mais gente, teto mais alto e ressonante, bandinha tocando; mas não, o teto era baixo e não era quarta-feira.
— Oi... lembra de mim?
— Quem é?
— É a (sua irmã...?)...
Ainda assim, muito barulho. Não o bastante para não escutar, mas o suficiente para não se ter certeza a respeito do que se escutou. O que, numa ligação estranha, é das piores coisas. Voz inesperada, entonação inesperada e misteriosa. Imagens de pessoas possíveis passavam frenéticas na cabeça durante meio segundo, nenhuma batia. Amigos conversando, pessoal bebendo, namorada do lado. Voz de mulher na sua mão.
Putaqueopariu.
—Ah. (?....!)
Não importava mais se falava alto; pelo menos daria uma indicação de que estava realmente difícil entender (só se fala alto demais no telefone quando se está imerso no barulho, não?...).
— Faz tempo que a gente não conversa, né...?
Tinha um pânico antigo de não levar crédito, de suspeitarem injustamente de si. E quando tinha isso, fingia a verdade — o que, para sua infelicidade, é um dos comportamentos mais suspeitos. Numa situação suspeita, se estava realmente surpreso e indignado externava o sentimento com tanta veemência que os outros (se lhes sobrasse alguma maldade ou esperteza a mais) poderiam bem achar que mentia.
— Espera um pouco: quem tá falando?
A ligação termina. Na cara.
Pra bom entendedor, meia.
Pra quem não quer entender, nem um tratado.

Celular é uma merda.

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