terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

3 momentos materialistas e dialéticos

1.
Essa é a relação do trabalhador com sua própria atividade humana como algo estranho e não pertencente a ele mesmo, atividade como sofrimento (passividade), vigor como impotência, criação como emasculação, a energia física e mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é a vida senão atividade?) como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele e não pertencente a ele. Isso é auto-alienação (...) .

O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele não distingue a atividade de si mesmo. Ele é sua atividade.
O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. Ele tem uma atividade vital consciente.
Ela não é uma prescrição com a qual ele esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais: só por esta razão ele é um ente-espécie. Ou antes, é apenas um ser auto-consciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência.

Karl Marx
Manuscritos Econômico-filosóficos


2.
(…) O espetáculo é o herdeiro de toda a fraqueza do projeto filosófico ocidental, que foi uma compreensão da atividade dominada pelas categorias do ver; assim como se baseia no incessante alargamento da racionalidade técnica precisa, proveniente deste pensamento. Ele não realiza a filosofia, ele filosofa a realidade. É a vida concreta de todos que se degradou em universo especulativo.
A filosofia, enquanto poder do pensamento separado, e pensamento do poder separado, nunca pode por si própria superar a teologia. O espectáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa. A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base terrestre. Assim, é a mais terrestre das vidas que se torna opaca e irrespirável. Ela já não reenvia para o céu, mas alberga em si a sua recusa absoluta, o seu falaccioso paraíso. O espetáculo é a realização técnica do exílio dos poderes humanos num além; a cisão acabada no interior do homem.

Guy Debord
A Sociedade do Espetáculo


3.
(...) toda essa pregação sobre a tolerância, o amor ao próximo e assim por diante é, em última instância, uma estratégia para evitar o encontro com o próximo.
Toda essa obsessão que temos hoje com as diferentes formas de assédio - o fumo, o assédio sexual, social etc. - consiste, simplesmente, em como manter o próximo a uma distância apropriada. ... Mais uma vez, temos aí o próximo como o Real: um Real possível demais, e é isso que é traumático. Com a intromissão desse Real, a obsessão quase central de nossa época passou a ser a de como manter uma distância conveniente. Eu diria que também é por isso que as causas humanitárias são tão populares. Elas não são uma simples expressão de amor ao próximo, são exatamente o oposto. Ou seja, a função do dinheiro, nas doações para causas humanitárias, é idêntica à função do dinheiro tal como isolada por Lacan na psicanálise: o dinheiro significa que eu pago a você para que não tenhamos nenhum envolvimento.

(...) essa é a função suprema da doação de dinheiro a causas humanitárias: é para que [as pessoas] fiquem por lá.

Slavoj Zizek
Arriscando o Impossível

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom Gabriel... Gostei muito, e destaco a parte de Slavoj Zizek (o qual já tinha ouvido falar, mas nunca havia lido nada, ou não havia ouvido falar dele e sim de outro, enfim...)...
Inclusive, instintivamente, me parece que ele parte de uma construção platônica-freudiana de inicio e finaliza escancaradamente com uma evolução de Lacan ao comentar do simbolismo do dinheiro nas relações humanas...
Até vou te cobrar, o blog tá merecendo um tópico sobre a crise mundial e as medidas adotadas hein??!! Lembrei disso, porque li uma entrevista na Carta Maior de István Mészàros sobre a crise mundial, onde ele pontua algumas questões sobre a crise da perspectiva marxista: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15619

Gabriel G; disse...

Interessante a entrevista do Mészàros, Marcel.
Eu já tinha lido uma do Robert Kurz que era simplesmente armaggedônica, e escrevi para um amigo cientista social.
Ele me disse que capitalismo vivia de crise e que achava que a crise do Petróleo nos anos 70 tinha sido até pior... e o que o impressionava nesta confusão atual é que ela já era LARGAMENTE anunciada há muito tempo, tava na cara que alguma hora ia dar merda.

Ele falou algo ótimo sobre o funcionamento do capitalismo: "todo mundo sabe que, se todo mundo continuar poluindo, todo mundo vai morrer. Mas também sabem que quem parar de poluir por último morre mais rico."

Aliás, o que me parece chato nessa crise, em especial nas críticas que a esquerda faz, é que são todas críticas já velhas... porque até a crise toda é "sempre mais do mesmo".

Com a diferença dos bancos se fudendo, é claro.

Eu mesmo não tenho meios para julgar o momento atual. Se eu tivesse cacife pra falar sobre a crise eu já tinha tentado falar... bom que o Marcelo já fez a parte dele!

E eu ando ficando cada vez mais fissurado com o Zizek, vi e li várias coisas muito bacanas dele. Ele discute cinema e arte, o que pra mim é legal paca!
Eu não sei onde acaba o Marxista e começa o lacaniano nele (talvez não haja limite preciso).