Já falei sobre o assunto antes, mas cheguei à conclusão que talvez o melhor que eu poderia fazer é falar sobre o homem. Mas, pra isso, chamo o Laerte:
Sobre a mulher, não tenho nada melhor a oferecer que um texto do ano retrasado, de outra pessoa. Não tenho nada melhor mesmo: até este momento, é o meu texto preferido sobre este dia, feito por alguém que sabe mais do assunto e escreve bem melhor do que eu. (o conjunto de liks vale a pena também)
Dispenso essa rosa
Marjorie Rodrigues
Dia 8 de março seria um dia como qualquer outro, não fosse pela rosa e os parabéns. Toda mulher sabe como é. Ao chegar ao trabalho e dar bom dia aos colegas, algum deles vai soltar: “parabéns”.
Por alguns segundos, a gente tenta entender por que raios estamos recebendo parabéns se não é nosso aniversário (exceção, claro, à minoria que, de fato, faz aniversário neste dia). Depois de ficar com cara de bestas, num estalo a gente se lembra da data, dá um sorriso amarelo e responde “obrigada”, pensando: “mas por que eu deveria receber parabéns por ser mulher?”.
Mais tarde, chega um funcionário distribuindo rosas. Novamente, sorriso amarelo e obrigada. É assim todos os anos. Quando não é no trabalho, é em alguma loja. Quando não é numa loja, é no supermercado. Todos os anos, todo 8 de março: é sempre a maldita rosa.
Dizem que a rosa simboliza a “feminilidade”, a delicadeza. É a mesma metáfora que usam para coibir nossa sexualidade – da supervalorização da virgindidade é que saiu o verbo “deflorar” (como se o homem, ao romper o hímen de uma mulher, arrancasse a flor do solo, tomando-a para si e condenando-a – afinal, depois de arrancada da terra, a flor está fadada à morte). É da metáfora da flor, portanto, que vem a idéia de que mulheres sexualmente ativas são “putas”, inferiores, menos respeitáveis.
A delicadeza da flor também é sua fraqueza. Qualquer movimento mais brusco lhe arranca as pétalas. Dizem o mesmo de nós: que somos o “sexo frágil” e que, por isso, devemos ser protegidas. Mas protegidas do quê? De quem? A julgar pelo número de estupros, precisamos de proteção contra os homens. Ah, mas os homens que estupram são psicopatas, dizem. São loucos. Não é com estes homens que nós namoramos e casamos, não é a eles que confiamos a tarefa de nos proteger. Mas, bem, segundo pesquisa Ibope/Instituto Patricia Galvão, 51% dos brasileiros dizem conhecer alguma mulher que é agredida por seu parceiro. No resto do mundo, em 40 a 70 por cento dos assassinatos de mulheres, o autor é o próprio marido ou companheiro. Este tipo de crime também aparece com frequência na mídia. No entanto, são tratados como crimes “passionais” – o que dá a errônea impressão de que homens e mulheres os cometem com a mesma frequência, já que a paixão é algo que acomete ambos os sexos. Tratam os homens autores destes crimes como “românticos” exagerados, príncipes encantados que foram longe demais. No entanto, são as mulheres as neuróticas nos filmes e novelas. São elas que “amam demais”, não os homens.
Mas a rosa também tem espinhos, o que a torna ainda mais simbólica dos mitos que o patriarcado atribuiu às mulheres. Somos ardilosas, traiçoeiras, manipuladoras, castradoras. Nós é que fomos nos meter com a serpente e tiramos o pobre Adão do paraíso (como se Eva lhe tivesse enfiado a maçã goela abaixo, como se ele não a tivesse comido de livre e espontânea vontade). Várias culturas têm a lenda da vagina dentata. Em Hollywood, as mulheres usam a “sedução” para prejudicar os homens e conseguir o que querem. Nos intervalos do canal Sony, os machos são de “respeito” e as mulheres têm “mentes perigosas”. A mensagem subliminar é: “cuidado, meninos, as mulheres são o capeta disfarçado”. E, foi com medo do capeta que a sociedade, ao longo dos séculos, prendeu as mulheres dentro de casa. Como se isso não fosse suficiente, limitaram seus movimentos com espartilhos, sapatos minúsculos (na China), saltos altos. Impediram-na que estudasse, que trabalhasse, que tivesse vida própria. Ela era uma propriedade do pai, depois do marido. Tinha sempre de estar sob a tutela de alguém, senão sua “mente perigosa” causaria coisas terríveis.
