sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Foco no aluno" ou "tucanando o cassetete?"

Vi essa no Observatório da Imprensa. Grifos meus.
"[...] esse governo [federal] foi extremamente generoso nas concessões e omisso nas cobranças. Instituiu um piso nacional de salário para o magistério, atualmente em 1.024,00 reais. O salário médio do professor brasileiro subiu de 994 reais em 2003 para 1.527,00 reais em 2008 [...].
[preciso comentar alguma coisa ou os grifos são suficientemente irônicos?...]
"Sindicatos mais poderosos pressionam para que o grosso da verba de educação seja gasto em aumentos salariais e diminuição do número de alunos em sala de aula, duas variáveis que não têm relação com a qualidade de ensino."
[...uau...]
"Em termos de regime de trabalho, ao contrário dos desejos dos sindicatos, a maioria das pesquisas mostra que não faz diferença, para o aprendizado do aluno, quantos empregos o professor tem, se trabalha em uma escola ou mais" (Veja, 19/01/2011).
 Eu tenho amigos e parentes que lêem VEJA. Desculpem, mas depois dessa eu vou ter que dizer sem gentilezas: acreditar em tudo o que a VEJA publica fatalmente fará de você alguém pior -- e mais burro. E principalmente, ler esse senhor Ioschpe. Juro. É por preocupação que o digo.
Uma análise mais detalhada das falácias desse senhor estão neste blog.


Eu, de minha parte, comecei com esse texto feito pra pai-de-classe-média-alta-pra-quem-professor-é-mero-empregado, pra chegar num que em verdade li antes, no Blog no Alon: "Sem espírito de patota". Um  texto cujo ponto (aparentemente) principal dele é a defesa do "foco absoluto no aluno" como  estratégia política necessária para uma "revolução" na educação pública. 


Até aí ok. O problema é o resto, que de maneira branda aproxima-o do texto inacreditável de Ioschpe. O texto de Alon me pareceu superficial e cheio de "atalhos" argumentativos pra um assunto absolutamente sério, mas o que me entristeceu foi o fato dele vir de alguém que se anuncia de esquerda. 


"Seria injusto concluir que o PT se preocupa de menos com a qualidade do ensino público fundamental e médio, esse nó górdio à espera de ser decepado. Mais provável é que o petismo ainda não tenha reunido as necessárias condições políticas para o upgrade.
E por uma razão simples. A revolução educacional brasileira pede foco absoluto no aluno e no aprendizado deste, que deve subordinar as demais variáveis. Inclusive as sindicais."
Bom, eu concordaria totalmente com "foco absoluto no aluno" se eu vivesse num país onde professores do ensino básico já fossem minimamente bem pagos, bem treinados, bem avaliados e bem vistos. Concordaria em gênero, número e grau se  "foco absoluto no aluno" não tivesse sido colocado de saída como em conflito às reivindicações de professores; se me garantissem que não teria absolutamente nada a ver com "arrocho salarial" e nada a ver com ignorar as reivindicações docentes.
Mas, o que se vê no texto é que, mais uma vez, o professor e o sindicatos acabam sendo reduzidos a vilõezinhos da história. Não que a política dos sindicatos não tenha suas várias picaretagens e ações questionáveis. Mas é fato que certas exigências têm motivos. E é fato simples e claro que a profissão docente continua precária e precisa ser reestruturada e revalorizada-- assim como o próprio ensino, diga-se de passagem. Especialmente porque não há uma coisa sem a outra  -- embora alguns preferiram ignorar essa conclusão simples.


Eu adoraria concordar com "foco no aluno" se este não estivesse embalado em uma retórica de vigilância e cobrança. Sintomático que no texto do Alon não haja nenhuma palavra sobre, pra início de conversa, deixar a profissão de professor do ensino básico mais digna, bem-treinada, estimulante e, principalmente, universalmente mais bem-remunerada (o que, diga-se de passagem, automaticamente atrairia o melhor material humano à profissão). Não, há até mais ênfase é na "vigília" dos pais do que nessa questão. É muito irônico ver essa ênfase em alguém que diz "de esquerda". Até porque alguém de esquerda deve saber muito bem que as bandeiras pela melhoria de condições dos professores não se tornou repetitiva e arrastada já há muitos e muitos anos só por ser "trololó", mas principalmente porque tem sido sistematicamente ignorada ou ouvida muito a contragosto.

Não que a avaliação profissional seja algo menor; muito pelo contrário, acho que o professor deve ser constantemente cobrado pela qualidade de seu trabalho, e é VITAL que se desenvolva uma avaliação eficiente. Mas comigo não tem negociação: primeiro garanta-se a universalização de salários e condições de trabalho minimamente decentes ao professores. Depois disso podemos até discutir "remuneração variável" e afins como estímulo à qualidade (ou mesmo pequenas bizarrias como "pais assistirem as aulas dos filhos via internet"). Mas o Brasil tem um triste histórico de querer "instaurar" meritocracia sem nem se dar ao trabalho de garantir direitos mínimos.
Óbvio ululante: não há como reestruturar e valorizar o ensino sem valorizar aquele que FAZ o ensino. É da mesma maneira na saúde: qualquer declaração sobre a "importância da saúde" que venha acompanhada de crítica a greves de profissionais médicos que ficaram meses sem receber salário é hipocrisia ou estupidez.
Mas a lógica atual -- inundando a Veja mas transparecendo até no texto do Alon -- parece ser tratar o professor como um "operário de fábrica" diante dos patrões... alguém de quem se cobra produção de peças que lhe são estranhas e que (na visão dos patrões) só reclama porque "é malandro" e "quer trabalhar o mínimo possível".
Eu disse "operário"? Maldito eufemismo. Não, se tomarmos a Veja e Ioschpe veremos que já se foi mais longe:  gratuita e mal-disfarçadamente, equipara-se professor a bandido:
"É curioso: nossos governantes criaram coragem para invadir o Morro do Alemão, mas as universidades públicas continuam sendo consideradas território perigoso demais para a ação saneadora do estado. Esculachar bandido armado de metralhadora é mais fácil do que peitar os doutores da academia, que permanecem livres para perpetrar seus delitos intelectuais" (Veja, 22/12/2010).

