quarta-feira, 26 de março de 2008

Aventuras da classe média

Raramente transcrevo textos completos. Mas andam pipocando por aí análises bem interessantes sobre a relação entre o ressentimento da classe média e a escalada de uma retórica neocon (muito da sem-vergonha, devo acrescentar) na imprensa e na internet brasileira.
O “popneocon” de Luís Nassif foi o primeiro texto simples e mais esclarecedor que li sobre a virada à direita da mídia e o sucesso de uma retórica agressiva que se interessa em manter a confusão entre escrotidão verbal e“liberdade” e ousadia intelectuais que impera em boa parte de nossa classe média semi-educada e em várias pessoas de nível cultural até mais alto.
Este texto abaixo é bem generalizante, mas vai direto ao ponto. E me surpreendeu por sair na Folha de São Paulo...
A direita e o lulismo
Por Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - A chegada de Lula ao poder seguida da ruína moral do petismo serviu de trampolim para impulsionar uma nova direita no país. É um fenômeno de expressão midiática, mais do que propriamente político. Está disseminado em jornais, sites, blogs, na revista. E deve sua difusão aos falcões do colunismo que se orgulha de parecer assim, estupidamente reacionário.
Mesmo que a autopropaganda seja enganosa e oculte que até ontem o conservador empedernido de hoje comia no prato da esquerda, que é só um "parvenu", um espertalhão adaptado aos tempos -ainda assim, temos aqui uma novidade.
Essa direita emergente já formou patota. Citam uns aos outros, promovem entrevistas entre si, trocam elogios despudorados. Praticam o mais desabrido compadrio, mas proclamam a meritocracia e as virtudes da impessoalidade; são boçais, mas adoram arrotar cultura.
É uma direita ruidosa e cínica, festiva e catastrofista. Serve para entreter e consolar uma elite que se diz "classe média" e vê o país como estorvo à realização de seu infinito potencial. Seus privilégios estão sempre sob ameaça e agora a clientela de Lula veio azedar de vez suas fantasias de exclusivismo social.
Invertemos a fórmula de Umberto Eco: enquanto a direita anuncia o apocalipse, os integrados, sob as asas do lulismo, são testemunhas vivas do fiasco do pensamento de esquerda neste país. Não me lembro de ter visto antes a mídia estampar com tanta clareza os passos da regressão social de que participa.
Do lado oficial, há um ambiente paragetulista de cooptação e intimidação difusas, se não avesso, certamente hostil às liberdades de expressão e de informação.
Na outra ponta, um articulismo de oposição francamente antinordestino e preconceituoso, coalhado de racismo e misoginia, que faz do insulto seu método e tem na truculência verbal sua marca. Deve-se a ele o retorno da cultura da sarjeta e do lixo retórico, vício da imprensa nativa que remonta ao Império, mas que havia caído em desuso.
À luz deste texto e de outros, acho sintomático pensar agora como tomei contato com essa retórica através de alguém que brandia o pendão acusador da INVEJA. A inveja dos esquerdistas, a inveja dos pobres e etc. Pequenos-empresários incapazes de enxergar seu próprio ressentimento (esse sentimento-raiz da moral judaico-cristã para Nietzsche e retomado em outra chave por Adorno para falar sobre – não por acaso -- o Nazismo e o antisemitismo), embora a virulência descomum de seus textos falasse por si mesma a esse respeito.

Bom mesmo foi ler ESTE trecho, de uma entrevista dada por Luís Nassif:
“A Abril não é uma editora ideológica. Quando você pega a Abril, a Folha, o Globo, eles cavalgam movimentos da opinião pública. Se a opinião pública quer um pouco mais à esquerda, eles vão, faz parte do conceito da grande mídia em relação ao ambiente de mercado.
Depois das Diretas-Já tinha uma onda mais à esquerda, eles foram. Depois tem uma onda um pouco mais à direita. Tem um conjunto de fenômenos aí que ajuda a explicar essa questão de mais pra direita. Tem de um lado uma classe média que foi massacrada quinze anos; aí tem uma insegurança, porque financeiramente ela começa a cair. É uma classe média ameaçada. De repente você tem uma ascensão da classe D. Isso cria uma dupla insegurança pra classe média, que é a insegurança financeira e insegurança de status. Daí o Lula é eleito. Você tem o deslumbramento inicial do pessoal que chega ao governo, o que vai acentuando a resistência da classe média.
Tudo isso dentro de um ambiente em que mundialmente há essa tendência à direitização. E a grande imprensa sempre refletiu esses movimentos lá de fora, sempre foi cópia malfeita desses movimentos. Então já havia uma tendência de ocupar esse espaço mais à direita. Os jornais fazem isso. Daí surge o escândalo do mensalão, eles têm a chance de refletir o que eles acham que era o sentimento de seus leitores contra o governo e derrubar o governo.
Nada de conspiração, estamos falando de mercado.