Mas dizem que a rosa serve para mostrar que, hoje, nos valorizam. Hoje, sim. Vivemos num mundo “pós-feminista” afinal. Todas essas discriminações acabaram! As mulheres votam e trabalham! Não há mais nada para conquistar! Será mesmo? Nos últimos anos, as diferenças salariais entre homens e mulheres (que seguem as mesmas profissões) têm crescido no Brasil, em vez de diminuir. Nos centros urbanos, onde a estrutura ocupacional é mais complexa, a disparidade tende a ser pior. Considerando que recebo menos para desempenhar o mesmo serviço, não parece irônico que o meu colega de trabalho me dê os parabéns por ser mulher?
Dizem que a rosa é um sinal de reconhecimento das nossas capacidades. Mas, no ranking de igualdade política do Fórum Econômico Mundial de 2008, o Brasil está em 10oº lugar entre 130 países. As mulheres têm 11% dos cargos ministeriais e 9% dos assentos no Congresso – onde, das 513 cadeiras, apenas 46 são ocupadas por elas. Do total de prefeitos eleitos no ano passado,apenas 9,08% são mulheres. E nós somos 52% da população.
A rosa também simboliza beleza. Ah, o sexo belo. Mas é só passar em frente a uma banca de revistas para descobrir que é exatamente o contrário. Você nunca está bonita o suficiente, bobinha. Não pode ser feliz enquanto não emagrecer. Não pode envelhecer. Não pode ter celulite (embora até bebês tenham furinhos na bunda). Você só terá valor quando for igual a uma modelo de 18 anos (as modelos têm 17 ou 18 anos até quando a propaganda é de creme rejuvenescedor…). Mas mesmo ela não é perfeita: tem de ser photoshopada. Sua pele é alterada a ponto de parecer de plástico: ela não tem espinhas nem estrias nem olheiras nem cicatrizes nem hematomas, nenhuma dessas coisas que a gente tem quando vive. Ela sorri, mas não tem linhas ao lado da boca. Faz cara de brava, mas sua testa não se franze. É magérrima (às vezes, anoréxica), mas não tem nenhum osso saltando. É a beleza impossível, mas você deve persegui-la mesmo assim, se quiser ser “feminina”. Porque, sim, feminilidade é isso: é “se cuidar”. Você não pode relaxar. Não pode se abandonar (em inglês, a expressão usada é exatamente esta: “let yourself go”). Usar uma porrada de cosméticos e fazer plásticas é a maneira (a única maneira, segundo os publicitários) de mostrar a si mesma e aos outros que você se ama. “Você se ama? Então corrija-se”. Por mais contraditória que pareça, é esta a mensagem.
Todo dia 8 de março, nos dão uma rosa como sinal de respeito. No entanto, a misoginia está em toda parte. Os anúncios e ensaios de moda glamurizam a violência contra a mulher. Nas propagandas de cerveja e programas humorísticos, as mulheres são bundas ambulantes, meros objetos sexuais. A pornografia mainstream (feita pela Hollywood pornô, uma indústira multibilionária) tem cada vez mais cenas de violência, estupro e simulação de atos sexuais feitos contra a vontade da mulher. Nos videogames, ganha pontos quem atropelar prostitutas.
Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas. Enquanto não combatermos a idéia de que as mulheres que andam sozinhas por aí são “convidativas”, propriedade pública, isso nunca vai deixar de existir. Enquanto acharem que cantar uma mulher na rua é elogio , isso nunca vai deixar de existir. Atualmente, a propaganda da NET mostra um pinguim (?) dizendo “ê lá em casa” para uma enfermeira. Em outro comercial, o russo garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços. Aparentemente, temos de rir disso. Aparentemente, isso ajuda a vender TV por assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido ameaçando “chupá-la todinha”.
