segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

UFC, a Rinha Humana. É da Globo, claro!

Aconteceu em dezembro.

Num sábado qualquer, resolvi sair com um casal de amigos.  Após rodar por uns 40 minutos pela lotada Vila Madalena, finalmente encontramos um boteco pra sentar...chegamos muito tarde, quase meia noite, e os bares que seriam as primeiras opções naturais estavam lotados.  Acabamos no tal "Boteco Santa Laura".

O preço a pagar por sentar em um lugar aleatório pode ser qualquer um.  No nosso caso, em pouco tempo percebemos que iria rolar um pagode.  Antes disso, porém, teve outra coisa: era dia de UFC.  O áudio da TV estava num volume ensurdecedor, muito mais alto que o do grupo de pagode, que tocava entre mas lutas.  Durante as lutas, urros, socos nas mesas, e muita gente falando sobre o assunto.  Honestamente, eu nem sabia do que se tratava.

Resumindo, a noite foi um lixo: quando não estava rolando o maldito pagode, era a ensurdecedora transmissão da Globo e gente gritando.

O episódio relatado acima foi o que deixou claro pra mim que o UFC está, de fato, se tornando uma coisa muito popular no Brasil.  A receita é a seguinte: a Globo transmite, o Brasil tem um bom número de lutadores de ponta e o "esporte" é simples o suficiente para que todos entendam.

O fato de que a Globo resolveu dar destaque ao UFC provavelmente fará do Brasil o maior mercado do UFC...no exterior, essas lutas são transmitidas no sistema pay-per-view, o que as torna um pouco mais restritas.  Já temos lutadores alçados aos postos de ídolos nacionais, e Galvão Bueno na narração certamente acrescenta o ingrediente que talvez ainda faltasse na mistura: o ufanismo desmedido e desvairado.  Agora, vemos pessoas discutindo UFC nos ônibus, na padaria, nos bares, como acontece com futebol e novelas - aliás, os principais produtos da Globo...só pra dar uma idéia, o futebol dá tanta grana pra Globo que ela paga, só para Corinthians, Flamengo e São Paulo, 280 milhões de reais por ano!  E o UFC tem tido quase tanto destaque da emissora quanto o futebol...o que isso quer dizer?

Ainda não reuni todas as razões, não pensei tanto sobre o tema, mas esse fenômeno UFC me desagrada.  Algumas das razões:

1) Esporte?

Imaginem a seguinte cena: Mike Tyson nocauteia um adversário com um direto no queixo.  Assistimos a isso muitas vezes, certo?  Agora, imaginem isso: Tyson acerta um direto no queixo de um coitado.  Esse cara cai, pronto para ficar no chão, desacordado ou com dificuldades para se levantar.  Quando se dá conta, Tyson está caindo em cima dele, e acerta mais quatro socos contra sua cabeça desprotegida.

Não sei se posso afirmar que o MMA não é um esporte, mas acho que, pelo menos do ponto de vista "olímpico", não é.  Artes marciais fazem parte da cultura humana, e eu não tenho nenhum problema com a existência delas ou do próprio MMA (mixed martial arts).  Quem quiser apanhar, que apanhe.  Agora, penso que quando se pretende popularizar uma prática que frequentemente se assemelha mais a um espancamento, e permitir que crianças assistam, é preciso ter condutas mais "humanas".  No UFC o espetáculo certamente é muito mais importante que o bem-estar dos lutadores.  Isso fica claro em várias lutas em que o juiz permite que um lutador continue aplicando golpes contra a cabeça de um adversário já no chão, nocauteado por uma porrada muito forte.  Eventualmente eles interrompem a pancadaria, mas 4 socos com muita força contra uma cabeça desprotegida podem causar muito dano.  Talvez se não fosse permitido nocautear no chão, sei lá...o fato é que as regras do UFC - ou a falta delas - são feitas em função do gosto do freguês, que está ali para assistir a uma verdadeira rinha humana.

2) Mau exemplo para as crianças:

O futebol sempre foi o esporte mais popular do Brasil.  Apesar de termos péssimos exemplos, a  maioria dos jogadores não são violentos.  Nem mesmo a maioria dos torcedores das organizadas são pessoas violentas, o que não impede que episódios terríveis ocorram.  Dificilmente um jogador muito violento se torna ídolo no futebol, e torcedores violentos são vistos com reprovação.  Não me agrada ter, ocupando os postos de ídolos nacionais, lutadores de MMA.  Ter um Galvão Bueno incendiando um público, falando que fulano representa o Brasil, é uma tristeza.  Por mais que esses lutadores tendam a se cumprimentar no fim das lutas e ter uma postura de bons moços, alguém consegue ver algo de positivo em um menino de 6 anos ter o Anderson Silva como grande ídolo?

Achei um vídeo que ilustra o que quero dizer:



Pelo que entendi, os pais desse menino, ou os responsáveis por ele, acham uma gracinha que ele esteja esmurrando o marmanjo sentado em cima do saco de areia.  O menino tem as próprias luvas - bem pequenas - e vai com tudo.  O cara que tá apanhando deve estar acostumado a isso, talvez seja um lutador, sei lá...mas socos no nariz, mesmo de um menino tão pequeno, podem machucar.  O cara vai instruindo a criança a socar de frente, deve ensinar outras coisas...pergunto: esse menino tem discernimento para não socar os coleguinhas na escola?  Ele é mais ou menos propenso a brigar?  Ele tem ou não um potencial maior de machucar de verdade uma outra criança, dessas que brigam puxando cabelos, dando tapas ou soquinhos?  Tá, faz muito tempo que os pais colocam os filhos em aulas de judô e karatê, mas essas modalidades tem regras muito mais rígidas e um controle disciplinar maior.  Judô não envolve pancadas e karatê nunca se notabilizou pelas transmissões em rede aberta, onde lutadores sangravam até serem nocauteados.  Nunca tivemos esse exemplo.

