sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

ANO X (parte 2): Quando eu cheguei na internet era tudo mato

(este post é uma continuação ou apêndice do anterior. O post original já estava já longo demais, e os assuntos aqui colocados estavam por demais desconexos para se encaixarem na discussão que visei fazer lá).





... E, assim, sem mais nem menos, meio de repente, meio sem ninguém notar, o Wilbor fez dez anos. Urra!

Vale a pena pensar um pouco no antes/depois envolvido nesse tempo,  no quanto rolou nesse meio tempo. Não quero ficar fazendo panorama histórico de verdade -- é trabalhoso, é enfadonho e não é da minha competência. Farei, portanto, uma curta e aleatório seleção de mudanças significativas que me ocorrem neste momento.

Há dez ano eu era solteiro, não tinha emprego, morava em São Carlos (SP) e estava terminando o mestrado. Eu não tinha banda larga em casa, acessava a internet na faculdade. Nunca tinha saído do continente sul-americano.
Minha situação hoje não é lá tão diferente daquela de quando Wilbor fez 5 anos, mas vamos: sou casado e pai de um filho, professor há 9 anos, concursado duas vezes (eu brinco: meu primeiro emprego foi como "colega" do meu pai -- professor universitário estadual no Paraná -- e meu segundo emprego foi como "colega" de minha mãe -- professor universítário federal) e, afinal, um "doutô" de verdade.
A idéia de não ter banda larga é para mim mais inconcebível que a de não ter um fogão em casa. Tive a sorte de poder viajar fora da América do Sul seis vezes.

Há dez anos a internet era MUITO diferente de hoje.
Dava pra baixar qualquer coisa do youtube, sem ter que apelar pra sites especiais.
Não havia "memes". Ou, ao menos, não como uma categoria própria de humor e comunicação, como uma palavra ou idéia de operação conhecida e repetida e propagada por milhões. (Ou seja: memes não eram um meme)
Não havia essa explosão exuberante do gif animado como humor e arte.
Não havia essa rica diversidade de quadrinhistas se estabelecendo pela internet, no Brasil e no mundo.
O Laerte era homem -- e não dava sinal algum de que pensava em deixar de sê-lo -- e era célebre quase exclusivamente por seus quadrinhos, e não como ícone da causa trans ou como uma figura de esquerda.
Não havia podcast pra tudo que é lado.
Não havia selfies -- ou melhor, ninguém no Brasil chamava auto-retrato de "selfie".
Mais ainda: a idéia de se ir para um museu e ficar lá só basicamente tirando fotos de si mesmo era um tanto mais estranha do que é hoje.
Não havia Justin Bieber. Nem Lady Gaga. Nem Anita. Nem Wesley Safadão. Nem Michel Teló.
Ninguém pensava que um negro em breve seria presidente dos Estados Unidos.
Não havia drones assassinos matando pessoas a esmo do alto do céu, repentinos e invisíveis como um Tupã gringo.
Não havia Instagram, nem Twitter, nem Facebook.
Ninguém diria que o Orkut seria extinto só alguns anos depois.
Pouca gente conhecia o termo smartphone, e menos gente ainda tinha algo que pudesse ser confundido com um.


*  *  *


Um curto adendo político.
Quando o blog começou, o governo Lula estava passando pela crise do "mensalão", e uma parte do que motivou a criação do blog era a insatisfação com o comentarismo "mainstream" sobre a política, por um lado, e a complementar ascensão e multiplicação de coisas sombrias no lado direito da internet (i.e. seguidores estridentes e combativos de Olavo de Carvalho e coisas do tipo).
Pois bem: a julgar pelo tom da mídia então, era ÓBVIO que o governo ia cair, que a eleição seria uma lavada. E veio a reeleição do Lula, e a mídia descobriu que seu poder de pautar a efetiva "opinião pública" era muito mais frágil do que ela mesma achava. Solução? arregaçar as mangas e partir para o combate, e que se fodesse de vez o próprio jornalismo no processo. Temos assistido hoje os resultados de mais de uma década desse processo acelerado de forçação progressiva de barra.
Curiosidade: a comemoração dos cinco anos de existência do Wilbor bateu com o que foi talvez o momento mais exitoso e otimista do governo do PT. Nosso decênio, por sua vez, coincidiu com o fundo de poço mais fundo já visto até agora... incluindo uma reedição da marcha com deus com a família em forma de micareta e o congresso mais asqueroso de uma história recente cheia de congressos asquerosos.


