terça-feira, 23 de junho de 2009

Mais um momento materialista e dialético (2)

(Perdão a todos os cientistas sociais pela mixórdia que vou fazer)

Uma discussão política comum de se ouvir no mundo das humanas é a respeito do que foi alardeado como “fim das utopias”, ou “fim das metanarrativas” ou “fim da história”.

No clima “pós-moderno” de a partir dos anos 80, falou-se muito da queda das “metanarrativas” ou “grandes narrativas”. “Metanarrativa” significa, tosca e basicamente falando, um sistema de pensamento que encara o mundo como um devir, como algo que vai evoluir e cuja evolução pode e deve ser direcionada pela humanidade. A discussão, no fim, se referia mais especificamente à derrocada dos vestígios quebrados e distorcidos do sonho socialista no fim da década de noventa, com o fim da União Soviética, à qual muitos esquerdistas ainda se apegavam como esperança de poder vislumbrar algo ainda fora do capitalismo (por pior que fosse). Os liberais capitalistas, por outro lado, se apegaram à derrocada desse símbolo para dizer: “pronto, já era. Agora vocês vão ter que aceitar a realidade: o mundo é assim, não vai haver ‘grande projeto’ e ‘grande mudança histórica’. Finito”.

O(s) socialismo(s) é(são) uma(s) Grande Narrativa, sem dúvida. Mas aí está o ponto: não só ele.
Pesquisador, professor e praticante de design, Guy Bonsiepe falou algo interessante numa palestra para um público de Designers. Traduzo aqui livremente do inglês (grifos meus):

Disseram para nós que as Grandes Narrativas estão mortas. Esse é o ponto de partida da condição pós-moderna. Mas onde anteriormente nós tínhamos várias narrativas competindo, nós encaramos agora — em escala mundial — a propagação de Uma Meganarrativa, chamada O Mercado. Qualquer onda totalizante e universalizante como esta é um motivo para preocupação.”

Bingo. (gostei do nome “meganarrativa”).
Aí, este mês, eu fui assistir (viva o e-mule!!) a edição do Programa Roda-Viva, na cultura, no qual entrevistaram Slavoj Zizek (o qual eu tenho citado aqui com alguma freqüência).

Perto do fim do programa, ele comentou sobre a atual crise econômica. Disse mais ou menos isto: com a queda do muro de Berlim e a derrocada da URSS, proclamou-se o fim das utopias. Mas, na verdade, as utopias modernas não acabaram lá: desde os anos noventa, estivemos todos nós vivendo sob a dominância irrestrita e sem competição da última utopia moderna restante, a UTOPIA NEOLIBERAL do Mercado Livre.

Isso faz todo o sentido, assim como a "meganarrativa" referida por Bonsiepe. Nenhum de nós consegue sequer imaginar hoje o mundo sem a onipresença do mercado e do mundo financeiro.

Pois bem, aí entendi mais claramente o impacto político da atual crise econômica — principalmente a ajuda bilionária dada pelos Estados Nacionais às pobres instituições financeiras. Porque ela é, simbolicamente, a queda do muro de Berlim do capitalismo, mostrando crua e descaradamente aquilo que se negava a todo custo: não há livre-mercado que não esteja ancorado em políticas de Estado...

Segundo Zizek, AGORA sim estaríamos assistindo ao fim das utopias modernas.

Mas segundo o próprio, viver sem Utopia não é uma opção.


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Um comentário:

Marcel disse...

Do fim de semana de pneumonia, fui internado e agora prossigo em casa de atestado médico sem saber se segunda que vem ainda estou empregado, pq estou em contrato de experiência e não há necessidade de dispensa e burocráticas negociações trabalhistas, é só vencer a primeira etapa do contrato no dia 11, e isso sim Gabriel, "finito"... Bem, dramas pessoais a parte e é claro um toque daquela vaidade infantil de afirmar que estou doente pra receber palavras de "melhoras", eu pego este exemplo pessoal e tangível dispensa pra dizer uma coisa apenas, qual seja, no quarto de hospital que dividi com um Sr. de 92 anos, também com pneumonia e em convalescença e unindo essa experiência pessoal ao seu momento dialético, Gabriel, penso que ele é um dos poucos que esteve fora desse universo de "grandes narrativas", uma vida simples, quase feudal, de retirante que teve onze filhos ao vir para o Paraná e com um pedacinho de terra, o que fez foi sustentar todos de sua família lavrando mais pura e simplesmente. A questão que quero levantar é se será que queremos essa vida distante de alguma ideologia e outorgado modus vivendi? Ou sempre existirá uma meta narrativa prontinha pra substituir às outras mesmo que se proclamem seu fim? Marx, Weber, Adam Smith e tantos outros tentaram explicar a sistemática do mundo, mas ao comparar com o sistema de castas indianas, p.ex, são inúteis... E esse sistema de castas em si não é uma cultura-ilusão que acaba sendo em si uma narrativa gigantesca também??? E essas “meganarrativas” são mais nada além de culturas ideologicamente firmadas e de certa forma querida pelas pessoas. Santo Agostinho dizia que o ser humano é um ser social, mas acho que é mais, o ser humano é um ser narrativo que constrói sua própria cultura através da narrativa, então é impossível fugir dessa cultura-narrativa-ideológica, afinal Freud já dizia que a palavra é força viva e Jung dizia que o próprio símbolo lingüístico tem sentido e modifica o mundo, bem como, de certa forma, a semiótica tenta entender e dar sentido. Então tudo é uma ideologia refletida em uma realidade mutável e o Capitalismo Neo-liberal também o é e também pode ser mudado e virar outra coisa. Enfim, falei muita merda, devem ser esses remédios da inalação... Vou pra cama...