(Aconteceu há alguns meses; mas, por ocasião da recente morte de Oscar Niemeyer e de nosso novo "dia do arquiteto", acho que vale a pena relembrar...)
Numa discussão coletiva sobre Evolução x "Intelligent Design" no meu facebook (totalmente involuntária de minha parte, ressalto), tive que presenciar um arquiteto (defensor do I.D.) dizer a outro a seguinte frase:
"Um arquiteto ateu é sempre um constrangimento extra: se não consegue ler o melhor Projeto de todos, estampado não apenas até onde o olho alcança, mas sendo o próprio olho uma parte integrante dele, como ele pode querer projetar algo que preste?"
Achei interessante destacar tal frase porque nela se vê uma amostra perfeita de como funciona a retórica mistificadora de certos polemistas que têm abundado cada vez mais na imprensa e, especialmente, na internet.Trata-se de uma frase de efeito bem colocada, que irrita e ofende seu interlocutor indiretamente (ou seja, sem xingá-lo de incompetente de forma literal), e que é aparentemente coerente e lógica... Mas que não resiste ao mais reles exame empírico de evidências.
A "evidência Niemeyer" sendo, é claro, a primeira que vem à mente.
É sempre chata a onda acrítica de canonização de alguém já absurda e excessivamente consagrado em vida. Mas ainda que haja exagero, ninguém se torna um baluarte sem algum mérito pessoal e histórico acumulado...
Oscar Niemeyer fez muitas obras bem questionáveis, especialmente no fim da vida; mas produziu obras boas, e algumas cuja excelência beira a unanimidade. Não era, enfim, alguém "incapaz" de projetar "algo que prestasse" -- embora um ateu publicamente declarado há décadas.
O mais importante, porém, é isto: se fosse "incapaz" de fazer um bom projeto, certamente não o seria por desacreditar da idéia de uma persona divina. Afinal, os que vêem uma intenção análoga à humana nos movimentos no universo não têm o monopólio da contemplação de sua beleza e complexidade; e, se pensam -- ou dizem -- que têm, é por estarem por demais enredados em seu próprio narcisismo.