terça-feira, 16 de novembro de 2010

O MONSTRO SOUZA (2)

Aconteceu.
O Monstro veio a público. 


O livro, que pude finalmente ver, é um objeto bonito. Faz juz às espectativas que eu e Bruno tínhamos, e faz juz aos nossos esforços e aos esforços dos muitos colaboradores. 
Estava lá na Comic Con e ainda está lá na Cucaracha e na Livraria da Travessa. Foi comprado e está sendo (eu espero) lido. Espero que suas qualidades sejam apreciadas; que dele se fale, que nossas piadas obscuras sejam compreendidas e que a maior parte dos erros que nosso amadorismo esforçado gerou passem despercebidos.


Links dos principais lugares onde foi noticiado até agora:
Quarto Mundo.
Universo HQ.
Gibizada, blog do jornal O Globo.
Blog do Zema Ribeiro.
Diário do André.
Roteiro Aberto.


Em comemoração,  adianto exclusivamente para os reservados leitores do Wilbor o "posfácio" que  escrevi para O Monstro Souza. 
(com o acréscimo de links e ilustrações outras que o livro não poderia ter... hehehe)



Dos monstros e monstruosidades que se escreve e se imagina:

...eis que a lista é longa e a história é velha. Até na porralouquice, como em qualquer face primordial do ser humano, há tradição e há padrões; do alto de sua eruditíssima picaretice, Humberto Eco poderia falar do gore e do camp e das preferências “decadentistas” dos exageradamente sofisticados (put your hand on the hips!).

Mas que se possa citar de Rabelais até Marquês de Sade até um Rubem Fonseca até um Robert Crumb até um Chuck Palahniuk até um Lourenço Mutarelli nos âmbitos da sacanagem e da nojeira impressa é fato que, ainda que interessante, acrescenta pouco aqui.  Exceto isto: que o deboche grotesco é uma forma enviesada, reincidente e contínua de análise social, de olhar para aquilo que ninguém está olhando. Não basta simplesmente escarafunchar o nojento, claro; é preciso encontrar aquilo que está lá no nojento e que não se vê por que é desagradável demais olhar pra todo aquele lodo e excremento por cima. Com o perdão da palavra, tem-se que transcender o nojento.

O Monstro Souza por Gabriel GirnosEntão que se diga porque estamos aqui, e porque essa porralouquice existe impressa em papel. Ela existe, em primeiro lugar, porque Bruno é um cabra teimoso e obsessivo e porque eu continuo dando corda pra ele. Isto que se tem nas mãos, esse volume de papel e tinta, foi preparado, mastigado, deglutido, fermentado e regurgitado na mente e mão de seus autores há quase 10 anos. Com efeito, o primeiro esboço, desenhinho inocente que fiz a partir de uma descrição esdrúxula e insólita de monstro hot-dog, deve datar de 2000.

Como um cachorro-quente de barraquinha, a porrada de partes e elementos do livro foram compondo um “todo” meio que por acumulação. Este volume é quase um fanzine que foi inchando e inchando até ficar enorme, complexo e pretensioso — até querer virar “livro”. Aí é que a colcha de retalhos da narrativa passou a receber algo que pudesse ser chamado de “arquitetura”. Ainda que, muito à brasileira, uma arquitetura do puxadinho. 

Mas o que faz alguém amarrar seu bode por 10 anos numa idéia troncha dessas, meu Zeus? Aí é que está: é preciso “transcender” a sujeira, e dar sentido e validade a tudo isso virou também missão. Missão essa com o bônus de manter aceso nosso constante bate-bola de idéias.

De fato, este livro é fundamentalmente resultado de diálogo: um longo, trabalhoso e divertido papo de Bruno com um monte de pessoas. Eu, de início só um dos vários colaboradores, pela constância acabei tomando conta do pedaço e virando o interlocutor principal. Na parceria que acabamos firmando, foi altíssimo o nível de pitacos e interferências mútuas um nas competências do outro, de maneira que os limites de autoria ficaram um pouco promíscuos (e acabei ganhando meu nome na capa!). Mas embora quase tudo na forma e conteúdo em suas mãos tenha marcas de dedos de nós dois, acho que é justo identificar melhor as atribuições.

O livro foi basicamente “escrito, dirigido e produzido” por Bruno. Ele teve a idéia original toda e persistiu nela; escreveu o texto todo, bem como os roteiros de todas as histórias em quadrinhos; pesquisou, coletou e organizou os recortes, citações e todo o material “conteudístico”. Bruno também foi quem saiu por aí, incansavelmente, caçando e cutucando colaboradores, pavimentando a viabilidade do livro. É autor com A maiúsculo.

