segunda-feira, 14 de maio de 2018

Bandeiras, política e futebol

"As pessoas têm que entender que a farda deles [PM] é sagrada, é a extensão da bandeira do Estado de São Paulo. Se você ofender a farda, ofender a integralidade do policial, você está correndo risco de vida. É assim que tem que ser".

Assim falou o Márcio França, mais um político da longa lista daqueles que foram lançados na vida pública brasileira por ter ocupado a cadeira de vice-governador ou vice-prefeito do governo ou prefeitura de São Paulo (rol que inclui Kassab, Bruno Covas e o próprio Alckmin).

O meu próprio "bandeirismo" passou há muito tempo. Sempre desconfiei da afirmação de que "O hino brasileiro foi 'eleito' um dos mais belos do mundo". A bandeira do Brasil eu acho bonita, mas ao longo dos anos desenvolvi um certo gosto por provocar o nervo nacionalista dos conterrâneos com algumas provocações: "digam o que quiserem sobre o lábaro estrelado, mas a mim parece o resultado de uma baita trombada entre um papagaio de massinha de modelar e uma parede branca (inclui as estrelinhas da dor de cabeça do  melhor estilo de desenho animado)". Acho educativo.

O brasileiro, diga-se de passagem, nunca foi maluco por ostentação de bandeira. Quem já saiu do país sabe disso. Quando fui morar nos EUA pela primeira vez, aos 16 anos, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a quantidade de casas que tinham a bandeira americana tremulando num mastro, bem na frente do jardim. Tudo parecia oficial. Ter bandeira na frente de casa é um indicativo claro de que, naquele espaço, a utilização da liberdade de expressão para ofender a estética da bandeira não é bem-vinda.

Todas as manhãs, na escola, os alunos são convidados a se levantar e recitar o juramento de lealdade à bandeira. Eu levantava junto, mas não dizia as palavras, claro. O professor da primeira aula chegou a me perguntar a razão pela qual eu não me juntava ao coro e não fez muito esforço para entender a simples resposta: "não sou deste país". "Mas deveria ser grato", respondeu.

No Brasil, bandeira era objeto de torcida, a gente só se ufanava em época de copa, exceção feita aos gaúchos com seus adesivos de bandeira (do estado) nos parachoques dos automóveis.

De 2013 pra cá, as coisas por mudaram. Por estar presente naquela que foi a maior manifestação daquele ano, presenciei, em tempo real, o momento no qual a semente do nacionalismo exacerbado brotou: uns 500 depois que viramos na 9 de julho, saindo da Rebouças. Ali, várias pessoas, nas suas sacadas, saudavam à multidão com bandeiras verde-amarelas. A retribuição foi quase automática: toma hino nacional (errado, claro) de volta. Dois dias depois, na Paulista, bandeiras de partidos e movimentos sociais eram arrancadas das mãos dos manifestantes e incendiadas - "jamais será vermelha".

Porrada por conta de bandeira, cor de camisa e hino, aliás, eram coisas que se restringiam aos estádios de futebol. Talvez ter trazido o clima de Fla-Flu para a política (aliás, a TV Folha tem um programa de debate com este nome) tenha despertado no povo a reação que nos é familiar no universo das torcidas organizadas, o caminho da violência. As piadas, os memes que vemos sobre o "grupo rival" lembram muito os que se veem entre torcidas depois de uma goleada. As acusações de "juiz ladrão", a depender dos resultados são outra lembrança, além dos programas de mesa-redonda, no caso da política, a diversidade de opiniões na mídia é bem menor.

Saindo da digressão futebolística, eu não gosto de generalizar fascismo, mas a sacralização dos símbolos nacionais e sua utilização como elemento identificador daqueles que fazem a "defesa da pátria" é um sintoma meio sério. Primeiro, porque automaticamente coloca toda a oposição desbandeirada o selo de "traidores da nação". Segundo, porque deposita sobre a bandeira o peso de uma porção de causas parciais. É a volta do "Brasil: ame-o ou deixe-o". Aqui uma rápida digressão: não consigo mais lembrar dessa frase sem citar o Leminski - "ameixas, ame-as ou deixe-as".

Ao colocar o culto à pátria acima do direito à livre expressão, na prática eleva-se o nacionalismo a um patamar superior ao da democracia. Ameaçar quem ofende à PM ou à bandeira com a morte, como fez o governador, leva a questão ao extremo. É a solução dos opacos, porque mais simples. Democracia é um negócio bagunçado, cheio de nuances, opiniões divergentes, um sistema no qual nem sempre a nossa vontade individual prevalece.

Fora isso, daqui a pouco tem copa, eu quero torcer pelo Brasil, com direito à pipoca, bandeira e camisa. Fico com a gélida sensação de que essas coisas - com exceção da primeira - foram tomadas de mim.

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