subtítulo roubado do Mutarelli
Você mora em Bom Jesus do Galego e comprou uma arma. Gosta de atirar e aos fins de semana vai até sua chácara em Santa Maria do Suaçuí, derrubar umas latinhas.
Fulano de Tal é um desafeto antigo, que você não vê há sete anos. Trata-se de um ex-colega de trabalho que, ao disseminar boatos a seu respeito, acabou provocando sua demissão e divórcio. Você nunca mais ouviu falar no sujeito até que, numa bela manhã, a polícia bate à sua porta e o conduz até a delegacia, para prestar esclarecimentos.
Você ouve todo tipo de perguntas, a respeito de uma arma, do seu relacionamento pregresso com o tal Fulano de Tal, se sabia da morte do filho dele, se havia ido à Santa Maria do Suaçuí no fim de semana em que, tragicamente, Ciclano de Tal - filho de Fulano - havia sido morto por um disparo de uma arma igua à sua.
Na saída da delegacia, um repórter da TV Leste, afiliada da Rede Globo, faz perguntas acerca do motivo do crime: você tem filhos? Como se sentiria caso matassem um deles? Tem alguma coisa a dizer para a família Tal? A sua indignação e confusão geram uma resposta meio desinteressada, algo fria. À noite, o Brasil fica sabendo do crime bárbaro: Ciclano de Tal, 7, morto com um tiro entre os olhos.
Grupos de pessoas fazem vigília na frente da sua casa, sua mulher é agredida na padaria. A população brasileira conhece o seu ódio por Fulano de Tal e se comove com as lágrimas do pai, que "só quer justiça".
Não há qualquer prova material contra você, além de uma história segundo a qual você teria motivos banais para matar uma criança, vingança desproporcional para uma briga de trabalho, convenhamos...mas você esteve na cidade do crime, na data do crime. Pessoas de Bom Jesus do Galego confirmam a viagem, há um pagamento registrado no seu cartão de crédito em um posto de gasolina na entrada de Santa Maria do Suaçuí. A bala que matou Ciclano de Tal é compatível com as balas da sua arma que foi, aliás, disparada naquele dia.
Há uma história compatível com a de alguém que tenha assassinado o pequeno Ciclano de Tal, mas...é também uma história compatível com a de alguém que não tenha matado o menino. A história é convincente, a opinião pública foi formada - Fulano de Tal chorou no Fantástico.
O promotor é novo, inexperiente, mas o clamor popular acaba te condenando no tribunal do júri, que não é exatamente um julgamento técnico, formal...o apelo emocional tem um grande peso aqui. Você é condenado a 17 anos de prisão.
Você sai do fórum berrando aos microfones que "não posso ser preso, não praticou homicídio". Não importa.
Agora, imagine o seguinte: ao ouvir sua estribuchação (estribuchagem? estribuchamento?), o promotor, com um sorriso maroto diz - para que as câmeras registrem:
"Pode sim. Não há injustiça alguma sendo cometida aqui, pois homicídio é crime e está previsto em lei."
Alguém levaria esse argumento a sério?
E se o William Bonner desse a notícia, em tom frio: "Assassino de Ciclano de Tal acusa justiça de praticar ato ilegal".
Na mesma noite, Merval Pereira conversa com dois respeitados juristas, que se põem a esclarecer que homicídio é crime, sim. Um deles abre o Código Penal e faz a leitura do Artigo 121, em voz alta, para assegurar à população de que matar alguém é, de fato, ação passível de pena. O outro doutor inicia uma explicação no sentido de que:
- Mas o que está em jogo não é se o crime de homicídio existe ou não, mas..."
- Mas existe?
Fulano de Tal é um desafeto antigo, que você não vê há sete anos. Trata-se de um ex-colega de trabalho que, ao disseminar boatos a seu respeito, acabou provocando sua demissão e divórcio. Você nunca mais ouviu falar no sujeito até que, numa bela manhã, a polícia bate à sua porta e o conduz até a delegacia, para prestar esclarecimentos.
Você ouve todo tipo de perguntas, a respeito de uma arma, do seu relacionamento pregresso com o tal Fulano de Tal, se sabia da morte do filho dele, se havia ido à Santa Maria do Suaçuí no fim de semana em que, tragicamente, Ciclano de Tal - filho de Fulano - havia sido morto por um disparo de uma arma igua à sua.
Na saída da delegacia, um repórter da TV Leste, afiliada da Rede Globo, faz perguntas acerca do motivo do crime: você tem filhos? Como se sentiria caso matassem um deles? Tem alguma coisa a dizer para a família Tal? A sua indignação e confusão geram uma resposta meio desinteressada, algo fria. À noite, o Brasil fica sabendo do crime bárbaro: Ciclano de Tal, 7, morto com um tiro entre os olhos.
Grupos de pessoas fazem vigília na frente da sua casa, sua mulher é agredida na padaria. A população brasileira conhece o seu ódio por Fulano de Tal e se comove com as lágrimas do pai, que "só quer justiça".
Não há qualquer prova material contra você, além de uma história segundo a qual você teria motivos banais para matar uma criança, vingança desproporcional para uma briga de trabalho, convenhamos...mas você esteve na cidade do crime, na data do crime. Pessoas de Bom Jesus do Galego confirmam a viagem, há um pagamento registrado no seu cartão de crédito em um posto de gasolina na entrada de Santa Maria do Suaçuí. A bala que matou Ciclano de Tal é compatível com as balas da sua arma que foi, aliás, disparada naquele dia.
