domingo, 7 de novembro de 2010

Tea Party, xenofobia sul/sudestina e a divisão brasileira entre azuis e vermelhos

Comecei esse post pensando em falar apenas do Tea Party e traçar um paralelo com a situação que vemos hoje no Brasil, com as reações anti-nordestinas que se iniciaram com a vitória de Dilma.  Acabei misturando com um outro post que estava preparando, mas acho que as coisas acabam se encaixando.  Aconselho que cliquem nas imagens para ampliá-las.

Pra quem ainda não entendeu o que é o "Tea Party" norte-americano, eis uma bela entrevista de Frank Rich, jornalista político no New York Times.  Frank faz uma belíssima análise do atual momento político econômico dos EUA.



Interessante pensar que o Tea Party tem início com uma reação nervosa contra a eleição de Obama, coisa que infelizmente me lembra o que está rolando por aqui, com a ascenção pós-eleitoral de grupos separatistas e xenofóbicos.

Não é a primeira vez que vejo isso acontecer: a reação que tivemos após a derrota de Geraldo Alckmin, em 2006, me mostrou que as idéias separatistas não eram coisa só do Sul.

Em Maringá sempre senti que havia um nível de preconceito contra nordestinos - baixo, mas havia - cheguei a sentir isso na pele no colégio Marista, onde estudei, por ser filho de mãe maranhense.  Sempre tive a impressão de que uma grande parcela da população seria a favor de uma separação da região sul.  OÓbvio, jamais foi uma posição declarada, talvez porque seja senso comum que tal coisa seria muito desgastante, etc, etc, etc...agora, se simplesmente acontecesse, estaria ótimo.

Em 2006, acompanhei, com muito desgosto, uma aproximação dos paulistas a esse movimento.  As mesmas declarações que causaram tanto frisson agora, já estavam lá...só faltava o twitter, já que blog a gente sabe que pouquíssima gente lê.

Para nosso bem, esse pessoal só fala de política faltando dois meses para as eleições, continuam por mais um tempo e depois se acalmam.  Não fosse assim Lula não teria atingido seus 83% de popularidade - aqui é muito importante lembrar que apenas 3% consideram o governo ruim ou péssimo. 

Talvez essa raiva toda dure um pouco mais, já que a campanha foi pesadíssima (beleza, Serra!).  Mas passa.

De qualquer forma, é importante lembrar que dizer que o Serra ganhou no PR.  Ganhou, mas a Dilma venceu em mais municípios (212 a 187), com larga vantagem nos municípios mais pobres - pra deixar claro que bolsa-família não é exclusividade nordestina.  Os paranaenses podem, então, se revoltar contra as populações de Foz do Iguaçu, Guarapuava e uma infinidade de cidadezinhas.

Aqui vão alguns gráficos que mostram a situação do eleitorado paranaense.  Optei por dividir os municípios em 6 categorias, de acordo com o número de eleitores em cada um deles:
A divisão deixa as categorias com mais ou menos o mesmo tamanho, exceto aquela dos municípios com mais de 100.000 eleitores, que sozinha é responsável por 36% do eleitorado (o que pesou a favor de Serra).

Agora, a situação da votação dos candidatos em cada uma dessas categorias:

Notamos aqui que Dilma tem ligeira vantagem nos municípios de até 10.000 eleitores.  Serra ganha por pouco nos municípios entre 10.000 e 100.000 eleitores e dispara nos municípios com mais de 100.000 eleitores.  Tirando os "grandes municípios, a vitória de Serra teria sido muito mais apertada (51,6% a 48,4%).  Esses municípios são, por ordem de grandeza, Curitiba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa, Cascavel, Foz do Iguaçu, São José dos Pinhais e Colombo.  Desses, Dilma venceu em 2: Foz do Iguaçu e Colombo.  Em São José dos Pinhais e Cascavel, a eleição foi apertada em favor de Serra.  A grande vitória tucana ocorreu nas quatro maiores cidades do estado: 61% em Curitiba, 63% em Maringá, 68% em ponta Grossa e 75% em Londrina - esta última, a maior votação dele em todo o estado.

Agora, como bom geógrafo, não poderia deixar de espacializar esses resultados, comparar com um mapa temático que talvez explique algo e propor uma síntese, incluindo alguns outros dados da geografia paranaense:




Os mapinhas acima, feitos às pressas.  No da esquerda, o resultado do segundo turno das eleições.  Tudo em vermelho/rosa são municípios onde Dilma venceu.

1) a mancha rosa no noroeste coincide com a mancha do arenito Caiuá, região "periférica" da agricultura, uma vez que os solos não são tão férteis como no resto do terceiro planalto (que equivale, mais ou menos, à tudo da metade do estado para oeste).  Esse pedacinho do noroeste concentra pequenos produtores rurais, ao contrário da região de Maringá, com suas superprodutivas terras-roxas e concenctração de grandes produtores de soja.