Então, dá licença, mas eu dispenso esta rosa. Não preciso dela. Não a aceito. Não me sinto elogiada com ela. Não quero rosas. Eu quero igualdade de salários, mais representação política, mais respeito, menos violência e menos amarras. Eu quero, de fato, ser igual na sociedade. Eu quero, de fato, caminhar em direção a um mundo em que o feminismo não seja mais necessário.
Todo dia 8 de março, nos dão uma rosa como sinal de respeito. No entanto, a misoginia está em toda parte. Os anúncios e ensaios de moda glamurizam a violência contra a mulher. Nas propagandas de cerveja e programas humorísticos, as mulheres são bundas ambulantes, meros objetos sexuais. A pornografia mainstream (feita pela Hollywood pornô, uma indústira multibilionária) tem cada vez mais cenas de violência, estupro e simulação de atos sexuais feitos contra a vontade da mulher. Nos videogames, ganha pontos quem atropelar prostitutas.
Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas. Enquanto não combatermos a idéia de que as mulheres que andam sozinhas por aí são “convidativas”, propriedade pública, isso nunca vai deixar de existir. Enquanto acharem que cantar uma mulher na rua é elogio , isso nunca vai deixar de existir. Atualmente, a propaganda da NET mostra um pinguim (?) dizendo “ê lá em casa” para uma enfermeira. Em outro comercial, o russo garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços. Aparentemente, temos de rir disso. Aparentemente, isso ajuda a vender TV por assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido ameaçando “chupá-la todinha”.
Então, dá licença, mas eu dispenso esta rosa. Não preciso dela. Não a aceito. Não me sinto elogiada com ela. Não quero rosas. Eu quero igualdade de salários, mais representação política, mais respeito, menos violência e menos amarras. Eu quero, de fato, ser igual na sociedade. Eu quero, de fato, caminhar em direção a um mundo em que o feminismo não seja mais necessário.
.(Texto tirado daqui.)
5 comentários:
Gabriel, vou passar por machista mas vamos aos meus comentários.
Primeiro, acho mulher de espartilho coisa linda... Segundo, isso foi uma piada infame.
Terceiro, é inegável a violência contra a mulher e todas essas atrocidades que realmente acontecem que são descritas no texto. Mas tem uma coisa que me incomoda, eu não posso mais dar flores a minha namorada, pq isso é fazer uso de toda uma cultura machista??? Beleza, estou riscando rosas vermelhas do meu rol de presentes possíveis...
Quanto a data dos dias da mulheres, acho que não tenho este problema em dar parabéns a ninguém, pq não me recordo bem de datas, mas com isso há outros problemas como não recordar de aniversários e outras datas comemorativas...
Não sei, talvez se ao invés de uma dia elevado a uma visão permissiva de ode a submissão da mulher, fosse tomado como uma dia comemorativo de lutas e protestos, assim como é, um pouco mais pelo menos, o dia da consciência negra. O difícil é conseguir isso com esta cultura, como bem dita pela autora, machista-chauvinista.
Só não sei se realmente a média dos homens realmente façam alguma analogia cultural sobre a rosa com espinhos ou se só repetem uma cultura em uma forma de estanque mental auto replicante sem maiores pretensões.
O problema é que afirmações, por vezes, desprovidos de real maldade ou interesses machistas sob a ótica de um homem comum elevadas a analogias tão bem pontuadas, podem nos deixar neuróticos.
Eu mesmo não quero ser machista mas não sei como me portar, em que pese também ser um homem preso ao meu tempo e com incidência de toda a cultura que paira sobre nossas cabeças.
Assim, chego a conclusão que é melhor não fazer nada no trato pessoal, não falo em que não devemos nos indignar com a violência contra a mulher ou fazer protestos e cobrarmos leis cada vez mais avançadas.
Mas digo no trato pessoal, depois de ler este texto e outro na Carta Maior, fiquei sem saber como seria o mais acertado a agir para romper este modelo cultural e para não passar por grosseirão também.
Quanto a mulher objeto, não acho que era o que ser queria, mas o homem está cada mais ficando como um objeto e também vem sofrendo com a ditadura da beleza, o ser humano está se "objetificando" na falta de termo melhor.