Não é lindo?

Todo mundo já teve professores preguiçosos, incompetentes ou imbecis enrolando aulas ou arrotando autoridade pra encobrir sua deficiência. Fácil encontrar por aí um sentimento comum e vago de revolta (principalmente pensando quão ruim anda o ensino). Assim como todo mundo já foi mal recebido por algum funcionário público, ou tem algum conhecido ou conhecido de um amigo que é funcionário público e que adora se gabar de como ganha bem trabalhando pouco e como tem esquemas para fugir e evitar serviço... aí é até fácil, pelas bordas, mobilizar e canalizar esse ressentimento coletivo comum como força política (como bem o soube o Collor).

Situação hipotética: aparece um professor e/ou funcionário público conhecido de alguém, indignado: "porra, eu dô um duro do caralho e ganho pouco. Não mereço ser tratado assim, não mereço ser chamado de malandro, nem vagabundo, nem defasado ou incompetente!"

Resposta possível do amigo querelante "Ah, mas não quero me referi a você. Não quero dizer que são todos assim! A questão é que sem dúvida há um monte deles por aí, e é preciso se livrar deles! Ou você vai negar que não conhece um monte de safados, mamando nas tetas e regalias públicas?"

Realmente, há um monte de picaretas por aí. Como identificá-los?

Pra Veja & Cia é fácil. É só se juntar coletivamente, fazer algum protesto, alguma passeata: são automaticamente tudo vagabundo.

Ou seja, bandido.

Cacete neles.

6 comentários:

Julia disse...

Minha sensação com a veja está passando do nojo para o puro medo.

Tem gente que sente isso com baratas.
Esses tem sorte!

Gabriel G; disse...

Hehehehehe!!!

Gabriel G; disse...

... e falando nisso, taí a prefeitura de São Paulo pra ilustrar o pensamento Vejiano no episódio do aumento de preço dos ônibus.

É impressão minha ou São Paulo é a única capital do país onde o governo (estadual ou municipal) baixa o sarrafo em manifestações in a regular basis?

Marcel disse...

Gabriel, excelente texto.
Você resumiu muito de um sentimento que carrego desde criança, uma vez que meus pais foram professores, que ao longo dos anos foram passando pelos diferentes pontos do ensino, primeiro do ensino fundamental, depois médio (até o antigo segundo grau) e eram professores estatutários do Estado do Paraná.
É impressionante como o professor é levado ao rebaixamento, sempre com combranças ifinitas propostas pela secretaria de educação do estado, melhor dizendo obrigatórias.
O professor do ensino médio não tem a liberdade criadora do professor do ensino superior, não tem o tempo para se atualizar, nem de pensar.
Os cursos oferecidos pelo estado são ridiculos. A proprostas pedagócias são verdadeiros estelionatos, que servem para mascarar números, idealizados por gente que jamais pisou, ou a menos vislumbrou o que é uma sala de aula de colégios públicos, onde se convive, por vezes, com a violência e uma célula familiar (seja de qual tipo for) completamente desestruturada (e acreditem isso é bastante comum) e muitas vezes vitimas/autoras de violência na sociedade ou contra si próprios.
E mais, isto que foi dito no seu post sobre o professo como vilão, é completamente verdade.

Marcel disse...

O Professor virou um vilão, que nunca estará com a razão frente ao aluno e junto aos pais do aluno, mesmo os de baixa renda pensam isso. Parabéns, a todos que tentaram, o professor é, hoje, proletário e tem de fazer peças formatadas e nunca poderá contrariar um estudante.
A iniciação cientifica, salvo raros casos, no ensino médio é inexistente. Os laboratórios e bibliotecas são completamente defasados, quando existem, os salários dos professores sempre achatados. Os cursos dados aos professores são lenda e uma piada de péssimo gosto.
O professor do ensino médio quando tem 40 horas aula (dois padrões) tem de dar 40 horas aula, isto é, não tem o chamado "tempo permanência" em que poderia se atualizar e estudar. Aliás, pq um professor de ensino médio vai continuar se atualizando se não há nenhum incentivo, nenhum iniciação cientifica que poderia incentivar o professor, que em contra partida não influência o aluno a estudar mais e ter mais noção de ciência ou literatura.

Marcel disse...

Somando a isso, há uma mania muito forte de transferir a escola toda responsabilidade da educação, não só formal, como a educação de como se portar em sociedade, o que é absurdo. Principalmente, ao notarmos de forma mais acurada as estruturas escolares e o profundo e complexo problema social, que vai desde miséria até violência de crime organizado, com falta de emprego, falta de comida, falta de acessos aos serviços básicos de saúde, saneamento básico e segurança.
A Escola tem que ser mais atuante na comunidade, mas não pode ser a pananécia dos deuses...
Aliás, no Paraná temos a "Faculdade do Professor" na cidade de Faxinal, que é, inclusive, um verdadeiro 171, vertedouro de dinheiro público, já denunciado inclusive no jornal local "Paraná TV".