domingo, 24 de julho de 2016

Maleducado

Algumas considerações rápidas, irrefletidas e inconclusivas.
I.

1. Mais do que um conjunto de instituições e práticas, a Educação é um pacto social.

2. Os termos desse pacto têm estado em disputa e transformação desde que o pacto foi configurado -- ou seja, desde o estabelecimento do que chamamos de era moderna (que também estipulou, entre outras coisas, a idéia de "infância" e a idéia absolutamente revolucionária de igualdade, liberdade e direitos universais dos seres humanos)

3. Esses termos -- e talvez o próprio pacto -- encontram-se em profunda crise de paradigma no mundo contemporâneo.

4. Aqui na Terra Papagali esse problema geral é muito agravado, pois esse pacto (entre outros pactos da modernidade) nunca foi implementado a contento -- by coincidence or by design.

II.

Em 1979, ainda no rescaldo da revolta sessentista contra o que Michel Foucault chamava de "sociedade disciplinar", Roger Waters escreveu para o álbum 'Pink Floyd: The Wall' uma música tematizando a revolta infanto-juvenil que nutriu o Rock, dizendo "We don't need no Education" (já brandindo irônica e desafiadoramente um duplo negativo, gramaticalmente errado, na cara do opressivo sistema educacional inglês do pós-guerra).
O tempo passou, e Waters veria que quisera matar amanhã o velhote inimigo que morrera ontem. Ao fazer o show comemorativo de trinta anos de The Wall no Brasil, ele cantou "All we need is education". Pois é: diante do perigo da absoluta anomia e do processamento mercantil infrassubjetivo de nossa sociedade, nossos brados tornaram-se mais conservadores: à luz pós-moderna do que Foucault chamaria de "sociedade de controle", a "sociedade disciplinar" da modernidade revela ter ainda algumas lições preciosas.

Qual educação, contudo?




III.

Sempre me incomodou o truísmo "mais escolas, menos presídios". Como se a educação fosse cura automática para a criminalidade. Me incomoda não exatamente por ser mentiroso; mas porque, colocado assim, dado de barato, é algo simplificador e, assim, frágil e falacioso.
Ficando no nível das simplificações, é fácil de contrargumentar de forma igualmente falaciosa que a correlação é falsa porque, mesmo com todas as suas deficiências, o ensino nunca foi tão universalizado no país; e, ainda assim, a violência e criminalidade entre jovens permanecem chocantes e galopantes.

Não vou me alongar na disputa de falácias. É óbvio que há correlações macro-sociais entre quantidade/qualidade da instrução e os níveis de criminalidade. E é óbvio que essa correlação é muito mais complexa, sutil e dependente de uma miríade de outros fatores sociais. Mais escolas, por si só, não são menos presídios. Infelizmente.
Porque, novamente: de qual educação estamos falando mesmo?




Educação cada um na sua baia, educação para a corrida de cavalo em que somos montaria e o dinheiro e lucro da aposta é de outros? "Educação para a morte", ou melhor, para conseguir mais dim-dim e comprar coisinhas como a big fucking telly e viver feliz e ungido na sala de jantar esperando o dia de morrer?
Educação para elite, educação para o sou-melhor-que-o-resto, para o smartass contest, para o autoinvestimento narcisista seja do intelecto ou do "sucesso"?

O mecanismo de reprodução de uma sociedade doentia e autofágica é ele em si doentio e autofágico?