sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Cadernos Paternos III: Semiótica


Eu provavelmente não falo isso aqui tanto quanto deveria, mas ser pai é um troço impressionante.

Nos últimos meses, é muito perceptível que meu filho passou por algo que, à guisa de nome melhor, chamarei de "despertar semiótico".
Digo assim porque é como me pareceu: um "despertar" para algo que já estava latente, algo que lentamente já se desenvolvia. No caso, é a capacidade de representação e comunicação -- a consciência inicial dos signos.

Miguel vê uma imagem de um leão na tevê; imediatamente, ele diz o nome Leão (ou tenta dizer),ou solta um rugido (que lhe ensinei); ele aponta para um brinquedo onde há um leão (com um grau de abstração/estilização tão grande que me surpreendo ele conseguir reconhecer que a imagem na tv e aquilo são o mesmo); em seguida, aponta para outro brinquedo, também com um leão -- mas com um estilo de cartunização bem diferente; e saí em busca de um livro onde há um leão com outro estilo de desenho diferente.

Para meu filho, apontar a equivalência entre essas muitas coisas díspares é quase um teste, um exercício -- o desenvolvimento e afinamento da habilidade de identificar. Mas nessas repetições também fica evidente a diversão dele pelo fato em si, a percepção desse processo de significação como uma constante novidade.
Nessa repetição constante de identificações, fica para mim patente que ele está interessado no fato simples de que uma coisa pode referir-se à outra, pode personificar outra. Um desenho pode ser um leão, um boneco de dez centímetros de altura é um dinossauro.

Entendam, ele já fazia isso, já vivia isso; faz meses que começou a reconhecer e a dar nomes, ainda que gradual e lentamente. Mais recentemente, contudo -- e para meu assombro -- vejo que ele percebe, ainda que de maneira ingênua e primária, que há um processo de fazer-isto-equivaler-a-aquilo. Ele despertou para o fato de que linguagem é em si uma brincadeira. .

(a linguagem pode até mesmo presentificar "magicamente" as coisas: ele se diverte muito com o fato de que, quando minha esposa está tratando dele e precisa de ajuda, chama meu nome alto. Ele fica esperando eu aparecer, olhando para a porta do quarto. "Gabriel" equivale à minha presença, é palavra mágica da mãe).

Isso provavelmente não surpreende em nada quem já tem filho há mais tempo e/ou estudou pedagogia ou psicologia; mas eu nunca li muito sobre o desenvolvimento infantil, então não sabia que com um ano e meio as crianças eram capazes disso.
Manifesto aqui, então, meu ingênuo e desavisado assombro amoroso. E a felicidade de poder assistir, participar e incentivar esse despertar em primeira mão.