Pegando a idéia (de fundo Kantiano) de encarar nossa percepção a partir da idéia de tempo e espaço, pode-se perceber que cada arte e forma comunicativa lida com o tempo e o espaço de maneira extremamente única.
A escultura, por exemplo, congela o espaço — a forma — no tempo; não é à toa sua conotação histórica de imortalização.
A música, ao contrário, é quase que a arte pura do tempo; tonalidades e sabores construídos puramente no tempo, sem nenhuma existência física para além de variações contínuas do momento presente.
O desenho e a pintura têm que captar o espaço e o momento usando apenas um espaço simplificado (a superfície bidimensional).
A literatura, a mais íntima e mental das artes, é o campo de excelência do espaço e tempo psicológicos e variáveis, únicos de leitor para leitor.
O teatro, por outro lado, é o reino do aqui e agora, da presença viva das coisas, palavras e movimentos; não é à toa que é a mais política das artes (aquela vista com mais estima por Aristóteles, por ser uma arte de presenças reais e vivas, e não de simulações como a pintura).
Já Deleuze falou certa vez (se não estou enganado) que o cinema lidava com a idéia de duração e seqüência — com ele, um recorte completamente novo de tempo surgiu e passou a moldar nossas mentes.
Há uma grande “arte” também nas Histórias em Quadrinhos (Banda desenhada, arte seqüencial ou outros nomes); há uma dimensão que apenas esse "meio" pode explorar a fundo, e na qual nenhuma arte pode acompanhá-lo.
Os quadrinhos são, em essência “kantiana”, a “arte” de narrar e criar tempo através do espaço.
Os quadrinhos são, em essência “kantiana”, a “arte” de narrar e criar tempo através do espaço.
Essa questão existe, de maneira mais limitada, no campo das artes pictóricas; mas só encontra sua verdadeira casa, seu campo de desenvolvimento, nas histórias em quadrinhos. Estas abrangem a criação de momentos — momentos longos, momentos curtos, momentos transitórios, momentos quase “eternos” e congelados — a criação de diferentes encadeamentos de instantes, ações e climas e, no limite, a criação de uma ampla arquitetura temporal em sua trama.
Este último aspecto, por sua vez, é muito pouco explorado, só atingido pelos cabras mais fodões da parada, como um Art Spiegelman ou um Alan Moore. Exemplos incríveis desse tipo de maestria temporal podem ser encontrados em histórias como “How things work out” de Moore ou “o retrato do artista quando jovem” de Spiegelman (esta última publicada recentemente na Revista Piauí).
Vejam aqui uma palhinha da história supracitada de Moore.
Mas, em especial, dêem uma olhada cuidadosa nesta simples e genial historinha aqui embaixo, do super-herói brasileiro “o Gralha”. (clique nas duas imagens pra ver maior...)
Não se deixe enganar pelo estilo caricatural-cômico dos desenhos, ou por seu ar descompromissado e “naive”. Essa historinha do curitibano Antônio Éder (bom pra caralho!) é um exemplo simples e direto daquilo que só a “arte seqüencial” sabe fazer.
Um comentário:
Bacaníssimo!
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