*  *  *


Como colocado acima, uma das principais vítimas destes últimos 10 anos foi o jornalismo.
Quando começamos o blog, a esfera pública migrava de vez para a web; hoje, ela migrou para as redes sociais. Hoje, TODO MUNDO sabe coisas via redes sociais -- o que acabou por favorecer também o florescimento e explosão de uma indústria da boataria nunca dantes vista em sua amplitude, complexidade, diversificação e exuberância.

um mundo conectado é um mundo fofoqueiro. 

(Eu já cunhara para mim mesmo essa máxima antes mesmo de montarmos o Wilbor; mas, cara, os últimos anos deixaram isso claro para mim em níveis aterradores.)

Ninguém passou incólume dessa dinâmica dominante, especialmente o pobre jornalismo. Achávamos o jornalismo mainstream ruim na época -- e ele era -- mas não tínhamos idéia de quão fundo a coisa podia descer.
Não basta dizer que ele está morto; seu cadáver é a todo tempo desenterrado, profanado sexualmente e novamente posto na tumba. Ou ainda: vivemos o apocalipse zumbi do jornalismo tradicional. Além de feder e perambular por aí morto, ele é contagioso e tem particular preferência em consumir miolos.


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Pra finalizar esse mimimi rancoroso com alguma luminosidade: com tudo que tem de sombrio nos tempos atuais, há dez anos eu não teria imaginado ocorrer algo politicamente  tão bonito quanto as ocupações de escolas por parte de alunos neste último ano, que se iniciou no Estado de São Paulo contra a "reestruturação" sacana e impositiva proposta pela gestão Alckmin.

Para um professor -- e arquiteto de formação -- não tem preço ver alunos transcendendo a institucionalidade apática da escola pública sucateada e efetivamente habitando coletivamente o espaço físico e simbólico de conhecimento que lhes pertence.
Com tudo que possa aparecer de erro prático, político ou moral nesse processo.
Com tudo que possa haver de incerto ou enganoso.
Exigência de perfeição é o escudo dos covardes (falo por experiência própria)

É, seu Belchior: parece que, apesar de tudo, "o novo sempre vem".
Resta ver se (com perdão da pieguice) dará "flores e frutos".


domingo, 24 de janeiro de 2016

ANO X (parte 1): Facebook killed the blog star

Nós, humanos, somos primatas bípedes de cérebro altamente desenvolvido. Tendo as mãos livres (ao menos mais livres que as patas dos quadrúpedes) e alta capacidade de abstração, acabamos por usar essas mãos para contar. Nisso, montamos uma matemática baseada na quantidade de dedos que essas duas mãos livres nos forneciam: um sistema decimal.

Por esse acaso evolutivo, o DEZ acabou adquirindo importância simbólica quase inevitável. Sobretudo na marcação da passagem do tempo.

Pode-se comemorar os 7 ou os 14 anos de existência de uma empresa, de um site ou qualquer outra empreitada; mas tais celebrações não têm no número de anos uma importância especial.
Os primeiros Dez anos de algo, por outro lado, são especialmente comemorados pelo número em si.

Os primeiros cinco anos também, é claro: completa-se neles uma mão inteira de anos (quem não comemoraria isso?). Dez anos, contudo, é o tempo de uma DÉCADA: esse estranho recorte temporal do qual nos acostumamos a esperar (ou impor)  uma miragem de "identidade" histórica -- "OS anos 60", "OS anos 80" e etc, como se alguma síntese possível pudesse recobrir um vagalhão de eventos heterogêneos apenas vagamente correlacionados ou mesmo  meramente simultâneos.
Se em cinco anos de nossa época recente se vê muita coisa ocorrendo, em dez anos o mundo geralmente muda pra caralho. Enquanto recorte de tempo, portanto, os dez anos já adquirem uma aspiração levemente mais "histórica".

Pois bem: tudo isso pra dizer que, afinal,
Wilbor se Revolta já completou uma década.

Logo nos primeiros anos do Wilbor, em nossas mitológicas reuniões de pauta, eu e Marcelo já tínhamos especulado sobre como seria ter um blog por dez, vinte anos. O quão relevante seu acúmulo de conteúdo poderia chegar a ser, fosse como esforço intelectual, fosse como registro do desenvolvimento de nosso pensamento, fosse como testemunho documental do passar do tempo. Galhofeiramente, especulávamos  se Wilbor seria bibliografia de alguém em algum dia.

Tendo isso em vista, é muio interessante para nós poder olhar para aquilo que já fizemos desde então. É merecido destacar, comemorar e observar o ato de se completar o primeiro decênio.