Há uma história compatível com a de alguém que tenha assassinado o pequeno Ciclano de Tal, mas...é também uma história compatível com a de alguém que não tenha matado o menino. A história é convincente, a opinião pública foi formada - Fulano de Tal chorou no Fantástico.
O promotor é novo, inexperiente, mas o clamor popular acaba te condenando no tribunal do júri, que não é exatamente um julgamento técnico, formal...o apelo emocional tem um grande peso aqui. Você é condenado a 17 anos de prisão.
Você sai do fórum berrando aos microfones que "não posso ser preso, não praticou homicídio". Não importa.
Agora, imagine o seguinte: ao ouvir sua estribuchação (estribuchagem? estribuchamento?), o promotor, com um sorriso maroto diz - para que as câmeras registrem:
"Pode sim. Não há injustiça alguma sendo cometida aqui, pois homicídio é crime e está previsto em lei."
Alguém levaria esse argumento a sério?
E se o William Bonner desse a notícia, em tom frio: "Assassino de Ciclano de Tal acusa justiça de praticar ato ilegal".
Na mesma noite, Merval Pereira conversa com dois respeitados juristas, que se põem a esclarecer que homicídio é crime, sim. Um deles abre o Código Penal e faz a leitura do Artigo 121, em voz alta, para assegurar à população de que matar alguém é, de fato, ação passível de pena. O outro doutor inicia uma explicação no sentido de que:
- Mas o que está em jogo não é se o crime de homicídio existe ou não, mas..."
- Mas existe?
- Sim.
- Então Fulano de Tal pode ser condenado por homicídio. Muito obrigado doutor, voltamos depois dos comerciais.
Não perderei muito tempo explicando a triste fábula acima. Enfatizo apenas que, perdi a conta do número de vezes que revirei os olhos, mentalmente (acho, alguns amigos me dizem que só na minha imaginação as caras que eu faço são apenas mentais), ao ouvir que:
Impeachment não é golpe. Está previsto na constituição.
Pois é, amigos. Homicídio também, assim como estupro, rixa, incêndio e sedução*. Mas pra condenar alguém por estes crimes, é muito importante preencher quatro requisitos:
Ação - Resultado - Nexo Causal - Tipificação
Você atirou - Ciclano de Tal morreu - A bala que o matou tem que ter saído DA SUA ARMA - isso tem que estar descrito como crime na lei.
Daí decorre que o Impeachment está sim, descrito na lei. Mas para alcançar o resultado é necessário provar que CRIME DE RESPONSABILIDADE TENHA SIDO COMETIDO PELA(O) PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Até o presente momento, "pedalada fiscal" não é crime - e não há razão alguma para que passe a ser considerado como tal.
- Então Fulano de Tal pode ser condenado por homicídio. Muito obrigado doutor, voltamos depois dos comerciais.
Não perderei muito tempo explicando a triste fábula acima. Enfatizo apenas que, perdi a conta do número de vezes que revirei os olhos, mentalmente (acho, alguns amigos me dizem que só na minha imaginação as caras que eu faço são apenas mentais), ao ouvir que:
Impeachment não é golpe. Está previsto na constituição.
Pois é, amigos. Homicídio também, assim como estupro, rixa, incêndio e sedução*. Mas pra condenar alguém por estes crimes, é muito importante preencher quatro requisitos:
Ação - Resultado - Nexo Causal - Tipificação
Você atirou - Ciclano de Tal morreu - A bala que o matou tem que ter saído DA SUA ARMA - isso tem que estar descrito como crime na lei.
Daí decorre que o Impeachment está sim, descrito na lei. Mas para alcançar o resultado é necessário provar que CRIME DE RESPONSABILIDADE TENHA SIDO COMETIDO PELA(O) PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Até o presente momento, "pedalada fiscal" não é crime - e não há razão alguma para que passe a ser considerado como tal.
A Constituição Federal, essa lei que vem sendo esquecida por alguns agentes nos últimos tempos tem um artigo - o quinto - que é o primeiro de uma seção sem maior importância, denominada
"Dos Direitos e Garantias Fundamentais"
É um artigo bastante longo, trata dessas bobagens do tipo "homens e mulheres são iguais" e "Liberdade de expressão", dentre outros disparates. Lá pelas tantas, no inciso XXXIX, diz o seguinte:
"não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal"
O mesmo dispositivo se repete no artigo 1º do Código Penal, deve ser importante. Dá-se a isso o nome de "princípio da legalidade". É o que garante que você não será preso por uma lei inventada, a posteriori, que estabeleça que é crime chupar pirulito usando meias e chinelo de dedo só pra te ferrar depois da publicação de um selfie no sofá.
Pedalada Fiscal nunca foi interpretada como crime de responsabilidade - não há, inclusive, sanções previstas. A única razão de ser das tais pedaladas é satisfazer o mercado financeiro e evitar o atraso nos pagamentos de programas de governo. Nada foi desviado, nada. Nada saiu dos cofres públicos.
Enfim, impeachment está previsto em lei, sim. Impeachment sem base legal, bem...é golpe.
* Parece propaganda de novel. Mas olhei agora e sedução não é mais crime**, cuidado! Manterei a redação porque "incêndio e sedução" soa bem.
** Na verdade, não sei se não é crime ou se a ação é descrita em outro tipo...mas dizer que "sedução não é mais crime" me soou bem***.
*** Pronto.