Aí eu lembro daquela frase fantástica, quando houve a reeleição, de que "o Brasil votou contra a opinião pública"(prepotência e umbiguismo parecem não ter limites!) ... e lembro em especial daquele estudo também fantástico que tentava -- e de maneira visivelmente canhestra para qualquer um que já não concordasse com aquilo de sáida -- atribuir a vitória de Lula aos analfabetos nordestinos. De novo, a imprensa surfando no senso comum -- que é um senso comum que é sectário, racista e provinciano, mesmo que subrepticiamente. E que, fundamentalmente, é um senso comum de uma classezinha surpreendentemente pequena e que, à maneira de um Big Bother Brasil, desconhece qualquer coisa além de si mesma.

Me lembro aí da entrevista do diretor de Cama de Gato, falando como a atual juventude de classe média alta é de longe a que teve maior acesso a informação da história do país, mas que não faz idéia de como lidar com essa informação... mas estou me desviando.
Quem sabe, com inspiração e tempo, possa escrever algo mais "definitivo" (ou meramente pretensioso) a respeito.


Esse assunto ainda vai render. Nome aos bois sempre rende. Isso é uma das benesses do bom jornalismo.



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6 comentários:

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Gabriel,

eu tinha separado um trecho desse mesmo texto do Fernando de Barros e Silva pra comentar aqui.

Pra falar a verdade, o teor do artigo não me impressiona já que saiu na segunda-feira, dia da folga do Clóvis Rossi. O espaço de destaque - primeira coluna do jornal - são geralmente fica com o Barros e Silva ou o Vinícius Torres Freire, que apesar de também conservador não deixa de ser uma opção melhor ao Clóvis Rossi.

A Folha até abre espaço, tem seus colunistas de esquerda e vale lembrar que antes da coluna do Clóvis sai sempre uma charge do Angeli (em dias alternados).

O que ocorre, é que quase sempre no dia seguinte abrem um espaço enorme no "Painel do Leitor" para as críticas irritadas dos leitores de classe média.

Curiosamente, na terça-feira (um dia após esse artigo), colocaram uma opinião de cada lado. Na defesa do Barros e Silva, um cientista político da Unicamp, o professor Caio Toledo, enquanto na crítica colocaram um tal David A. Magalhães, provavelmente um "classe média". Diz ele:

"A posição de Fernando de Barros e Silva se assemelha à do militante que sobe numa cadeira num bar e lança todo um repertório de generalidades cheio de som e fúria. O esforço do colunista visa alertar-nos sobre o perigo da disseminação na mídia brasileira de uma direita emergente e organizada.
Mas, no aranzel de adjetivos, não encontramos nenhuma referência precisa, nenhum autor. Como é usual no exercício irresponsável da diletância e nos discursos conspiratórios, a direita de Fernando se eleva quase como uma entidade metafísica. Afinal, quem são eles?"

Enfim, assim são as coisas...

Sobre o que disse o Nassif e sobre o tema de maneira geral, penso que é difícil entender de uma maneira só:

- obviamente a imprensa brasileira surfa na opinião pública. Como você bem lembrou, à época da reeleição pintou muito paulista nas comunidades separatistas, uma vez que as regiões sul/sudeste votaram no Alckmin. Democratas, sim senhor!

- por outro lado, eu não acho que tudi isso se resuma a uma questão de mercado. Penso que o sistema imprensa-opinião pública é "retroalimentante". Difícil pra mim achar que os grupos que controlam a mídia abririam mão de seu potencial de formadores de opinião da classe média para aguardar as tendências do público...embora o "caso veja" seja utilizado pelo Nassif justamente para mostrar que a crítica política está hierarquicamente abaixo das questões de mercado, eu acredito que ambas as coisas ocorram. Esse rancor da elite autodenominada classe média contra o Lula não é menor entre a classe política. O presidente tem que ser neto ou sobrinho de algum outro político, não dá pra engolir um barbudão qualquer. Ou seja, mais um componente: aristocracia política. Não é determinante, mas certamente tem seu peso em nossa sociedade.

Essa história vai longe mesmo, tenho um tanto a mais pra discutir mas vou colocar mais em outro post...se os posts não são comentados imagine os comentários...rsrsrs!

abração!

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

Ah sim!

"Big Bother" é erro de digitação? Porque é ótimo.

Gabriel G; disse...

Big Bother é intencional.

