domingo, 19 de fevereiro de 2012

das polêmicas seletivas


(Este é um post motivado pela memória seletiva alheia e por um episódio virtual que, ainda que minúsculo e já antigo, permanece significativo.)


Interessante.

Em 2009 Danilo Gentili, repórter-comediante do CQC, fez a seguinte piada:
“King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”

A vogue também curtiu a analogia, mas com jogadores de basquete.

Houve um rebú, obviamente. Entidades de luta contra o racismo repudiaram e entraram com processo contra o comediante; a imprensa -- como sempre -- deitou e rolou afogueando a "polêmica", com reportagens e re-re-reportagens a fio de réplicas, tréplicas e opiniões, pessoas aproveitaram-se para falar grosso contra a ignomínia, e outras para parecerem mais inteligentes e cívicas traçando diatribes contra o "politicamente correto", a favor da liberdade de expressão e até -- talvez ainda na rebarba da onda Ali Kamel -- que racistas eram esses os outros que queriam ficar aí falando de "raças" e querendo cotas. A internet retroalimentou e remoeu o caso um tempão.

Minha opinião geral sobre o episódio é mais ou menos a mesma que a de Hélio de la Peña: a piada foi meio fraca e, por depender de preconceitos dos anais do anedotário nacional, era quase impossível de ser engraçada para qualquer homem negro; processá-lo por isso, todavia, era muito exagero.
(Devo frisar por questões de rigor histórico que essa piada seria provavelmente considerada engraçada num pátio de escola quando eu era adolescente, e provavelmente em muitos colégios (principalmente particulares) a molecada (branca) continuaria se divertindo maldosamente com ela)

Gentili mesmo, depois de querelar via twitterrespondeu longa e "bravamente" às críticas, dizendo que podia fazer piada do que quisesse e com quem quisesse, e que racista era quem criticava ele quem advogava um estatuto diferenciado para um eterminado grupo e quem era incapaz de ver a leve graça de uma piada simples.
É preciso dizer que Gentili chegou a dizer que nem tinha falado que o personagem da piada era negro, ora, então racistas eram os que apontavam isso... afinal, ora, raças não existem.

“Se você me disser que é da raça negra, preciso dizer que você também é racista, pois, assim como os criadores de cachorros, acredita que somos separados por raças. E se acredita nisso vai ter que confessar que uma raça é melhor ou pior que a outra, pois, se todas as raças são iguais, então a divisão por raça é estúpida e desnecessária. Pra que perder tempo separando algo se no fundo dá tudo no mesmo?
Arrã.
(Opinião minha a respeito: mesmo tendo problemas com coisas como cotas, acho que pra se dizer ISSO é preciso ser muito sonsinho ou fiadaputamente cara-de-pau. Gentili já fez coisas engraçadas e bacanas como humorista, mas essa foi pra perder todo o respeito mesmo.)

Gentili depois disse que pediria perdão a pessoas que se sentissem ofendidas pelas piadas que fazia, mas que não apagaria-as do twitter ou de onde quer que fosse.

Desde então, o comediante aproveitou as agruras e o poder de impulso da "polêmica" para tentar catapultar-se um pouco mais à fama: publicou um livro intitulado "Politicamente Incorreto"...


Em 2011, Gentili se meteu em situação parecida, mas em uma piada sobre judeus -- desta vez, ao contrário da anterior, motivada por um evento particular.
Moradores de Higienópolis, bairro de São Paulo, protestaram contra a estação de metrô que planejava-se fazer lá. O bairro é conhecido por abrigar a elite paulistana e, dentro desta, muitos indivíduos judeus (um amigo paulistano, aliás, refere-se ao bairro -- não sem leve maldade -- como Hijudeunópolis). Embora uma boa parte -- alguns dizem maioria -- dos moradores de higienópolis se dissessem a favor do metrô lá,  os influentes incomodados conseguiram impedi-lo; seus motivos foram imortalizados na frase infeliz de uma senhora a respeito de como ele abalaria a harmonia do bairro trazendo "uma gente diferenciada". A reação à frase, entre ondas de protestos na internet e imprensa, gerou também um dos acontecimentos mais batutas de 2011, o Churrasco da Gente Diferenciada.

Gentili, inspirado pelo absurdo da situação, aproveitou também para ironizar e deixar sua marca. Escreveu no facebook:
"Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz"
[ Minha opinião: a piada  é mais engraçada e criativa que a anterior, ainda que também pesada.  Se apóia menos em estereótipos maldosos de judeus (p. ex: como avaros e etc), sendo que suas "ofensas", ao que parece, são fazer menção simples ao Holocausto numa piada (o que muitos considerariam inaceitável por si só) e apontar abertamente um estereótipo popularmente falado -- que higienópolis É um bairro cheio de judeus.]

Houve um rebú também nesse caso, mas aparentemente muito mais discreto -- porque mais rápido e eficiente: a comunidade judaica repudiou, a Bandeirantes repudiou, o twitter repudiou; sem mais "bravas palavras", Gentili rapidinho apagou a piada de seu facebook e se desculpou perante a comunidade judaica. Não houve nenhuma resposta "espertinha" e "cívica" contra discriminação desta vez.

Agora, "falhar no objetivo com a piada" era algo que merecia desculpas imediatas. Ora, porque com preto pode e judeu não pode?...A que devemos essa mudança?
Ao cansaço e "escaldamento" do comediante devido à polêmica anterior, talvez?
Porque o Twitter, ainda mais forte que em 2009, inundou-o inclementemente de reclamações ao invés de elogios?
Às conexões sociais e políticas "mais influentes" e advogados mais poderosos das associações judaicas?... (obviamente, tem gente que me chamaria de nazista só por colocar essa opção aqui!)

Seja qual for o motivo da diferença, não foi a reação de Gentili que me fez falar a respeito desse assunto. Que o cara continue evoluindo em sua carreira, e eu provavelmente continuarei não dando muita atenção à ela.

O que motivou este longo post foi simplesmente o seguinte: recentemente, o Facebook -- ou pior, o MEU facebook mesmo, não sei o porquê -- foi tomado de pessoas "compartilhando" a antiga resposta de Gentili aos seus críticos por ocasião da "piada de king-kong". Essa resposta é geralmente compartilhada como protótipo de resposta de alguém "inteligente" contra a "burrice" politicamente correta alheia.

Julgo que deve ser o tipo de compartilhamento de fãs do CQC, daqueles que julgam o programa uma epítome da consciência política. Ao que parece, devem ser também pessoas revoltadas com o "politicamente correto", com os caminhos da questão racial no Brasil neste momento (cotas, processos, leis, etc) ; e também pessoas que, se me permitem apostar um tostão a respeito, eu chutaria serem todas brancas.

Esse compartilhamento da resposta de Gentili por muitos Blogs afora já havia ocorrido na época, é fato antigo. O curioso é sua recuperação no facebook justamente agora: afinal, ao heroicizar Gentili novamente, ninguém compartilhando essa resposta antiga se lembrou do assunto tão mais recente de higienópiolis.
Ninguém pareceu se incomodar ou preocupar tanto com o "direito" de Gentili de fazer piada com judeu.

Nem ele mesmo.


Interessante.

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