Uma felicidade perversa, eu sei, mas que não consigo evitar.
Eu lembro que, com a crise toda, eu fiquei pensando: "E Dubai?". Afinal, se tinha algo que era mantido total, exclusiva e ostensivamente por capital financeiro (I.E., por dinheiro que não advém de produção de porra nenhuma) era essa insanidade turística, arquitetônica, urbanística e política.
Nos últimos anos, vi elogios em revistas de turismo e em outras publicações menos respeitáveis. Vi reportagens especiais e documentários de televisão. Vi babaquices de astros metidos a salvadores do mundo. Recebi e-mails com powerpoints que mostravam a "maravilha" do lugar, e comentários de pessoas que me enviavam estes ou de pessoas em blogs que exclamavam maravilhadas sobre como queriam ir para lá, morar lá, que lugar lindo, que sonho!
Elianes Catanhêdes elogiavam o lugar -- tudo como deixa, é claro, para xingar nosso atual governo. (desculpe, Eliane, mas... burra, burra, burra! E mais burro quem a levou a sério.)
Eu achava Dubai um absurdo; mas até ler esse texto aqui, publicado na Piauí de uns meses atrás (originalmente do The Independent ), minha indignação era uma questão de gosto e do meu esquerdismo residual automático. Eu ainda não fazia idéia de quão fundo era o buraco; do tamanho do absurdo em questão. Com direito a trabalho escravo, desperdício gritante de recursos e recusa a todo e qualquer bom-senso de aproveitamento ambiental.
Vamos lá: Dubai é um monumento gigantesco a tudo que há de mais insano, irracional e ostentatório no mundo capitalista contemporâneo. É um prato cheio para qualquer esquerdista falar de quanto os "incluídos" são capazes de ignorar, desde que seus próprios umbigos permaneçam quentinhos, sequinhos e entretidos. Pois Dubai é um "paraíso" de capitalismo... que consegue ser:
- menos democrático que o Irã e quase tão conservador quanto;
- tão ou mais ideologicamente restritivo que Cuba;
- mais fake que Miami e quase tanto quanto uma Disney World;
- mais perdulário, ecologicamente despreocupado e desrespeitador de direitos humanos que a China.
Não me surpreende o uso de trabalho semi-escravo em meio a uma "pérola" de ultramodernidade (ei, vivemos no Brasil, lembram?). O que me deixa realmente triste é o fato de que, entre as muitas aleivosias, elogios e propagandas feitas ao lugar, NINGUÉM DO OCIDENTE "DESENVOLVIDO" PARECEU DAR A MÍNIMA IMPORTÂNCIA PARA ISSO. Triste, mas não surpreendente.
AGORA que Dubai, na merda, resolveu dar uma "moratória" de 80 bilhões no Ocidente... vamos ver em quanta gente a ficha vai cair. Poucos, provavelmente.
Ver um lugar assim ruindo -- ou, pelo menos, em imagem -- é pra mim parecido com assistir as pessoas botando abaixo o monumento do Stalin. Claro que, em essência, é completamente diferente. Porque provavelmente Dubai não vai "ruir" mesmo -- há muito dinheiro envolvido. Porque ninguém está ativamente pondo-a abaixo. Porque muitos ainda vão sofrer com a "queda" desse monumento -- provavelmente os mesmos que já sofreram com a construção dele.
Ainda assim, pequenos prazeres mesquinhos devem ser saboreados de vez em quando.
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