Dado o tamanho do comentário, acho que você poderia convertê-lo em post mesmo, hehehe...
Que existem conspirações eu não tenho nehuma dúvida. Só que elas eram a única suspeita, ainda insuficiente. O que o Nassif coloca de interessante (pra mim) é um dado no qual eu andava esbarrando mais ainda não tinha objetivado certinho: o mercado de opiniões. A partir disso, dá pra fazer amplas análises sobre o que é o Mainardi, ou aquele imbecil do Reinaldo Azevêdo.

E o interessante é que há muito pouco ainda de "direita organizada"... eles têm a falsa impressão de estar por cima, dominando; aí quando aparece uma passeata ridícula como a "cansei", fica patente o fato de como FORA DA ALTA ESFERA POLÍTICA e do AAAALTO EMPRESARIADO(e a Abril pode ser incluida nisso)a "direita" brasileira é um punhado de gente pseudo-educada que só olha pro próprio umbigo.

A questão iteresate é pensar que nessa escalada não há realmente bandeira ideológica ou social organizada, mas principalmente um esquema de privilegiamento PESSOAL descarado revestido de bandeira ideológica -- que é o que o Nassif mostra na série da Veja; e é o que ele mostrou também no caso dos livros de História "doutrinadores de esquerda" contra os quais se montou uma campanha no ano passado, e cujo "crime" real era serem de uma editora concorrente da Abril...

Claro, isso de bandeira ideológica cobrindo privilegiamento pessoal é a acusação feita ao PT e etc há muito tempo. Bom ver isso voltado contra os acusadores, os autoproclamados "guardiões" da moral e da democracia, "indispensáveis para o país que queremos ter".

Gabriel G; disse...

Duas coisas sobre o último comentário:

1. "punhado de gente" é exagero, são alguns poucos (íssimos) milhões de pessoas leitoras de Veja; acima de tudo,uma opinião "difusa", do tipo "a elite se revolta contra o estado das coisas", hehehe...

2. Essa conversa poderia ser convertida somehow em um post... sei lá como.

Gabriel G; disse...

Ah, é interessante pensar sobre a situação da Folha de São Paulo: ela certamente entrou no jogo de agradar o "mercado ranhetista" da classe média alta, mas ao mesmo tempo tem muitos quadros mais "de esquerda" e não quer perder seus muitos leitores da classe pensante "de esquerda"...

Então, na primeira página, temos piadinhas e trocadilhos infames com o PAC e notas desnecessárias sobre os "cartões corporativos" pra, nas imortais palavras do Bonner, "agradar o Homer". Pra reafirmar, temos o Rossi. Para contrabalandear, temos o Angeli -- que é tão fodidamente inteligente que o "Homer" nem consegue entender seu posicionamento político; na Ilustrada, por outro lado, temos outras coisas mais "à esquerda"; ainda assim, temos Ferreira Gullar (anti-Lula até a morte), Nelson Archer e de uma ou outro pipocou do nada na coluna final (penso agora em um bem "direitosinho" de uns meses atrás que, ao contrário do Archer, ecreveu um texto péssimo, fraquíssimo...)

Enfim, tenho a impressão de um ping-pong. Isso dá post também.

Marcílio, o gêmeo malvado disse...

É, dá pra pensar num post coletivo mesmo, muita coisa aqui, mas enquanto a gente não se encontra fisicamente vai levando e inflando os comentários.

Faz um tempinho que eu to escrevendo um sobre a Folha, acho que em conjunto sai melhor.

A questão que você colocou de que a Folha não quer perder o público "de esquerda" é patente. Não que eles façam isso direito, porque o jornal tá insuportável...pra mim, o slogan "Folha, não dá pra não ler" significa para mim "jornal, não dá pra não ler" ou mais simples ainda: "não dá pra não ler".

Eu leio a Folha por inércia e por estar acostumado com algumas figuras do jornal. Estadão não dá, mas no fundo o problema é ficar sem ler nada. mas enfim, logo eu posto essa história toda.

Gozado pensar que não faz muito tempo que a gente sacou que a grande mídia brasileira se concentra em três grupos: abril (revista), Folha (jornal e internet - UOL) e Globo. São justamente as coisas que a gente "cobre" com mais frequência. É tudo farinha do mesmo saco.

Quanto à questão do que o Nassif revela no caso veja, eu concordo contigo. Só fiz questão de pontuar que de fato há uma trilha conspiratória pra não deixar o grande público achando que antes tava tudo errado. O mercado de opinião, "agora" descoberto m(pra gente) me parece óbvio mesmo...parece coisa que acontece por essas terras tropicais mesmo.