sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Sustentabilidade hedonista"

E eis que fui semanas atrás numa palestra do Bjarke Ingels na PUC Rio. É ele mesmo, o cara que fez a primeira publicação monográfica de Arquitetura em forma de história em quadrinhos (Yes is More), que já apareceu no Wilbor antes.

A palestra era significativamente intitulada de "hedonistic sustainability". O tema já era explicado em seu  Yes is More, e o mais novo projeto deles a ilustrar o "pincípio" pode ser visto nestes slides aqui.

(não, esta foto aqui não foi na PUC. Meramente ilustrativa.)

Lendo seu livro e acessando seu site, dá pra ver que Bjarke é um cara que entende e explora como ninguém neste momento o potencial da mídia para a propaganda e divulgação da arquitetura. Eu há tempos  tinha intuições de que uma característica forte deste seria fato de usar as mídias de maneira "popularizável", voltada a um público "middle-brow" e não um super-intelectualizado e especializado. Em uma palavra: um discurso voltado em muito para leigos interessados, alunos de arquitetura e jovens arquitetos.

A quantidade de alunos se acotovelando afoitos num auditório lotado me reforçou essa intuição. Não deixe que a cara de ator de Malhação engane: ele é muito inteligente e astuto.Com 36 anos, um escritório construindo coisas no mundo todo, uma história em quadrinhos arquitetônica cada vez mais popular e um trendy look entre o bem-vestido e o calculadamente desarrumado, Ingels me parece ter potencial para ser o mais jovem arquiteto pop-star já visto.

Além da PUC, nesta visita ao Brasil ele foi entrevistado pela GNT e pela revista AU.
Aqui a entrevista da AU:



(O mais gozado é ouvir ele falar que, quando começou o curso de arquitetura, queria na verdade ser quadrinhista. Pra mim faz todo sentido)

E aqui a entrevista do programa "Nos Trinques", da GNT. É um programa para super-descolados  (curiosidade: o entrevistador, Guto, foi meu bixo lá em São Carlos). Percebam que o tom da entrevista já é  já é mais panorâmica, rasante e um tanto fashion; uma introdução a "leigos interessados".



Algumas considerações:

1) Deve ser um saco ficar repetindo as mesmas explicações o tempo todo. No livro, na palestra, nas duas entrevistas, e em outras apresentações, vi várias coisas serem distas de novo e de novo.
Nisso, BIG se torna um escritório de slogans e punchlines; e sabe fazer isso muito bem.

2) Como vários escritórios internacionais, BIG deve estar com sérios planos de invasão aqui da Brasiléia, e parece que estamos a corroborar seus planos (ao menos em publicidade). Na palestra ele começou falando sobre Brasil, mostrou foto de suas visitas à favelas (ficou hospedado em uma anos atrás), falou destas como potencialidades arquitetônicas e que têm a melhor vista do Rio e por aí vai. Se ele conseguir aportar seus trabalhos por aqui, há riscos de que arquitetura fique mais pop do que nunca no país... ou não. Vamos ver.

3)  Você assiste à apresentação dele admirado (ainda mais se, como eu, você estudar apresentações), e alguns edifícios parecem realmente empolgantes e bem-bolados. Porém, ao mesmo tempo, me gera muita desconfiaça o fato de suas explicações fazerem tudo parecer simples demais.
O ponto principal de desconfiança: basicamente, as principais argumentações de BIG se dão na forma se sínteses de oposições. Um exemplo é o mote básico do grupo:
"Historically the field of architecture has been dominated by two opposing extremes. On one side an avant-garde full of crazy ideas. Originating from philosophy,mysticism or a fascination of the formal potential of computer visualizations they are often so detached from reality that they fail to become something other than eccentric curiosities. On the other side there are well organized corporate consultants that build predictable and boring boxes of high standard. Architecture seems to be entrenched in two equally unfertile fronts: either naively utopian or petrifyingly pragmatic. We believe that there is a third way wedged in the nomansland between the diametrical opposites. Or in the small but very fertile overlap between the two. A pragmatic utopian architecture that takes on the creation of socially, economically and environmentally perfect places as a practical objective"
Assim, grande parte das contradições que em tese guiariam a sociedade -- utópico versus pragmático, público versus privado, sustentabilidade versus  conforto, ecologia versus  economia, etc-- seriam, no fundo, resolvíveis pelo bom projeto... ou seja: no fundo, seriam "falsas contradições".
A questão é: será que não estamos falando aqui de "bonecos de palha"? Será que, astutamente, Bjarke não monta oposições relativamente caricatas para, por um lado, torná-las facilmente digeríveis paro público e, por outro, poder ele mesmo se posicionar e propagandear como grande desmistificador? (Esta, afinal, tem sido uma estratégia até usual ultimamente)


Essa última inquietação me desperta outro grupo de questões, mais sério que este. Não seria BIG, juntamente com muitos escritórios internacionais centrados em sustentabilidade, uma amostra de que estaríamos retomando fortemente uma espécie de "mito do design" característico do período modernista de até meados do século XX? O "design mudando a sociedade", só que agora na linguagem atual -- magnificado pela mobilização de mídias em apresentações impressionantes? Seria esta a forma que os arquitetos --  conscientes ou só subconscientes de praticarem uma profissão fundamentalmente frágil --  têm encontrado de colocar-se como alguma coisa útil e desejável no mundo atual?

Tentarei voltar a esse assunto futuramente.

2 comentários:

leeo_ntos_ disse...

O planejamento urbano utilizado pelo BIG explora diversas possibilidades em todas as etapas do projeto para assim obter soluções mais sustentáveis (digo "mais" pois hoje é impossível ser totalmente sustentável) e é claro que tudo isso é sendo explicado ilustradamente da maneira dele para apresentar os projetos é apenas uma "publicidade". Porém ele utiliza sim de fundamentos que não são frágeis, e sim, de grande utilidade no desenvolvimento de um projeto funcional, sem contar o modo que ele "embeleza" isso, sendo uma função do Design. Dentre eles seriam: Fluxogramas (ele explora bem essa etapa inicial), Localização do projeto (melhor posição solar), Pontos de vistas e aberturas (transparência e opacidade), estudos da cultura do local do projeto, além das formas contemporâneas que carregam um modo mais eficiente de projeto, não como os projetos utópicos e caríssimos da Zaha Hadid. Mas um utópico pragmático, que encara a realidade e faz o melhor com menos.

leeo_ntos_ disse...

E ele ainda cita que é de responsabilidade dos arquitetos de buscar soluções projetuais mais sustentáveis que tragam benefícios e ainda por cima atraiam as pessoas, pois sustentabilidade tem como premissas o conforto do ser humano que vivencia aquele projeto, além da preocupação com impactos ambientais, etc, etc ,etc. Ou seja, sustentabilidade arquitetural é diferenciada por um projeto eficiente e econômico, com um design bem pensado. E isso envolve várias etapas de um projeto, tem muito estudo preliminar, planejamento, tipologias. Acontece que ele soube expressar isso de maneira que parece simples. Mas não é tão simples assim desenvolver tudo isso. Minha humilde opinião. Um abraço, fique em paz. :)