Ainda na questão do exemplo para as crianças: imaginem o pavor dos professores da rede pública em dez anos?  Se hoje já são comuns os relatos de professores sofrendo ameaças e violência dentro de sala de aula, imaginem com uma geração "escolada" em MMA?

3) Mau exemplo para adultos:

Um texto do Ricardo Perrone, jornalista esportivo, me chamou a atenção.  Um novo fenômeno está começando dentro do UFC: lutadores que se relacionam com clubes de futebol.  Os caras ganham as lutas e ostentam bandeiras de times, camisas, fazem declarações para provocar torcidas adversárias, etc...

O tal do Anderson Silva, corintiano doente (como todos), depois de nocautear um outro fulano no Rio, recebeu vaias, justamente por representar o Corinthians.  Num momento de brilhantismo, resolveu que a coisa certa a fazer seria uma provocação aos flamenguistas.

A frase síntese do texto do Perrone é a seguinte:

"Se com o Kléber dando um drible no Alessandro corintianos e palmeirenses já acham motivo pra se matar, imagine com um alvinegro espancando um palmeirense no ringue."

A última coisa da qual precisávamos era essa: que num país já tão desmiolado quanto o nosso, onde se acha ok beber e dirigir, onde se bate muito nas mulheres, onde brigas de trânsito terminam em morte, tenhamos um monte de gente acompanhando os combates em bares, enquanto enchem a cara de álcool.

Ainda vai acontecer de um sujeito sair de um bar e espancar um flanelinha com golpes de Muay-Thai; bater o carro, nocautear o outro motorista, chegar em casa, ouvir um monte da mulher e destroncar o braço da coitada "Muié chata, sô!"

Enfim, não sou contra a existência dos eventos de MMA, embora não os aprecie e não considere um esporte, mas apenas um espetáculo de violência gratuita.  Mas gostaria de ver essa febre passar.  Se a Globo permitir.



**Atualizado em 07 de novembro de 2013, só pra adicionar este link:

http://www.dailymail.co.uk/news/article-2487527/Inside-world-child-cage-fighting-Boys-trained-attack-MMA-arenas.html

Bárbaro, não?

4 comentários:

André disse...

É Marcelo, esta sua noite deve ter sido uma merda mesmo!

Interessante esta sua visão da disseminação – um pouco tarde, diga-se de passagem – do UFC, ou MMA, ou qualquer destas merdas por aí, no Brasil. Realmente, em um país onde a educação é a grande falácia e a “arte” de tirar vantagem é secular, o novo espetáculo do “pão e circo” da Globo só irá dificultar as coisas em um futuro próximo.

Pobre do meu irmão, que cresce no meio da espetacularização do caos e do ódio. Acho que vocês do blog, religiosos convictos, deveriam lançar uma campanha de fraternização, ou algo assim, pedindo o fim do MMA no Brasil – ou, pelo menos, da narração do Galvão.

Abraço.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

É André,

Reiterando, aquela noite foi um lixo mesmo, mas não por conta das pessoas mui agradáveis que me acompanhavam.

Não sei uma campanha da fraternidade, mas talvez a gente consiga engatilhar um protesto contra a narração do Galvão no vão da Fêfe-létche (fica bonito assim, não?).

Marcel disse...

Então Marcelo, também nunca apreciei esportes de MMA ou o antigo vale tudo.
Eu treinei artes marciais durante mais de 14 anos alcancei 2º Dan da faixa preta no Karatê e treinei Jiu-Jtsu, bem como tentei um pouco de boxe.
Mas já estranhei muito ao sair do seio do Karatê e tentar outros esportes de lutas. No Karatê nós tínhamos regramentos muito certos para não iniciar uma briga no colégio, sob pena de expulsão do estilo. Na verdade era raro a expulsão, vez que conversas com os pais e o mestre com o praticante de karatê eram suficientes. Mas presenciei a expulsão de um membro adulto, que resolveu sair brigando por ai. Chegou a ser ritual, pois retirou-se a faixa preta dele e lhe foi negado treinamento no estilo em razão do incidente que não representou de forma alguma legitima defesa ou estado de necessidade.
Verdade que isso vai variar de professor para professor, mas via de regra o Karatê e artes marciais tradicionais são cheias de regramentos para nunca bater nos outros.
Quando treinei jiu-jistsu, notei aquela coisa bem brasileira e um tendência maior a violência por parte dos alunos. Mesmo assim, com certo regramento. Inclusive, um certo lutador que você já treinou também Marcelo, um dia resolveu me barrar quando morava perto de casa e começou me chamar de branquelo e rir. Pois é, não citarei nomes para não incorrer em eventual acusação de calunia, mas mesmo ele queria bater em alguém.
Agora imagina esses esportistas de MMAs a fora por ai, muitos ignorantes... Não preciso nem falar..
Fora que muitas vezes, salvo os lutadores de ponta, os lutadores de vale tudo são máquinas de músculos sem técnica de chão apurada ou de luta em pé distribuindo porradas no mesmo estilo gorilesco...

Gabriel G; disse...

...pra continuar depois esta série "Wilbor se moraliza" (:)), futuramente ainda comentarei a respeito da "mensagem" da atual pimp-music (o que sobrou do hip-hop) que domina os canais se programas de vídeo-clip...