Contudo, um dado tão ou mais significativo que o aniversário do blog é o fato dele já ter ocorrido há meses atrás (16 de setembro, pra ser exato) e ter passado completamente em branco aqui.

Nenhuma efeméride, nenhuma comemoração, nem sequer uma mudança do template do blog. Nós, que brincávamos de mudar e alterar o blog por qualquer coisinha, deixamos passar a data mais marcante de sua existência até então.

Por um lado, esse fato se relaciona indiscutivelmente à grande correria das vidas destes blogueiros no ano que se passou: Marcelo se empenhando na qualificação de seu doutorado, eu tendo acabado de defender uma tese e estando recém-convertido em pai de família. Para além desses fatores, essa falta também é indicativa do estado de ânimo que nos deixou este último ano de merda que foi 2015 no âmbito político/econômico nacional; um ano aziago para além de nosso pesadelos, no qual as flores mais perversas plantadas na confusão de 2013 pareceram desabrochar e feder. Como já me falou o Marcelo: "çaporra me quebrou, mano!"

Contudo, nossa ausência e descuido a respeito de anunciar e pensar o fechamento da primeira década de Wilbor de Revolta é, infelizmente, significativo da relativa perda de relevância que o próprio formato "blog" sofreu desde nossa última comemoração, há cinco anos.


* * *


Outro dia eu tive que GOOGLAR o endereço deste blog. Sério.
Eu não conseguia lembrar de imediato. Ou melhor, googlar era mais rápido e fácil do que me lembrar do endereço do blog que tenho e edito há dez anos.Tudo bem que era seis da manhã, eu tinha acabado de acordar, e minha cabeça nunca mais foi a mesma depois do desgaste do doutorado (atenção, Marcelo!!!). Mas não deixa de ser um indício forte da exígua atenção que tem restado ao blog.
Uma desatenção, por sua vez, não surgiu de repente; foi gradual e progressiva.
Em 2010, ano do quinto aniversário do blog, fizemos 115 postagens.
Em 2012, fizemos 48.
Em 2013 --  o ano-furacão -- 11.
Em 2014, 15.
Em 2015, afinal, estagnamos no número raquítico de 7 postagens.


* * *

Mais que só uma questão pessoal de falta de tempo para finalizar textos a contento, essa falta de uso do blog também se conecta ao estágio atual de desenvolvimento da internet. Longe se ser caso isolado, esse relativo abandono de nosso blog é parte de um fenômeno bem mais geral: a maneira como as redes sociais usurparam  nossa atenção e nossa produção.
Ou, mais especificamente, como o Facebook o fez.

Para mim, a articulação da dupla Timeline/Feed de notícias do Face formou o mecanismos de visibilidade e propagação informacional (tô evitando a palavra "mídia") mais impactante das últimas décadas, socialmente e culturalmente. Realiza-se em software a convergência de funções que já vinha acontecendo nos hardwares: funde-se nele a imediaticidade e amplitude de propagação de plataformas como twitter e instagram com a disponibilidade para textos mais amplos e caixas de comentários intermináveis já existentes nos blogs, nos grupos de discussão de plataformas e redes sociais (como o falecido Orkut) e de variadas páginas.

Logo de início, toda a trivia de comentários e compartilhamento de coisas bacanas que costumávamos fazer pelo Wilbor passou rapidamente para o Face. E com razão: ele se presta ao compartilhamento coletivo de forma incomparavelmente mais eficiente. Ninguém precisa vir ao nosso cafofo buscar nossas sugestões de link, elas são oferecidas pelo feed.
Os posts do blog ficaram definitivamente reservados para colocações mais autorais e assuntos mais longos e desenvolvidos -- aquilo que hoje se chama de "textão". Ou seja: coisas para as quais, coincidentemente, tanto eu quanto Marcelo passamos a ter cada vez menos tempo, ambos embrenhados em nossas respectivas carreiras e vidas pessoais.

Porém, se falamos de tempo, o problema não se limita à maior escassez de tempo "fora" da rede. A  verdade é que o espaço ocupado pelas redes também eclipsou nosso próprio tempo de atenção e produção. O face  ocupa-nos com uma miríade de informações, com coisas que pedem nossa resposta e compartilhamento imediato, com belezas e boçalidades além da nossa concepção -- diariamente. A verdade é que perdemos muito mais tempo com comentários rápidos e compartilhamentos hoje em dia do que quando fazíamos isso pelo blog.