Mas obviamente, não é este o maior problema das mulheres, o maior problema é essa cultura tolhedora de liberdades e de opressão sexual, que claro acaba culminando em uma ditadura da beleza em determinado ponto, que é a reprodução midiática da "mulher pra casar e mulher para comer"... E por isso talvez a ditadura da beleza e da boa forma recaiam mais ferozmente sobre a mulher...
Enfim, fiz várias observações e preocupações, não tecidas com muito esmero e meio desconexas mas são apontamentos que me levam a pensar em como agir no quotidiano para ser um defensor do igualitarismo...
Vixe, Marcel: o assunto é complicado e eu também não tenho grandes contribuições a dar. Eu nunca dei rosas no dia das mulheres, e como nunca trabalhei em escritório eu nem conhecia o costume.
Mas acho que não é preciso ver a questão colocada tão a ferro e fogo: acho que dar Rosas à sua namorada está Ok, hehehe... uma questão de carinho e da dinâmica interna de vocês dois; o significado não é o mesmo. Só é errado se ela não gostar...
Conheço uma ou outra mulher que encara como um dia de comemoração e gosta de receber rosas ou algum presentinho (é provável que estas não tenham pensado muito nas coisas que a Marjorie colocou aqui, mas enfim.)
A questão para qual Marjorie chama atenção é para o costume de se dar flores a qualquer mulher no Dia da Mulher, simplesmente por ela... "ser mulher". Ela vai atestar que, longe de ser lisongeiro, essa "gentileza" é preconceituosa; e que o dia não é um dia de comemoração, mas um dia "de luta".
Eu penso mais ou menos assim: você daria uma rosa a um negro no dia da Consciência Negra?
Não, né. Mas por quê?
Acho que se a gente se der ao trabalho de pensar por que seria "inadequado" nesse caso e por que parece "adequado" no caso do Dia da Mulher, as questões da Marjorie se explicitam.
Como a gente vive numa cultura de costumes machistas herdados, temos que ficar de olho mesmo. Claro que, quando aparece uma feminista como a Marjorie falando tão incisivamente, a gente fica meio temeroso de estar fazendo besteira.
Se possível, é bom tentar não ficar muito apreensivo, se sentido muito culpado: é mais uma questão de ficar atento. Claro que falar é muito mais fácil que fazer...
Como já dizia o Kant, a "humanidade" existe para o ser humano em uma condição de obrigação... :)
Ótimo texto da Marjorie.
Ah sim, não podemos viver com complexo de culpa.
Só quis dizer que as vezes (parodiando a frase bem humorada de Freud) uma rosa, as vezes, é só uma rosa.
E já ressalto que digo isso sem maiores pretensões.
...Quanto as flores para a namorada... Ela me disse diversas vezes que prefere coisas uteis a flores...
Apesar de ser pró-direitos da mulher, da liberdade da mulher de decidir a sua própria vida e ser senhora de seu próprio destino, como mulher e como ser humano, embora concorde com algumas coisas do texto, não gostei do texto em si, no geral. É daqueles textos q universalizam visões subjetivas, colocando-as como gerais. Este PRÉ JULGAMENTO - muito presente nas feministas mais radicais(algumas chegando ao nível da neurose obsessiva), q vêem pelo em ovo ao invés de focar nas verdadeiras causas pelas quais nós mulheres ainda temos q lutar, é uma mancha da qual precisamos nos libertar, se quisermos ser realmente livres. Ora, rosas são rosas, não podemos - nem devemos! - colocar como se todos os q presenteiam com rosas SEMPRE tivessem "intenções machistas" por trás, assim como não se deve julgar q TODA a gentileza masculina seja fruto do machismo e do chauvinismo... Enfim, é muita fixação junta, pelamordedeus! Gentileza deve ser sempre incentivada, seja de homem para mulher, de mulher para homem, de um ser humano para outro, etc... O q não deve ser tolerado é a violência contra a mulher, a discriminação, o preconceito, a supressão dos direitos da mulher e as práticas deles derivadas. Dar uma rosa, chocolate, roupa, perfume, etc, é um ato q em si não tem nada demais, é algo subjetivo q vai de cada um. Q o feminismo se paute pelas causas q se presta a lutar, ao invés de ter no homem um ser inerentemente mau - e suas atitudes gentis às mulheres como sendo sempre com teor machista.
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