segunda-feira, 22 de março de 2010

Não surpreende

Era previsível. Assim que foi confirmado que o assassino de Glauco realmente tinha freqüentado a congregação do Santo Daime liderada pelo cartunista, eu fiquei esperando algo assim aparecer. Quando começariam o arremesso de pedras contra "os tóxico"? Quem faria a abordagem mais "classe mérdia", como diria um colega meu?

A Veja, é claro, não decepcionou. Pioneiríssima como sempre na vanguarda da retaguarda, tascou uma capinha tosca de primeira:

Não que não haja ligação entre o Daime e o surto psicótico do rapaz assassino: há muitos casos de pessoas psicologicamente instáveis que partiram ao meio quando expostas a experiências psicodélicas profundas. E, claro, aqui cabe uma discussão enorme -- principalmente dentro do histórico anti-clerical  aqui do Wilbor -- da ironia de certas drogas potentíssimas serem aceitas só sob a égide da religião. (o que corrobora o ponto do Dawkins sobre o quanto as religiões viram um espaço sagrado irracionalmente salvo de críticas). Mas o assunto aqui é o conservadorismo alarmista -- na falta de palavra melhor, a"caretice" da capa.

A reportagem sobre o caso não é muito melhor. Mas as capas da Veja mereciam um estudo à parte. Afora a tosquera e o mal gosto de muitas, elas costumam ser a pura reverberação do insofismável senso comum de seu público cativo. O slogan da Globo cairia bem pra revista: "Veja: a gente se vê aqui". São, portanto, um termômetro social interessante (ainda que longe de infalível) para um dado grupo da sociedade brasileira.

É claro que , não impressiona pra quem já estampou em suas capas que Milton Nascimento estava com Aids e que Cássia Eller tinha morrido de overdose (entre outras ratadas absurdas apoiadas em suposições  preconceituosas)


No fundo, a capa e o artigo prenunciam o seguinte epitáfio para Glauco:
"mexeu com fogo; saiu queimado".

5 comentários:

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Cara, eu tinha pensado em postar algo muito parecido e, por incrível que pareça, não tinha me lembrado na análise dawkinsiana do fato. Muito bem lembrado.

Como o assassino era conhecido desde o primeiro momento, um rapaz da classe média paulistana, não tardou a colocarem as entrevistas de seus familiares e, obviamente, a defesa do pai do Cadu foi baseada justamente no "fato" de que seu filho passou a ter esse tipo de problemas depois de começar a frequentar o Daime.

É difícil entrar no mérito das declarações da defesa (compreensível) do pai do Cadu ou mesmo se o chá tem relação direta com o ocorrido, mas uma coisa que eu já havia conversado com o Gabriel me voltou à mente:

O Glauco jamais teve o nível de Angeli ou Laerte, mas nem sempre foi tão fraco. Tenho constatado isso lendo as tirinhas do Geraldão mais antigas, que vem sendo republicadas na Folha. Só sei que lá pelas tantas se achou que talvez a queda da qualidade do trabalho dele pudesse ter coincidido com a época em que ele se mudou pro sítio e se tronou habitué dos rituais do Daime...enfim, só suposições.

Marcel disse...

Gabriel, tomando esse seu post como ponto de partida, gostaria de levantar a lebre sobre, em que pese os dois donos do blog não mais residirem em Maringá, da Lei Seca em Maringá...
Isto é, agora, fim do ano querem aprovar a famigerada lei que proíbe venda de bebidas após as onze, salvo acompanhado de jantar e, de qualquer forma, fechamento obrigatório dos bares, lanchonetes e restaurantes após as duas da matina...
Isso me parece que também entram no diapasão do é imoral se divertir no pior conceito beneditino-medieval possível.
Inclusive, me parece digno de um conto do Luis Fernando Veríssimo onde o seu Beto vai até um restaurante e pede um uísque para abrir o apetite e o garçom pergunta se ele vai pedir algo para comer, caso contrário será impossível servi-lo, vez que o fiscal a tudo vê e multa. Então, bebida só com comida e só até as duas no máximo...
Um pouco diferente, mas tão conservador ou até mais do em relação ao chá de santo daime...

Gabriel G; disse...

Galera, editei o post e coloquei as imagens que queria.

O site "O esquema" já comentou a respeito também: http://www.oesquema.com.br/urbe/2010/03/24/daime-paciencia-jornalismo-sensacionalismo-e-informacao.htm

Marcel disse...

Pra vc ver, eu não sei até hoje de que a Cássia Eller morreu. Pra mim ela tinha realmente morrido de over dose... É uma indústria da desinformação mesmo.
E olha que tomava essa informação como fidedigna e não sou uma das pessoas menos indignadas que vocês conhecem...

Gabriel G; disse...

A questão da Cássia Eller é: todo mundo achou que ela morreu de overdose quando saiu a notícia. Normal: artista, homossexual, drogada, blábláblá. O senso comum fala mais alto. Só a apuração médica mostrou depois que ela não morreu cheirando coca nem se entupindo de barbitúricos. Pô, foi mal.

Só que é de se esperar que a porra da revista brasileira mais vendida do país vá esperar a apuração e noticiar o fato de maneira mais mansa enquanto ela não vem, ao invés de pré-julgar e estampar na capa como fato consumado justamente "o que todo mundo está pensando".

Por isso que eu digo: a capa da Veja se guia pelo "efeito narciso". Não é só ela, com certeza -- é um dos princípios fundadores do jornalismo na nossa Era do Marketing -- é uma coisa visível em uma porrada de revistas, de esquerda inclusive (ou especialmnete). No caso da Veja, o "efeito narciso" tranforma sua capa num show de reverberação do senso-comum classemerdiano.