Porém, a absorção e a sedução das redes vai mais longe: mais que um espaço de coisas mais rápidas, o Facebook é um espaço de contato público que o blog nunca pôde ser. É um meio muito mais eficiente em "espalhar a palavra".  Nossas reflexões nunca foram tão lidas quando ficávamos só no Wilbor. Como consequência, o face passou gradualmente a ser nossa plataforma primária de produção. Muitos posts do Wilbor dos últimos tempos foram originados como desenvolvimentos posteriores de posts do face. E, obviamente, tudo o que colocamos no blog é obrigatoriamente anunciado em nossas respectivas timelines.

Esse processo não foi uma exceção isolada: nesse últimos anos, ficou visível que cada vez mais blogueiros montaram no Face sua base de operações, lateralizando (ou mesmo quase abandonando) seus blogs. E porque não? O tipo de visibilidade imediata e velocidade de resposta que ele garante é impressionante.

O problema, porém, é que um "blog" é nosso de uma maneira que nossa timeline do Facebook nunca foi ou será.


* * *

Eu já percebia esse minguamento geral entre os blogs "amadores"; em geral, apenas os "grandes" blogs, os blogs profissionalizados -- em especial os ligados a aluma revista ou portal -- se mantiveram profícuos.
Mas a ficha caiu pra mim sobretudo ao ver este vídeo abaixo, da jovem blogueira Marjorie Rodrigues (cujo blog, anos atrás, praticamente me introduziu em um MONTE de questões do movimento feminista).



Resumindo o ponto principal, o Facebook está se tornando A INTERNET EM SI.

Não nos enganemos: quando fazemos qualquer coisa no facebook, não estamos no "espaço público" da internet, mas no "quintal do tio Mark". Diante de todos os brinquedos e comodidades que ele nos proporciona, abrimos mão de certo grau de nossa autonomia com alegre animação.

O primeiro problema disso, já discutido por muitos, é a falsa pluralidade. Como se sabe, há logaritmos calculando o que nos mostrar ou não no face (assim como no google, aliás) e eles tendem a nos bombardear com aquilo que JÁ nos interessa ou com aquilo que é mais popular, reforçando o entrincheiramento de nossa convivência virtual em guetos ou reforçando a visibilidade daquilo que já é muito visível. Um texto bem interessante a respeito desse fenômeno geral -- em especial, sobre os perigos para a web que a mistura entre busca incessante por "popularidade"e logaritmos secretos de visibilidade em redes sociais pode acarretar  -- pode ser lido neste endereço aqui.

O segundo problema, bem incômodo, é o da memória. É difícil até encontrar nossas próprias informações e postagens na timeline, pois o Face funciona de maneira a "esconder" o velho. Não há como fazer uma simples procura no face, coisa básica que fazemos no Wilbor a todo tempo. O que coloca-se no face é muito menos "nosso", esse é o ponto. Quer dizer, nada que colocamos na internet está sob nosso controle no mesmo grau que um bem/documento material pode estar; mas há graus variados de autonomia e controle possível. Titio Mark nos fornece, pra citar o Vilém Flusser, um rascunho de "totalitarismo satisfatório": um playground fechado tão amplo em suas possibilidades que frequentemente esquecemos de seus limites.  Um processo, aliás, perigoso -- pois, imersos nesse sistema, tendemos inconscientemente a  formatar a nós mesmos para funcionar nesses limites.

Como uma Coletividade Borg, o Face continuadamente se expande e assimila heterogeneidade a si mesmo, mas ao mesmo tempo converte tudo à sua própria imagem e semelhança.

Faceborg.

Resistence is futile.


* * *


Bem, o que concluir disto? Eu concluo que é importante não desistir do formato, não abandonar a idéia de um blog mesmo que não se possa investir muito mais nela. Que viva. nem que seja mais como memória e arquivo organizado de informações públicas do que como fonte de novidade.

Não temos garantia nenhuma de que poder melhorar a frequência deste blog. Até porque 
1. não é como se o mundo estivesse pedindo
2. a idéia sempre foi permitir-se uma frequência baixa, não encarar isto como obrigação.
Mas é preciso investir ativamente aqui, mesmo que só de vez em quando. E isso temos como garantir: que Wilbor continue existindo. 
Um mocó mais nosso, apesar de tudo.

Aclamados pela autocrítica, continuaremos sem parte com o tinhoso, fazendo certas coisas com alguma frequência, sempre fazendo mais ou menos para fazer de vez em quando.