Este assunto já foi
discutido recentemente em
vários lugares; mas como é absurdo, rasteiro, sem vergonha e envolve duas áreas de interesses do Wilbor (política e quadrinhos) tinha que ser repercutido aqui, ainda que à tardinha.
Acontece que um tradutor (não colocarei o nome aqui), na revista nº 98 do Batman, deu de traduzir o adjetivo "nasty" (asqueroso, safado, canalha, malévolo, etc.) por... "
petralha".
(Se você nunca ouviu o termo, não sou eu que vou lhe esclarecer. Google aí.)
Pois é. Teve bafafá e etc, obviamente. Um monte de gente estranhou, um monte de gente xingou, muitos nem entenderam, alguns não se importaram e outros apoiaram. A coisa foi repercutida até
lá fora. O editor da Panini
se desculpou. Teve até uma
turma do "deixa-pra-lá" porque, afinal, o cara foi até "corajoso", assumiu a responsabilidade pelo tradutor e pediu desculpas.
(O mesmo tradutor, diga-se de passagem, já tinha dado
uma outra gafe profissional, dessa vez envolvendo a tradicionalíssima revista italiana de faroeste-machão Tex. Nela, o personagem título aparece xingando de "macaco" um negro que o atacava -- tradução sem nada a ver com a fala original.)
Bem, era até pra deixar pra lá mesmo, mas... olhem só um trecho da "desculpa" :
Não houve por parte de ninguém da redação a intenção de atacar partido A ou B. O termo foi usado totalmente desvinculado de qualquer teor político, já que há muito ele deixou de ser apenas uma associação a um partido. O que me parece é que algumas pessoas desejam apenas ver sangue, ou seja, que alguém da redação seja mandado embora apenas para satisfazer seu ego cruel.
[...]Nosso erro foi pressupor que uma gíria que já perdeu o seu caráter político em alguns lugares, não o tenha perdido em todos. Não estávamos querendo tecer nenhuma crítica a partido algum. Acho que já deixei isso bastante claro. Só não entende quem não quiser"
Arrã. ("Vocês é que são uns frescos, rancorosos e desatualizados,
mas eu peço desculpas, viu?").
E o Diretor de Marketing da empresa?
"A Panini considera o termo “petralha” como uma gíria que vem se popularizando no Brasil, e independente da origem do termo, não é mais utilizado no linguajar popular apenas com conotação política, mas como sinônimos para asqueroso, nojento, etc. "
Bom, pra mim nada que insulte tão desavergonhadamente a inteligência alheia deveria ficar sem comentário. O melhor comentário que vi até agora (gostaria que fosse o meu) foi o do cara do
Liberal, Lertário, Libertino:
"Afinal, sério, eu chamo as pessoas de vaca piranha aleatoriamente, sabe? Pode ser homem, pode ser mulher: pra mim é tudo "vaca piranha". Ah, e meu amigo japa, o Inosuke, eu chamo ele de "crioulo" o tempo todo. Poxa, esse termo já perdeu qualquer associação com raça, oxe!"
Ofereço humildemente quatro opções de interpretação para o caso da polêmica tradução.
1. A ingenuidade:
O tradutor é só um simples panaca que convive com um ciclo social paulistano muito fechado, composto quase exclusivamente de leitores, amigos e filhos de leitores da Veja e afins que não dão tanta atenção para política, limitando-se a achar que "tudo o que está aí uma pouca vergonha e se privatizasse ficava bem melhor" e tendo como modelo máximo de politização alguns leitores de Mainardi e Reinaldo Azevedo. Para estes o termo "petralha" simplesmente virou "natural", sem ter conotação de ofender pessoas específicas --afinal, não ofende ninguém que eles conheçam, só "aqueles fulanos ladrões lá".
Santo isolamento social, Batman!
2. O mau perdedor:
o tradutor é anti-petista convicto e apaixonado e, ainda puto da vida com o resultado das eleições, não conseguiu conter sua indignação sagrada e pôs em ação uma micro-vingança contra esse governo corrupto (ou até mesmo contra os "petistas" que ele conhecia pessoalmente). Santo revanchismo, Batman!
2. A ditadura
Acreditando estar num regime de censura que colocou uma ex(?)-terrorista no poder, o tradutor quis fazer seu dever cívico de denúncia e de exercício da livre-expressão, ameaçada pela ditadura gramsciana do "politicamente correto", num ato que jamais poderia vir à tona nessa mídia controlada! (todo mundo que lê Veja, Estadão e Reinaldo Azevedo sabe que o Brasil com seu governo petralha é
campeão de conteúdos censurados no google!!!!) Mas... como fazê-lo? Ora, através de uma guerrilha semântica num meio menos vigiado, aparentemente inofensivo... o gibi!! (Tchaaannnnnn!!!). Seria caso parecido na
tradução de "macaco" na Revista do Tex...o sagrado dever de se desafiar o politicamente correto!
Mas, infelizmente para ela, revelou-se que nada está abaixo do radar da petralhada. Santa ditadura, Batman!
4. "O segredo do sucesso"):
Tanto no caso Batman quanto no caso Tex, o tradutor simplesmente
quis aparecer. Saberia que um monte de pessoas espumariam e gritariam aos quatro ventos, ao mesmo tempo em que várias outras apareceriam defendendo sua "ousadia" e "liberdade de expressão" e o alçariam a micro-herói contra a "patrulha ideológica" ( não importando quão despropositada, grosseira ou pura e simplesmente
inadequada a sua tradução fosse no fim das contas).
Agora, sabe o que é mais legal?
Nenhuma das opções exclui completamente as outras.
...
Pra ser justo: tem quem ache que a mudança pode ter sido feita pelo editor, o que isentaria o tradutor de culpa. As teorias, contudo, seguiriam valendo, com exceção da primeira. Afinal, porque mais alguém mais de cima na hierarquia da Panini iria querer interferir no gibi de maneira tão grosseira? Ora, certamente que
não por causa dos contratos sem licitação que a editora tem com o governo paulista. São só
27 milhões, afinal.
Integridade não tem preço.