Eu poderia dizer que, de forma geral, organizei e burilei a forma visual que o livro veio a ter. Fiz o projeto gráfico, tipografei, diagramei, iconizei, desenhei; letreirei três histórias em quadrinhos (“a vida secreta das ervilhas”,”corações em chamas” e “caralho! uma aventura do delegado Caolho”) e  co-roteirizei uma (“alguns capítulos atrás); criei o logo do Monstro e outras coisitas. Colocado assim parece simples, mas reitero que o processo foi muito mais promíscuo: Bruno também se meteu a diagramar diretamente às vezes, e eu também contribuí o tempo todo com a estruturação da “arquitetura” do livro  (“gênese”, “revelações”, etc), com sugestões de organização e de texto. Um diálogo, enfim, em que olhares e habilidades diferentes se bateram sobre as mesmas coisas.




Fiel à geração editorial “dos anos 00”, este livro é mais um que deve sua existência à internet, à pirataria de software e ao barateamento dos processos de impressão. Eu e Bruno somos rigorosamente amadores: não ganhamos a vida com o que aqui fizemos (escrever, desenhar, diagramar e etc.), e não poderíamos bancar nem sequer os programas com os quais o fizemos. Sem falar que, sem a internet, seria impossível arregimentar tamanha variedade geográfica de colaboradores: gente em São Luís, Curitiba, Rio de Janeiro, São Carlos, Maringá, Teresina, São Paulo. Mais ainda, sem a web nossa própria parceria dificilmente teria vingado: na maior parte do tempo, nosso diálogo se deu a uma distância de quase três mil quilômetros. Eu, que saí da ilha há uns 13 anos, e Bruno, que continuou na sarjeta tentando nadar de braçada em sangue, merda e resto de baré tutti-fruti.

A ilha, de fato, é onipresente em seu isolamento. Se há uma inspiração maior em nossa “missão”, bem como uma espinha dorsal (salsicha literária) neste livro-hotdog, essa é a cidade de São Luís do Maranhão. Josué Montello (pra quem o Bruno paga o maior pau) costurava várias de suas tramas a partir dos lugares. Sua construção de uma experiência literária da cidade (ou de uma experiência da cidade pela literatura – enfim, um negócio pra Benjaminianos ruminarem) é algo fortemente enraizado em Bruno. Claro que, na superfície, nada mais avesso a essa literatura grande que este livro pós-modernozinho aqui em mãos: Montello, São Luís e São Luís via Montello são uma referência básica para Bruno, mas não muito diferente de como o são Star TrekHellraiser, o cancioneiro brega e a cultura trash. Referencial esquizofrênico para uma cidade esquizofrênica numa geração idem.

Até mais que eu, Bruno ama o obscuro. E não se desculpa com ninguém por isso. Neste livro de piadas cifradas, nem tudo é pra ser compreendido de primeira, mas tudo tem sentido. Da mesma maneira que na vida real, digamos — nem que seja apenas aquele sentido grosseiro, o da pura causalidade.

Bruno também ama o feio. Amar e falar de São Luís exige um pouco isso, pois até e principalmente na beleza São Luís é ilha, rodeada de feiúra por todos os lados e com poucas pontes. Mas uma feiúra fértil, feiúra-humus, feiúra (sub)urbana de pobreza e sujeira e terreno baldio e ruína e mato e mofo, numa panela de pressão de calor melado, asfalto escaldante e mar barrento.

O mar, como o asfalto, é cinza; mas dá brisa.




Gabriel Girnos
outubro de 2010

4 comentários:

Pedro Caluzni disse...

Mutio bacana, Gabriel! Saber da história do livro deixa mais curioso a respeito dele. Ví algumas noticias sobre o lançamento, ví também que vários outros quadrinistas, desenhistas fizeram "O Monstro Hot-Dog" inclusive o Mario Cau. Genial a historia alias! Abraço!

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Tá ótimo o "posfácio"...uma honra para essa metade de Wilbor hospedar a "extendedversion"do texto...rsrsrs!!

Tô ansiosíssimo pra pegar na mão, vamos ter que dar jeito nisso.

Marcel disse...

Gabriel,

Meu parabéns pela publicação!!! Também estou bastante ansioso para ler e ver.

Abração!

LUCAS disse...

Gabriel!! Que massa, não sabia! Parabéns pros dois! Quero comprar minha cópia logo! Abração!