2) a mancha do sul do estado e a mancha acima de Curitiba (vale do Ribeira) correspondem às áreas mais pobres do estado.  Quem já foi ao miolo do Paraná sabe, por comparação, que não se parece com o Paraná bonitinho que vemos em Maringá ou Curitiba.  O vale do Ribeira é uma das regiões mais pobres do país, tanto do lado paulista quanto do paranaense...inclusive, foi uma das regiões escolhidas para piloto do fome-zero.

Aí vale a pena a comparação com o mapa da direita, que indica a renda per capita municipal do ano de 2000.  A escolha do ano de 2000 tem dois motivos: são os dados georreferenciados que eu tinha em mãos no momento e; de 2000 pra cá essa população pôde sentir o impacto das políticas sociais do atual governo.  E olha que a pobreza paranaense não é a mesma que se sente no sertão nordestino.

Bom, é isso aí...com os fatos, fica difícil chamar o Paraná de "estado azul" - e olha que foi a segunda melhor votação de Serra.  O voto em Dilma se explica pela sensação de melhora dos mais pobres, além do fato óbvio de que o país melhorou em diversos setores. Serra, por outro lado, atraiu o voto dos conservadores e sua zona de influência.

Pra finalizar, o mapa vermelho/azul da Folha:

5 comentários:

Grace B Alves disse...

Legal o post! Acho que poderia ter usado os valores de IDH, eles expressam melhor as diferenças sociais dos municípios. Outra coisa... Mapinha não!!!

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Pois é, mas dava quase na mesma. Eu acho que renda é mais direto que pensar no IDHm, elimina algumas variáveis mais difíceis de relacionar.

Mapinha mesmo ué...não tem, escala, norte, legenda padronizada...é só um esboço do que deveria se rum mapa tecnicamente sério.

beijos!

Anônimo disse...

E isso se repetiu em outros colégios eleitorais como São Paulo que agora você mora? E o preconceito é coisa do sul ou o suldeste também entrou nessa onda hedionda (até rimou)?

Me parece que sim após o "escândalo" da estudande de Direito Mayara que disse para fazer Sampa mais feliz afogue um "nordestino afogado". Você viram o absurdo?

Eis o site da notíticia: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/11/03/noticia_eleicoes2010,i=221520/ESTUDANTE+DE+DIREITO+ACUSADA+DE+RACISMO+NO+TWITTER+E+DEMITIDA.shtml

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Anônimo,

O link não funcionou.

Não sei se entendi muito bem seu comentário...eu disse no texto que as idéias separatistas não eram exclusividade da região sul, essa onda de xenofobia aqui em São Paulo já ocorreu em 2006.

Eu falo do que sentia em Maringá porque morei lá muito tempo, mas é óbvio que o preconceito contra os nordestinos existe em São Paulo, e isso não é coisa recente.

De qualquer forma, esse fenômeno da distribuição dos votos também aconteceu aqui em São Paulo, é só uma questão da escala, por exemplo:

No estado de São Paulo Serra venceu em 440 municípios (68% e Dilma em 205. O mapa de São Paulo é quase todo azul - ou muito mais azul que o do Paraná.

Mas o resultado do estado foi Serra 54% x 46% Dilma. Ou seja, uma votação até menor do que a que obteve no Paraná. Quando olhamos o mapa de distribuição dos votos na cidade de São Paulo, por exemplo, observamos que Serra venceu em toda a região "central" e Dilma venceu na periferia. Pra quem quiser ver os mapas estaduais com a votação por município, o link é esse:

http://eleicoes.folha.uol.com.br/2010/2turno/apuracao-cidade.shtml

Enfim, São Paulo pode até ser um "estado azul", porque Serra venceu na grande maioria dos municípios...mas a vantagem em quantidade de votos é apertada.

Coloquei essas coisas para mostrar que não tem sentido os paulistas se revoltarem contra o voto do nordeste.

Primeiro, porque Dilma venceria mesmo sem o nordeste.

Segundo, porque a revolta "deveria ser" contra os mais pobres, uma vez que a votação de Dilma cresce mais onde a renda é menor.

Dessa forma, a Mayara poderia ter pedido, ao invés do afogamento de um nordestino, o afogamento de um morador de Itaquera. Ou de um Guarapuavense - óbvio que também é feio afogar corintiano...rsrsrs!

Agora, eu acho que como a mídia mostra esses mapas com estados vermelhos e azuis, provoca um reforço de um preconceito que já existe contra os nordestinos, daí essas demonstrações nojentas que temos visto na internet.

Marcel disse...

Marcelo, não foi comentário não...
Foram perguntas mesmo...
O Link tanto faz na verdade, dá pra ver jogando no google, preconceito de estudante de Direito no Twitter ou algo assim.

Hoje eu vi dois advogados metendo o pau em nordestinos no fórum... Lamentável....

E acho, Marcelo, que mesmo que fosse o nordeste responsável pela vitória da Dilma, e dai, não se justifica esse preconceito todo.

Aliás, a Pri, também tem forte ascendência do Ceará e de Maranhão e boa parte de seus parentes moram no norte do país e nem por isso, eu, um sulista, pé-vermelho, de mãe catarinense, com boa parte da "parentada" residindo em Santa Catarina e de pai paranaense, deixei de ser completamente apaixonado por ela...

Bando de preconceituoso babaca...